China usa “armadilha de dívida” diplomática para buscar hegemonia geopolítica

Táticas permitem que a China amplie seus abusos aos direitos humanos segundo críticos

20/12/2018 20:05 Atualizado: 21/12/2018 11:38

Por Emel Akan

WASHINGTON – Por meio de sua iniciativa um cinturão, uma estrada (ICE), a China está investindo bilhões de dólares em países emergentes para ajudar a construir grandes projetos de infraestrutura. Muitos desses projetos, no entanto, são financiados por credores chineses controlados pelo Estado, deixando algumas nações em dificuldades e sobrecarregando sua soberania.

O ICE, também conhecido como um cinturão, uma rota, é um dos programas de desenvolvimento mais ambiciosos do mundo, abrangendo quase 70 países e mais de dois terços da população mundial. Foi proposto pela primeira vez pelo líder chinês Xi Jinping em 2013.

O Partido Comunista Chinês tornou a iniciativa uma peça central de seus planos para aumentar sua influência geopolítica. A iniciativa visa direcionar trilhões de dólares de investimento para uma vasta rede de infraestrutura de transporte, energia e telecomunicações que conecta a Ásia, a Europa e a África.

Os projetos de construção maciça do ICE são financiados principalmente por uma ampla gama de governos locais e instituições controladas pelo regime chinês. Nos últimos anos, no entanto, a iniciativa foi percebida como uma “armadilha de endividamento”, aumentando o risco de dificuldades econômicas nos países mutuários, particularmente na Ásia Central e do Sul.

A questão sobre se Pequim está buscando uma “diplomacia da dívida” por meio dessa iniciativa provocou um novo debate internacional. Ao contrário de suas promessas de entregar prosperidade para a população local nos países anfitriões, a China está realizando um jogo de perda e ganho, de acordo com os críticos.

Jeff Smith, especialista em Asia do Sul, da The Heritage Foundation, diz que algumas ofertas do ICE são uma via de mão única. Falando em um painel organizado pela fundação, ele disse que as nações participantes acumularam grandes somas de dívida com instituições financeiras chinesas e ficaram presas a altas taxas de juros.

Além disso, os empreiteiros chineses conquistam a maior parte da construção de muitos projetos de infraestrutura. As nações participantes compensam as empresas chinesas usando materiais e trabalhadores chineses.

De acordo com um estudo do Center for Strategic and International Studies, de todos os contratados que participam de projetos financiados pela China, 89% são de empresas chinesas. Isso contrasta com projetos financiados por bancos multilaterais de desenvolvimento que normalmente usam quase 40% de contratados locais.

O primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, chamou a iniciativa de “novo colonialismo” para expressar seu desconforto com a crescente influência política e econômica da China na região.

Retorno Geopolítico

Os países ocidentais levantaram preocupações sobre o ambicioso plano de desenvolvimento internacional de Pequim, por causa de questões que incluem falta de padrões, transparência e prestação de contas em acordos de construção. De acordo com Smith, esses acordos facilitaram a corrupção e o nepotismo e minaram as práticas de empréstimo existentes e padrões internacionais.

As centenas de bilhões investidos nesses países não produziram nenhum retorno econômico. Pequim está buscando principalmente retornos geopolíticos, o que aumentou o risco da dívida.

“Certamente há questões sobre sustentabilidade financeira e risco de endividamento” para os países que participam do ICE, disse Smith.

De acordo com a empresa de pesquisa RWR Advisory Group, 270 projetos de infraestrutura do ICE (ou 32% do valor total dos projetos) foram suspensos devido a preocupações financeiras. E a dívida soberana de 27 países participantes do ICE é considerada “lixo” pelas agências de classificação, enquanto outros 14 não têm nenhuma classificação.

Países como Djibuti, Quirguistão, Laos, Maldivas, Mongólia, Montenegro e Paquistão estão com sérios problemas, segundo Smith.

O pagamento da dívida externa do Paquistão, por exemplo, aumentará em 65% no ano que vem. Enquanto isso, suas reservas de divisas estrangeiras caíram 40% nos últimos dois anos.

“Isso é insustentável”, disse Smith.

Abusos dos Direitos Humanos

A diplomacia da armadilha de dívida também permitiu que a China expandisse seus abusos aos direitos humanos. Há um aumento no assédio dos dissidentes chineses no exterior, na prisão de estrangeiros na China e na repressão à liberdade acadêmica. E a China tem usado sua influência econômica e política na região para silenciar os críticos.

Smith disse que a maioria dos especialistas chineses dirá que houve uma mudança na última década não apenas na política externa da China, mas também em sua política interna para se tornar uma nação mais assertiva e “em alguns aspectos, uma nação mais agressiva em casa”.

“[ICE], como uma extensão da influência chinesa, amplificou algumas dessas preocupações e serviu como um representante para algumas dessas preocupações”, disse ele.

A administração Trump tem sido uma crítica consistente do ICE e da China nos últimos dois anos, tem estado particularmente preocupada com a crescente crise da dívida na região da Ásia-Pacífico.

O secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, alertou anteriormente sobre as iminentes crises financeiras na região e apontou para a China, chamando-a de “credor soberano emergente e não transparente”.

A questão também foi levantada na cúpula do G-20 em Buenos Aires e os líderes mundiais concordaram em tomar medidas para lidar com “as vulnerabilidades da dívida em países de baixa renda”.

“Vamos trabalhar no sentido de aumentar a transparência da dívida e sustentabilidade, e melhorar as práticas de financiamento sustentável”, disse o comunicado.

Os países do G-20 também conclamaram “o FMI e o Banco Mundial a trabalhar com mutuários e credores para melhorar o registro, o monitoramento e a divulgação transparente de obrigações de dívida pública e privada”.

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