Entendendo a máquina de propaganda de Pequim no estrangeiro

08/12/2017 13:05 Atualizado: 08/12/2017 16:40

No ambiente de censura à imprensa na China, os porta-vozes do governo, como a Xinhua e a Central de Televisão da China, adestram a audiência com as diretrizes do Partido. Uma gigantesca burocracia da censura vigia as muitas plataformas de mídia, desde a imprensa até a virtual, pelas quais os 1,3 bilhão de chineses recebem informações sobre os mais variados problemas públicos.

E, nos últimos anos, Pequim usou sua força econômica para projetar sua narrativa, por meio das sociedades livres de muitas nações estrangeiras, inclusive dos Estados Unidos.

A prestigiosa imprensa tradicional, atraída pela possibilidade de entrar no vasto, mas rigidamente controlado, mercado chinês, aceita a influência do regime comunista em suas notícias.

Uma reportagem do Wall Street Journal analisa as incursões que a mídia estatal chinesa e empresas associadas fizeram, como, por exemplo, o documentário “China: a era de Xi”, produzido pelo ramo asiático do Discovery Channel, em estreita cooperação com o Centro de Comunicação Intercontinental da China (CCIC).

“China: a era de Xi” apresenta o governo do líder chinês Xi Jinping. Faz grandes elogios às suas políticas públicas e mostra declarações de admiração de intelectuais e de políticos estrangeiros, ao mesmo tempo que ignora, quase que por completo, os abusos associados ao sistema autoritário chinês.

O CCIC é capitaneado pelo departamento de propaganda do Partido Comunista, e, como a reportagem do Wall Street Journal observa, o seu envolvimento está flagrantemente ausente dos créditos do documentário.

A Corporação Televisiva Internacional da China (CTIC), outra empresa estatal, possui quase 70 subsidiárias em todo o mundo, incluindo os Estados Unidos, Japão, França e Austrália.

De acordo com uma reportagem publicada no website do Ministério da Cultura da China, a CTIC estabeleceu, em 2016, uma “comunidade internacional de cooperação televisiva”. Essa comunidade tem parcerias com dezenas de companhias, dos 33 países envolvidos no programa de desenvolvimento de infraestrutura “Um Cinturão, Uma Rota” (One Belt, One Road), que o governo de Xi Jinping promove como a pedra angular da política externa de Pequim.

De acordo com a reportagem, mais de 10 documentários e outros programas produzidos por chineses foram exibidos em horário nobre em emissoras estatais e mídias digitais de 20 países.

Conforme um relatório intitulado “Princípios Orientadores para Exportação de Produtos Culturais e Serviços”, disponível no website da receita federal chinesa, os principais objetivos da indústria televisiva incluem “obter um potencial favorável para expansão”. O relatório exige o aumento da produção e da distribuição de programação cultural, bem como o estabelecimento de redes, bem estabelecidas no exterior, de propaganda e venda.

Brechas

De acordo com o último relatório anual da Comissão dos Estados Unidos de Avaliação da Economia e da Segurança na China, esse país ampliou a censura à imprensa privada nacional e estrangeira, enquanto a imprensa estatal chinesa cresceu rapidamente no exterior. Enquanto o governo dos EUA possui normas que limitam a atividade de jornalistas a serviço de governos estrangeiros, de acordo com a Lei de Registro de Agentes Estrangeiros (Foreign Agents Registration Act, FARA), muitas das pessoas trabalhando para a imprensa estatal chinesa nos Estados Unidos não são abarcadas por essa legislação.

Pegando o China Daily como exemplo, um jornal em língua inglesa comandado pelo Partido Comunista, exige-se que apenas seus principais executivos registrem-se junto às autoridades norte-americanas.

Segundo a Reuters, a FARA foi aprovada em 1938, num esforço para combater a propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Ela exige que governos estrangeiros, partidos políticos e os lobistas contratados por estrangeiros se registrem no Departamento de Justiça.

Além de fazer propaganda para favorecer a imagem do regime autoritário, a presença da imprensa estatal chinesa nos Estados Unidos é, também, um risco à segurança nacional.

Em seu relatório de 4 de maio, a analista de Ásia Oriental Sarah Cook, da organização de direitos humanos Freedom House, escreveu que “a quantidade de pessoas e entidades registradas pela China parece ser consideravelmente menor, levando em conta o que sabemos sobre as atividades de coleta de inteligência e os esforços de guerra de informação conduzidos pela China”.

Fazendo se passar por empresas jornalísticas comuns em operação nos Estados Unidos, a imprensa comandada pelo Partido Comunista provavelmente duplica as redes de coleta de dados de inteligência para subsidiar o planejamento estratégico da China e para vigiar dissidentes no exterior.

De acordo com Sarah, cujo relatório foi citado pela Comissão de Avaliação da Economia e da Segurança, “parece haver brechas na legislação. Elas precisam ser sanadas…”.

Expandindo a força de persuasão

A penetração na esfera dos meios de comunicação estrangeiros reflete uma estratégia de longo prazo do governo chinês para obter uma posição no ideário das sociedades em que as pessoas possuem a liberdade de criticar o regime autoritário da China.

Desde a virada do novo milênio, o regime chinês tem promovido centenas de Institutos Confúcio em escolas e universidade em todo o mundo. Esses institutos, promovidos como um programa de ensino da cultura e da língua chinesa, sofreram duras críticas de dissidentes políticos e de grupos de defesas dos direitos humanos, que apontaram a estreita relação dos institutos com os escritórios no estrangeiro do Partido Comunista, bem como suas diretrizes ideológicas que seguem, as práticas discriminatórias no trabalho e o impacto negativo na liberdade acadêmica.

Em Hollywood, a influência do dinheiro chinês é evidente. No final de 2016, o grupo Wanda, que possui ligações com o Estado chinês, realizou investimentos bilionários na indústria cinematográfica norte-americana, causando preocupação quanto a violação das leis estadunidense antitruste, além da influência ideológica indevida na produção cinematográfica.

Recentemente, muitos filmes foram criticados, por evitar temas considerados sensíveis para os censores chineses. Um exemplo é o filme “Amanhecer Violento”, no qual os antagonistas, militares chineses, foram alterados para militares norte-coreanos.

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