Como os protestos pró-democracia de Hong Kong poderão acabar?

21/11/2014 12:22 Atualizado: 13/03/2018 08:01

Um mês atrás, o liberal chinês e professor de direito Zhang Qianfan escreveu um manifesto convocando os estudantes de Hong Kong a “fazer as malas” e sair das ruas.

“A sabedoria na democracia é parar quando se está em vantagem”, foi o título do manifesto. “Se os estudantes do movimento de 1989, em Pequim, tivessem saído no último instante, não teria havido justificativa para a violenta repressão que ocorreu lá”, escreveu Zhang.

Na opinião de Zhang, os alunos em Hong Kong já atingiram o objetivo ao terem ido às ruas, expressado seus pontos de vista e ocupado as ruas por mais de uma semana. Continuar a ocupação levará ao risco de os protestos se transformarem em “atos simplesmente ilegais”, advertiu.

Porém, um mês depois do início do movimento em Hong Kong, os estudantes ainda permanecem lá e sem mostrar sinais de quer irão embora. Ninguém ousa prever um desfecho para o movimento e ambos os lados parecem ter chegado a um impasse.

Há menos pessoas nas ruas e o forte frio do inverno está chegando. Os líderes estudantis que conduzem o movimento já não estão fazendo várias das reivindicações iniciais, o que indica que eles poderão se satisfazer com concessões menores do governo.

Resultados não bons

O título em chinês do manifesto de Zhang Qianfan contém um significado que não está presente em inglês: “Jianhao jiushou”, que significa “se você obtiver um bom resultado, então já pode ir embora”.

Jones Tam, uma manifestante amante da literatura, que faz design de publicidade para uma revista de moda, leu com atenção uma cópia em papel do manifesto entregue a ela, e concluiu que os ativistas já tinham “obtido um bom resultado” por si só pelo movimento.

“Eu acho que esse ‘obter um bom resultado e ir embora’ é uma boa ideia, mas não obtivemos nenhum bom resultado do governo de Hong Kong e não sabemos como ir embora”, disse Tam, parafraseando.

Tam tem ido ao Almirantado quase todos os dias no último mês.  O Almirantado é a maior das zonas de ocupação ao redor dos prédios do governo. “Depois que eu saio do trabalho, tenho ficado horas nesse local como demonstração de apoio.”

“Tivemos um diálogo com o governo, mas sem nada de satisfatório. Cada lado apenas repetiu seus pontos de vista – não houve uma conversa mais profunda”, disse Tam, referindo-se a um debate realizado em 21 de outubro e transmitido publicamente.

Ela observou que o governo de Hong Kong está numa posição “incomoda”, porque não tem poder real. “Eles simplesmente obedecem o governo central da China”.

Impasse

O impasse é simples: os estudantes exigem “verdadeiro sufrágio universal”, ou seja, o direito de eleger um governante entre alguns nomeados pelo próprio povo em vez de ter que escolher um entre um pequeno grupo de pessoas de uma elite leal a Pequim, como ocorre atualmente.

Eles também querem o fim dos chamados “grupos funcionais”, ou seja, que certo percentual dos votos seja atribuído a entidades de classe e grupos econômicos durante os processos de eleição de membros da Assembleia Legislativa e de nomeação de candidatos para o cargo de chefe-executivo.

Parece só haver dois caminhos para que os estudantes deixem as ruas: uma brutal e longa repressão que seja suficientemente violenta para expulsá-los ou, alternativamente, que o governo atenda à principal exigência, ou seja, a adoção de eleições sem restrições.

“O governo central não vai ceder; eles já deixaram isso claro. Mas eles não vão usar meios violentos para reprimir o movimento. Esse é um dilema”, disse Andrew To, um ex-chefe da Liga dos Social Democratas, em entrevista.

“Não é um dilema apenas para os manifestantes, mas é um dilema também para o governo”, disse Andrew To. “Os dois objetivos são contraditórios: você pode resolvê-lo por meios pacíficos se concordar com o pedido dos estudantes ou você pode usar meios violentos para dispersar os manifestantes. E não há como os manifestantes irem embora de outra forma. Eu acho que os protestos podem continuar por meses.”

Políticos pró-governo dizem que não há nenhuma chance de o Partido Comunista Chinês abrir mão de seu poder de vetar o nome de candidatos que ele considera politicamente inaceitáveis.

“Não há como se chegar a um acordo que irá acabar com esse impasse de uma maneira pacífica”, disse Tsang Yok-sing, uma figura pró-regime comunista bem conhecida e presidente da Assembleia Legislativa, em entrevista ao jornal Straits Times.

Nós vamos voltar logo

Bosco Wu, um estudante do ensino médio de 16 anos, disse entre baforadas de cigarro que não há como ele e todos os outros que ele conhece deixarem as ruas sem concessões do governo.

“Temos ido às ruas por mais de uma década”, disse ele, referindo-se as marchas regulares e aos eventos de protesto realizados em Hong Kong ao longo dos anos. “O governo nunca faz nada. Agora queremos que eles mudem. A chance é pequena, mas eles têm que fazer alguma coisa.”

Wu, assim como muitos outros, se preparou para uma ocupação de longa duração. Wu ajuda o movimento trabalhando como voluntário numa barraca que abastece com garrafas de água e alimentos aos ativistas em Mong Kok, num local onde se concentra a maior parte da classe trabalhadora das duas principais zonas de protesto.

Se houver uma remoção violenta, Wu admitiu que “sim, nós teremos que sair”. Mas acrescentou: “Mas vamos voltar logo.”

Milhares de pessoas segurando guarda-chuvas e acenando com seus celulares no Almirantado, em Hong Kong, em 28 de outubro de 2014; pedindo por mais democracia. Não há um fim claro à vista para os protestos que já se estendem por mais de um mês (Benjamin Chasteen/Epoch Times)
Milhares de pessoas segurando guarda-chuvas e acenando com seus celulares no Almirantado, em Hong Kong, em 28 de outubro de 2014; pedindo por mais democracia. Não há um fim claro à vista para os protestos que já se estendem por mais de um mês (Benjamin Chasteen/Epoch Times)

Uma agenda de compromisso

Os estudantes eram inflexíveis quanto às suas reinvindicações iniciais, mas é possível que neste momento parte significativa deles aceite algo diferente, por exemplo, uma promessa por parte do governo de estabelecer uma agenda de compromisso para levar mais democracia ao processo de nomeação.

“Eu acredito que um número significativo de pessoas não sairá mais para protestar se o governo fizer uma promessa realista e estabelecer uma agenda de compromisso”, disse Kist Chan, um manifestante de 25 anos que demonstra ter um profundo conhecimento das questões constitucionais em jogo e um forte compromisso com o movimento. Ele tem ido a Mong Kok por quase um mês.

Aceitar uma agenda de compromisso é aceitar muito menos que as reivindicações iniciais. Os estudantes já não exigem as reivindicações iniciais, o que incluiria a renúncia do chefe-executivo Leung Chun-ying e uma retração do Comitê Permanente do Congresso Popular Nacional (CPN), que. em 31 de agosto, autorizou medidas que frustraram muitos em Hong Kong.

Maçãs podres

“Você quer que eu pegue uma maçã e coma, mas você só me dá as podres para eu escolher”, disse Chan, dizendo sobre como a decisão do CPN fez ele se sentir. “Há maças boas que eu posso comê-las. Por que eu iria querer comer uma maça podre?”

“Se eles nos fornecerem um plano no qual eles se comprometam a finalmente nos dar o direito de escolher nossos próprios governantes, isso receberia um OK. Mesmo que eles queiram nos enganar”, disse ele. “No entanto, eles não vão realmente nos enganar.”

Claro, outra possibilidade é o próprio líder chinês Xi Jinping entrar em cena para resolver diretamente a crise.

Desenhos e obras de arte com o líder chinês Xi Jinping foram postados no protesto de Mong Kok em Hong Kong em 31 de outubro de 2014. Um ativista diz que isso foi feito porque a polícia é menos propensa a arrancar cartazes em que Xi aparece (Benjamin Chasteen/Epoch Times)
Desenhos e obras de arte com o líder chinês Xi Jinping foram postados no protesto de Mong Kok em Hong Kong em 31 de outubro de 2014. Um ativista diz que isso foi feito porque a polícia é menos propensa a arrancar cartazes em que Xi aparece (Benjamin Chasteen/Epoch Times)

Uma decisão do executivo?

A possibilidade para tal saída poderá ocorrer depois que o governo de Hong Kong enviar outro relatório ao Partido Comunista Chinês – algo que Carrie Lam, a secretária-chefe  de Hong Kong, prometeu fazer – , que mostre com precisão a frustração e sentimentos do povo de Hong Kong.

Num cenário otimista, Xi Jinping e a alta liderança comunista poderia usar isso como uma porta para mudar a decisão original do Comitê Permanente do Congresso Popular Nacional, que é dirigido por Zhang Dejiang, um aliado do ex-líder chinês Jiang Zemin, que por sua vez é um inimigo político de Xi.

Apesar da campanha de Xi Jinping para acabar com a corrupção e eliminar seus poderosos inimigos políticos – o que inclui Zhou Yongkang, o ex-chefe da segurança pública, e Xu Caihou, anteriormente o segundo oficial militar mais poderoso na China –, Xi ainda não consegui consolidar seu poder sobre todo o Partido e a máquina do governo.

Esta linha de análise já apareceu em revistas internacionais e de Hong Kong, e parece ser do conhecimento entre os que estão cientes do que se passa na política em Hong Kong. Alguns aliados de Jiang Zemin, incluindo Zhang Dejiang, ainda são capazes de sustentar políticas prejudiciais aos interesses de Xi. Leung Chun-ying, o chefe-executivo de Hong Kong, é conhecido por ter laços com a ampla rede política associada a Jiang Zemin.

As mensagens do próprio Xi Jinping sobre o movimento não têm sido tão radicais como as de Zhang. Acredita-se que Li Keqiang, primeiro-ministro de Xi, tenha expressado no mês passado o ponto de vista de Xi ao dizer que “o povo de Hong Kong tem sabedoria” para resolver a crise.

Depois de fazer uma retratação que amenizou a decisão original Congresso Popular Nacional, Xi conseguiu dar outra alternativa, não absoluta, de como os candidatos ao cargo de chefe-executivo podem ser nomeados. Ele poderia, assim, demitir o amplamente detestado chefe-executivo Leung Chun-ying como um sinal positivo aos manifestantes. A demissão teria como base negócios indecorosos e corruptos de Leung que vieram à tona no início de outubro.

A solução possivelmente inclua a manutenção de certo nível de controle e de certo poder de vetar candidatos por parte de Pequim, mas gestos conciliatórios podem ser suficientes para dar um fim à crise sem derramamento de sangue. Esse cenário, que agora parece estar um pouco longe, certamente exigirá que os manifestantes de Hong Kong fiquem exatamente onde estão, nas ruas.