China congela para reduzir poluição

12/12/2017 16:00 Atualizado: 12/12/2017 16:00

Um trabalhador da construção civil preso por acender uma fogueira para se aquecer tornou-se um símbolo para os internautas chineses de uma política energética que deu errado. Com o inverno na China agora, o regime está tendo dificuldade em manter os cidadãos aquecidos enquanto tenta satisfazer novas metas de poluição.

Em 29 de novembro, o Sr. Wang, um operário da construção na cidade de Xinzhou, na província de Shanxi, foi detido por oficiais da segurança pública local depois que foi descoberto ter iniciado três fogueiras de carvão para se aquecer no sítio de obras onde trabalhava, de acordo com o portal de notícias chinês Sina. Wang foi acusado de violar a Lei de Controle e Prevenção da Poluição Atmosférica da China e colocado em prisão administrativa por cinco dias.

A prisão de Wang gerou comentários irados e sarcásticos no Weibo, um serviço popular de microblogue na China, semelhante ao Twitter. Um internauta da província de Guangdong escreveu: “Outros países lidam com a poluição atualizando suas indústrias. Nós fazemos isso congelando as pessoas pobres até a morte. Você não pode mexer com [autoridades chinesas].”

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Outro internauta identificado como “looklitao”, da província de Henan, escreveu: “Vamos remover esses pobres trabalhadores! Pequim não simplesmente assumiu a liderança fazendo isso? Por que há a necessidade de prender essa pessoa?” O internauta referia-se aos recentes despejos em massa em Pequim, onde trabalhadores migrantes pobres foram expulsos dos subúrbios da cidade após um incêndio mortal.

Redução de poluição atmosférica

Com o inverno vem a temporada de nevoeiros no norte da China. Os nevoeiros de poluição são notórios no país e uma séria preocupação de saúde. Um estudo da Universidade de Chicago descobriu que o ar poluído reduzia em três anos a vida média no norte da China. Um estudo da Universidade de Nanjing de 2016 descobriu que a poluição estava ligada à quase um terço de todas as mortes na China.

Em 2014, o primeiro-ministro Li Keqiang anunciou uma “guerra contra a poluição”, e o trabalhador Wang pode ser considerado uma vítima nessa guerra. Para lidar com a poluição atmosférica de Pequim, as fábricas poluentes foram ordenadas a sair da cidade, e veículos particulares só podem circular nas ruas em dias designados (placas de licença terminando com números ímpares ou pares podem circular em dias alternados).

China, carvão, poluição, gás natural - Um idoso chinês anda diante de um grupo de pessoas sob uma densa névoa em Pequim em 20 de dezembro de 2016 (Wang Zhao/AFP/Getty Images)
Um idoso chinês anda diante de um grupo de pessoas sob uma densa névoa em Pequim em 20 de dezembro de 2016 (Wang Zhao/AFP/Getty Images)

Mas o regime chinês acredita que o principal culpado por trás da poluição atmosférica é o carvão. De acordo com a mídia porta-voz do regime, a Xinhua, o objetivo do Partido Comunista Chinês (PCC) é reduzir em 60% a quantidade de carvão utilizada para gerar eletricidade até o ano de 2020.

Escassez de gás natural

Com o uso do carvão reduzido, a demanda por gás natural aumentou, causando escassez nas províncias de Shanxi, Shaanxi e Hebei (a província que circunda Pequim). A partir de 28 de novembro, as autoridades provinciais de Hebei emitiram um aviso de cor laranja (logo abaixo da classificação mais severa de quatro níveis), de acordo com o Sina, o que significa que a província enfrentou uma escassez de gás natural de 10-20%. Um sistema de racionamento foi implementado, com os usuários comerciais sendo os primeiros a terem sua oferta cortada.

Para piorar as coisas, com milhões no norte da China agora dependendo do gás natural, o inadequado desenvolvimento da infraestrutura da região impediu que muitas cidades do norte recebessem abastecimento suficiente.

Com temperaturas de até cerca de -4 graus Célsius em Hebei e Shaanxi, muitos moradores se queixaram da carência do abastecimento, de acordo com o jornal Apple Daily da Hong Kong. Na cidade de Zhuozhou, em Hebei, muitas pessoas recentemente se queixaram de que seu abastecimento de gás natural um dia parou de repente às 8 p.m., para voltar apenas às 4 da madrugada do dia seguinte.

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Em 3 de dezembro, funcionários do Hospital Afiliado da Universidade de Hebei na cidade de Baoding tiveram que negociar com a empresa local de gás para manter o suprimento de gás natural do hospital, de acordo com o website de notícias estatal chinês The Paper. A companhia de gás anunciou em 28 de novembro que cortaria o gás devido à baixa demanda na área.

Em 5 de dezembro, o jornal estatal Diário da Juventude da China relatou que muitas escolas do condado de Quyang, em Hebei, ficaram sem aquecimento, porque as autoridades locais não substituíram o antigo sistema de aquecimento de carvão das escolas com um movido por eletricidade ou gás natural.

Na Escola Elementar de Nanyawocun, também em Quyang, muitas classes foram realizadas do lado de fora sob a luz solar, uma vez que as salas de aula ficaram extremamente frias sem aquecimento. Numa escola em Qicunzhen, uma cidade em Quyang, os alunos tiveram que usar aquecedores de mão para suportarem o frio.

Liu Ruishao, um comentarista político bem conhecido em Hong Kong, disse ao Apple Daily que a recente falta de gás natural, bem como os despejos de trabalhadores em Pequim, mostravam como as autoridades chinesas se preocupam com satisfazer as demandas de seus superiores, pois eles “farão o que quer que seja necessário para cumprir sua missão política”.

“Se não houver reforma na cultura do Partido Comunista Chinês, ações que podem prejudicar as pessoas continuarão a acontecer com frequência”, acrescentou Liu Ruishao.