Como advogado de defesa, Yu Wensheng tentou visitar seu cliente num centro de detenção de Pequim em outubro de 2014. Depois que a polícia lhe recusou o acesso, Yu protestou fora do centro de detenção e online.
Dois dias depois, o próprio Yu foi preso. Ele não foi autorizado a ver um advogado de defesa durante seu período de detenção de 99 dias, quando foi gravemente torturado. Numa ocasião, a polícia amarrou suas mãos para trás numa enquanto sentado numa cadeira de ferro, uma experiência agonizante.
“As minhas mãos estavam tão inchadas e eu sentia tanta dor que eu não queria viver”, disse Yu à Amnistia Internacional em seu relatório de 2015 sobre a tortura. “Os dois policiais repetidamente puxaram as algemas. E eu gritei cada vez que eles as puxavam.”
Mas a brutalidade policial não impediu que Yu Wensheng, de 50 anos, assumisse mais casos de direitos humanos e civis.
Este ano, Yu e outros advogados apresentaram queixas legais contra as autoridades municipais de Pequim e outras cidades próximas por serem incapazes de controlar adequadamente a poluição do ar. Anteriormente, Yu representou vários ativistas de direitos e muitos praticantes do Falun Gong, uma disciplina espiritual tradicional chinesa que tem sido sistemática e brutalmente perseguida por 18 anos pelo regime chinês.
Num grande caso em março de 2016, Yu e três outros advogados defenderam os praticantes do Falun Gong na cidade costeira de Tianjin. Yu também defendeu os ensinamentos do Falun Gong de “verdade, compaixão e tolerância”. Os advogados enfrentaram uma retribuição mínima das autoridades chinesas, o que é incomum devido à sensibilidade dos casos do Falun Gong e da defesa que eles apresentaram.
“Em mais de uma década defendendo a inocência do Falun Gong, há muito tempo ficou claro quem está correto e quem está cometendo um crime”, disse Yu Wensheng ao Epoch Times numa entrevista recente.
Na primeira metade da entrevista, Yu discute seu tratamento de casos do Falun Gong.
Epoch Times: Você recentemente representou Qin Wei, um praticante do Falun Gong de Pequim. Você pode confirmar que ele foi condenado a dois anos e meio por passar um livro?
Yu Wensheng: Que eu saiba, ele foi condenado a dois anos e meio porque deu a um transeunte uma cópia do livro “Nove Comentários sobre o Partido Comunista” [uma série editorial do Epoch Times].
Os “Nove Comentários” discutem as últimas décadas do regime do Partido Comunista Chinês (PCC). Eu folheei esse livro e li algumas seções. Tudo o que ele discute é verdadeiro, e nada foi falseado ou inventado. Publicar e distribuir o livro são atos normais e legais de liberdade de expressão. Usar os “Nove Comentários” como “evidência” para sentenciar Qin Wei por “minar a lei usando uma religião heterodoxa” é absurdo.
A China não tem uma lei que diga que o Falun Gong é considerado uma “religião heterodoxa”. O regime chinês usa o Artigo 300 da lei penal para sentenciar os praticantes sem qualquer base legal.
As autoridades dizem que Qin Wei estava minando a lei. Que lei ele violou? Ele não estava envolvido em atos criminosos. Eu não posso tolerar este tipo de supressão pelas autoridades. Sentenciar Qin Wei é perseguição política.
Qin Wei é uma pessoa de fé. A Constituição chinesa protege a liberdade de crença. A liberdade de religião e de crença está escrita muito claramente na Declaração dos Direitos Humanos. Tenho certeza que Qin Wei não estava envolvido em política e ele não representa qualquer ameaça ao país ou à sociedade. Ao longo de todo o processo de defesa dele, eu não encontrei qualquer evidência contra ele. A acusação também foi incapaz de produzir qualquer prova a este respeito.
É claro que, em casos políticos, às vezes não importa quanta evidência há. Os “Nove Comentários” apresentam muita verdade histórica. As autoridades, no entanto, não querem que os cidadãos chineses saibam a verdade.
Epoch Times: Você já encontrou algum caso em que as pessoas foram sentenciadas por causa de um livro?
Sr. Yu: Sim. Inclusive eu sei de alguém que foi preso e condenado por causa de um poema. Um tempo atrás, eu assumi o caso de Yu Yanjie, do distrito de Daxing, em Pequim. Yu Yanjie foi preso e processado por postar um curto poema online. Uma frase do poema dizia: “A echarpe vermelha está manchada de sangue, e por trás dela há espíritos malignos.”
Naquela época, eu disse no tribunal: “A echarpe vermelha está manchada de sangue” foi algo que aprendemos como crianças devido à educação comunista. Quanto à expressão “por trás dela há espíritos malignos”, eu recordei o “Manifesto Comunista” de Karl Marx, que diz: “Um espectro assombra a Europa – o espectro do comunismo”. Um espectro. Que diferença há entre um espectro e um espírito maligno?”
Quando eu disse isso, os funcionários do tribunal me disseram para parar de falar, dizendo que eu estava engajado em minha própria “propaganda reacionária”. Isto é o Manifesto Comunista. É o que vocês mesmos disseram. Vocês até dizem que a bandeira vermelha chinesa está manchada de sangue. Eu estou fazendo propaganda reacionária por que repeti as palavras do Partido Comunista Chinês? Eu não tenho permissão para usar suas próprias palavras? É propaganda reacionária se ela sai da minha boca? É publicidade positiva se vem da boca deles?
Na lei não há a palavra “reacionário”. Que regulamento da Lei de Processo Penal diz que ir contra o Partido é um crime? Se você está errado, então você deve enfrentar oposição, mas você nem sequer permite a crítica ou uma voz de oposição. Então você não precisa do “Congresso Popular”, das leis de acusação pública, dos advogados, dos institutos de inspeção ou dos tribunais. Tudo que você precisa é da Secretaria de Segurança Pública.
Se um internauta qualquer se mostra infeliz com o governo, nada severo ocorrerá. Ele pode ser libertado após alguns dias de detenção. No entanto, os praticantes do Falun Gong podem ser condenados. A questão torna-se política e as autoridades apreendem um livro ou poema como desculpa para acusarem alguém, prendê-los e promoverem perseguição política.
Nesse caso, por que precisamos de leis?
Epoch Times: As autoridades chinesas condenaram praticantes do Falun Gong com o argumento de que precisam “manter a estabilidade” na sociedade. Você acha que os praticantes são uma ameaça para a sociedade?
Sr. Yu: Este é um país administrado por ateus. O Partido Comunista proíbe as pessoas de crerem em Deus. Eles não permitem que você se separe do ateísmo. Eles formaram organizações para todas as religiões tradicionais, como a Igreja Patriótica Cristã dos Três-Autos e a Associação Budista. Há monges de níveis de divisão e de seção. A religião é essencialmente administrada pelo Partido.
Eu interagi com muitos praticantes do Falun Gong. Eu sinto que se todos acreditassem no Falun Gong, então, nas palavras do próprio Partido, a sociedade se tornaria muito harmoniosa. Tenho total respeito pelos praticantes do Falun Gong. Eles têm padrões extremamente elevados para si próprios que eu mesmo ainda não pratico porque não consigo abrir mão de muitas coisas mundanas. O Falun Gong ensina você a ser uma pessoa melhor e a abdicar de seus desejos egoístas.
A maioria de nós culpa os outros quando surgem problemas para aliviar nossas próprias responsabilidades. Os praticantes do Falun Gong são diferentes. Quando surgem problemas, eles olham primeiramente para dentro e consideram as deficiências que têm. Eles assumem a responsabilidade por suas próprias ações e muito mais. Isso realmente me emociona.
Às vezes eu tenho desentendimentos com os praticantes do Falun Gong, mas qualquer que seja o problema, eles sempre buscam dentro de si mesmos pela razão. Depois de interagir com eles por algum tempo, eu também aprendi a olhar primeiramente para os meus próprios problemas antes de culpar os outros. Uma vez que eu tenho certeza que eu não sou culpado, então eu posso começar a considerar se outros têm culpa. No entanto, eu ainda não alcancei o nível de abdicar do ego.
Epoch Times: Você já assumiu muitos casos do Falun Gong. Sua lógica de defesa é diferente da que outros advogados usaram no passado?
Sr. Yu: A partir de 2016, eu assumi muitos casos do Falun Gong de todo o país. No começo eu pensei que eu poderia pegar apenas alguns casos e então prosseguir para outras coisas. No entanto, eu não podia prever que as autoridades prenderiam tantos praticantes do Falun Gong naquele ano.
Acho que dez anos atrás os advogados tinham uma estratégia principalmente defensiva e protetora. Os promotores traziam suas espadas enquanto os advogados de defesa traziam seus escudos. No entanto, um escudo só pode protegê-lo. Acho que essa estratégia já não é suficiente. Um escudo é bom para proteger, mas enquanto você não puder atacar legalmente, isso não ameaça as autoridades que perseguem o Falun Gong.
Meu pensamento agora é que os advogados que vão ao tribunal devem ter um escudo numa mão e uma espada na outra. Se você chegar com uma espada e apontar a verdade por trás deles quando cometem um ato ilegal, a acusação fica com medo de se machucar. Seja a polícia, as procuradorias ou os tribunais, eles devem considerar que, se continuarem perseguindo o Falun Gong, eles serão responsabilizados no futuro.
Eu observo os promotores o tempo todo. Eles já lidaram com muitos casos do Falun Gong, então, geralmente, quando você está falando no tribunal, eles não ouvem e fazem pequenos movimentos laterais. No entanto, assim que você menciona que eles estão envolvidos num crime, eles começam a prestar atenção. De repente, o promotor levanta a cabeça para ouvir. O juiz também ouve. Na verdade, eles entendem claramente em seus corações: aqueles que perseguem o Falun Gong serão responsabilizados no futuro!
Eles devem estar cientes de que perseguir o Falun Gong é um crime! Devemos apontar isso não só do ponto de vista técnico, mas também do ângulo jurídico fundamental.
Do ponto de vista legal, não existem leis na China que criminalizem especificamente a prática do Falun Gong. O Falun Gong não é uma das 14 organizações cultistas identificadas pelo Partido. Na verdade, rotular até mesmo essas 14 organizações como cultos é ilegal porque o Ministério da Segurança Pública, o Gabinete Geral do Estado e o Partido não têm o poder para determinar o que é um culto.
A mudança no meu pensamento de ir para a ofensiva ao representar meus clientes finalmente levou à minha defesa de Zhou Xiangyang e Li Shanshan em Tianjin. Embora esse fosse apenas um caso, eu senti que era de fato uma defesa de toda a comunidade do Falun Gong. A defesa resumiu tudo o que ocorreu desde 1999, a perseguição politicamente motivada das autoridades contra o Falun Gong, e assinalou que na verdade foram as autoridades que cometeram crimes.
Este caso me deu a oportunidade de retribuir com o que eu considero meu dever a este grupo de pessoas. Os praticantes do Falun Gong realmente passaram por muita coisa. Eu acredito que a comunidade do Falun Gong criou uma abertura para o povo chinês. Sem eles, a situação dos direitos humanos na China poderia ser muito pior.
Leo Timm contribuiu para este artigo.