China e URSS ajudaram Coreia do Norte a desenvolver seu programa de armas nucleares

31/01/2018 15:35 Atualizado: 03/02/2018 20:54

Sem reservas de petróleo e com limitadas reservas de carvão, a Coreia do Norte é, em termos gerais, deficiente em recursos energéticos. No entanto, é um país rico em urânio e está entre os países com as maiores reservas de grafite do mundo. Em 1953, pouco depois do fim da guerra entre as Coreias, Kim Il-sung ordenou ao alto comando que era imperativo adquirir armas nucleares, marcando assim o ponto de partida do programa de armas nucleares da Coreia do Norte.

No entanto, o país não teria conseguido sem o apoio de seus poderosos aliados comunistas, a União Soviética e a China.

Analisando evidências históricas, pode-se constatar essa ajuda.

Ex-especialistas da União Soviética

Em 1962, a convite, um grupo de cientistas nucleares da União Soviética, liderado por Vladislav Kotlav, viajou para a região montanhosa ao norte da Coreia do Norte para construir instalações, que mais tarde se tornaram conhecidas como Centro de Pesquisa Científica Nuclear de Yongbyon. O Centro de Pesquisa contava com mais de 100 técnicos e pesquisadores nucleares, a maioria dos quais eram jovens especialistas soviéticos que haviam estudado física nuclear na União Soviética. De acordo com a Nuclear Threat Initiative, organização de pesquisa com sede nos Estados Unidos, Kotlav e sua equipe de cientistas soviéticos supervisionaram a construção de um reator de água leve, o Reator de Pesquisa Nuclear IRT-2000, para a Coreia do Norte. O reator nuclear foi concluído em 1965.

O reator de água leve da Coreia do Norte foi construído com o objetivo de realizar os trabalhos preparatórios para a fabricação de armas nucleares. Mas era muito difícil extrair plutônio — matéria-prima chave para a fabricação dessas armas — com um reator deste tipo. O reator de água leve foi apenas o começo do ambicioso programa nuclear da Coreia do Norte. A finalização do reator de água leve em Yongbyon chamou a atenção dos Estados Unidos. Desde a década de 1960, os norte-americanos acompanham de perto o Centro de Pesquisa Científica Nuclear de Yongbyon. No mesmo ano em que o reator foi concluído, um satélite de reconhecimento norte-americano tirou fotografias da usina nuclear. Posteriormente, em 1967, 1970 e 1975, Yongbyon expandiu suas instalações. Apesar da vigilância sobre o desenvolvimento nuclear da Coreia do Norte, os Estados Unidos não se preocuparam demais com a ambição do país asiático com seu programa de armas nucleares até meados da década de 1980, de acordo com relatórios da inteligência dos Estados Unidos não classificados.

Televisão mostra imagens da demolição pública da torre de resfriamento da Coreia do Norte em seu complexo nuclear de Yongbyon, em Seul, em 27 de junho de 2008. A Coreia do Norte explodiu a torre de resfriamento para demonstrar o compromisso do Estado Comunista de desmantelar seu programa nuclear (Jung Yeon-Je/AFP/Getty Images)
Televisão mostra imagens da demolição pública da torre de resfriamento da Coreia do Norte em seu complexo nuclear de Yongbyon, em Seul, em 27 de junho de 2008. A Coreia do Norte explodiu a torre de resfriamento para demonstrar o compromisso do Estado Comunista de desmantelar seu programa nuclear (Jung Yeon-Je/AFP/Getty Images)

Com a desintegração da União Soviética em 1991, criou-se uma boa oportunidade para a Coreia do Norte. Dezenas de cientistas soviéticos que se especializaram no desenvolvimento de armas nucleares não tinham mais emprego, mas a Coreia do Norte estava disposta a contratá-los.

Em dezembro de 1992, durante um discurso feito no parlamento russo, Viktor Barannikov, então diretor do Serviço Federal de Contra-Inteligência da Rússia (FSK), revelou que seus agentes impediram que 64 especialistas em mísseis russos chegassem a um determinado país para construir complexos de mísseis que pudessem lançar armas nucleares. Ele não revelou qual era o país, mas jornalistas localizaram os especialistas e descobriram que eles estavam indo para a Coreia do Norte, conforme detalhado em “O Programa Nuclear da Coreia do Norte”, uma coletânea de pesquisas acadêmicas publicada em 2000.

Além disso, em 1992, as autoridades russas abordaram e detiveram um voo prestes a decolar de Moscou que levava 36 especialistas russos em design de mísseis que se dirigiam à Coreia do Norte e que tinham sido recrutados para projetar mísseis. Esses cientistas provinham de um centro de pesquisa e desenvolvimento nuclear localizado nos Montes Urais, de acordo com um relatório da United Press International. Eles ganhavam um salário mensal de 1.500 a 4.500 dólares.

Ainda não está claro quantos especialistas em armas nucleares que anteriormente trabalharam para a União Soviética foram contratados pela Coreia do Norte. Mas esses cientistas e técnicos foram os objetivos principais e permanentes das propostas norte-coreanas.

Rumo à Coreia do Norte através do Paquistão via China

A Coreia do Norte também estabeleceu laços com “o pai da bomba nuclear paquistanesa” e físico nuclear Abdul Kadeer Khan. Após sua prisão, Khan admitiu que havia vendido mais de 20 centrífugas P1 e P2 para a Coreia do Norte para o enriquecimento de urânio em 1990. O especialista visitou as instalações nucleares da Coreia do Norte, enquanto os pesquisadores nucleares da Coreia do Norte visitaram secretamente o Paquistão. De acordo com especialistas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a tecnologia de extração de plutônio utilizada no reator nuclear de Yongbyon trazia o selo do Paquistão.

Cientista nuclear Abdul Qadeer Khan no Tribunal Superior de Rawalpindi, no Paquistão, em 9 de janeiro de 2010 (Behrouz Mwhei/AFP/Getty Images)
Cientista nuclear Abdul Qadeer Khan no Tribunal Superior de Rawalpindi, no Paquistão, em 9 de janeiro de 2010 (Behrouz Mwhei/AFP/Getty Images)

Em suas memórias publicadas em 2006, o ex-presidente paquistanês Pervez Musharraf admitiu que a Coreia do Norte realizou transações secretas com uma rede clandestina internacional de tráfico nuclear administrada por Khan. O especialista possui doutorado em engenharia metalúrgica e uma vez trabalhou para uma empresa de enriquecimento de urânio na Europa. Em 1975, Khan retornou secretamente ao Paquistão com planos de fazer centrífugas e começou a dirigir a pesquisa sobre armas nucleares do Paquistão. O presidente Musharraf admitiu que, sob a liderança do cientista, a principal fonte de materiais e tecnologias para fabricar armas nucleares no Paquistão havia atravessado uma rede subterrânea que operava principalmente em países europeus desenvolvidos. Logo depois, Khan estabeleceu sua própria rede clandestina de tráfico e a Coreia do Norte foi um dos seus maiores clientes. De acordo com as memórias de Musharraf, Khan vendeu quase duas dúzias de centrífugas P1 e P2 para a Coreia do Norte, além de fornecer equipamentos de medição e combustível para o funcionamento das centrífugas. Khan também transmitiu tecnologias de centrifugação para especialistas norte-coreanos e levou-os para visitar sua fábrica de centrífugas secreta.

A AIEA, que era a responsável por investigar Khan, ficou surpresa ao descobrir o alcance de sua rede. A investigação revelou que cerca de 30 empresas de 30 países participaram desse mercado negro.

Mas onde exatamente o Paquistão obteve suas tecnologias nucleares? Huang Ciping, ex-pesquisador do Instituto Chinês de Energia Atômica, um instituto estatal de pesquisa que operou na década de 1980, em uma entrevista em fevereiro do ano passado, com a estação de televisão chinesa New Tang Dynasty Television, declarou: “Parte do nosso trabalho era transmitir nossas tecnologias nucleares para o Paquistão e outros países. Eles enviaram especialistas aqui (China) para aprender de nós e a China também enviou especialistas especialmente para o Paquistão para fornecer-lhes assistência técnica”.

“A China também entregou matérias-primas nucleares. Um artigo do jornal The Washington Post de 2009 divulgou trechos dos relatórios escritos de Khan que o jornal obteve. O especialista explicou que, em 1982, a China forneceu ao Paquistão 50 quilos de urânio enriquecido para uso em armas nucleares, o suficiente para fazer duas bombas atômicas. Funcionários atuais e antigos dos Estados Unidos disseram que os relatórios de Khan confirmam a longa conclusão tomada pela comunidade de Inteligência dos Estados Unidos, de que a China forneceu essa ajuda”, informou o Washington Post.

Em setembro de 2001, os Estados Unidos impuseram sanções à estatal China Metallurgical Equipment Corporation (MECC) por vender peças de mísseis ao Paquistão. Huang Ciping explicou a razão pela qual a China ajudou o Paquistão: “Porque a China não se dava bem com a Índia, o gigante asiático resolveu ajudar o Paquistão [em seu desenvolvimento de armas nucleares] para contrariar a Índia. Tendo testemunhado atos tão irresponsáveis, comecei a duvidar seriamente de se essas tecnologias avançadas trouxeram benefícios ou desastres à humanidade”.

Homem passa por um restaurante norte-coreano localizado em uma das maiores cidades da China, Shenyang, a nordeste da província de Liaoning, em 7 de janeiro de 2018 (Chandan Khanna/AFP/Getty Images)
Homem passa por um restaurante norte-coreano localizado em uma das maiores cidades da China, Shenyang, a nordeste da província de Liaoning, em 7 de janeiro de 2018 (Chandan Khanna/AFP/Getty Images)

“Mais de uma década depois, empresas chinesas continuaram ajudando a Coreia do Norte. Em 11 de fevereiro de 2013, o Departamento de Estado dos Estados Unidos emitiu — conforme a Lei de Não Proliferação do Irã, Coreia do Norte e Síria — uma lista de empresas e indivíduos aos quais impuseram sanções por estarem envolvidos com essas nações na proliferação de armas. Várias empresas chinesas estavam implicadas, como a BST Technology and Trade Company, China Precision Machinery Import and Export Corporation, Dalian Sunny Industries e Poly Technologies Incorporated. Essas entidades contribuíram materialmente (ou representaram risco de contribuir materialmente) para a proliferação de armas de destruição em massa ou seus sistemas de lançamento (incluindo mísseis capazes de lançar essas armas)”, afirmou o Departamento de Estado.

A China também tinha outro motivo ulterior, de acordo com Chen Pokong, analista de política chinesa. Em sua análise, ele cita documentos do WikiLeaks que parecem não estar mais disponíveis; disse que o vice-primeiro-ministro Qian Qichen, na tentativa de salvar seu filho de acusações de corrupção, contou às agências de inteligência norte-americanas que as capacidades nucleares da Coreia do Norte foram encorajadas por Pequim para contrabalançar a influência dos Estados Unidos sobre Taiwan. Através dessas negociações, que permaneceriam indefinidamente, o objetivo final de ambos os países asiáticos era fazer com que os Estados Unidos escolhessem entre abandonar Taiwan ou enfrentar uma guerra com a Coreia do Norte.

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