O Canadá pode não estar na mesma liga que as potências mundiais como os Estados Unidos ou o Reino Unido, no entanto, ainda é um “terreno estratégico muito importante a ser conquistado” pela China, de acordo com um ex-funcionário sênior do Serviço Canadense de Inteligência de Segurança (CSIS).
Os motivos principais são três, diz Michel Juneau-Katsuya, que foi diretor do escritório de Ásia-Pacífico do CSIS.
Primeiro, o Canadá é uma sociedade baseada no conhecimento, o país está entre os maiores investidores em pesquisa e desenvolvimento (P&D) per capita do mundo.
Em segundo lugar, o Canadá tem uma enorme reserva de recursos naturais que a China precisa.
Terceiro, não só o Canadá tem segredos valiosos por conta própria, sejam eles tecnológicos, comerciais ou relacionados à defesa, mas o Canadá também é um parceiro estratégico em todas as principais alianças e fóruns do mundo, incluindo o G7, G20, NORAD , OTAN e outros.
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“Nós somos a porta de acesso à Europa ou aos Estados Unidos, e isso é bem entendido pelos chineses”, diz Juneau-Katsuya.
“O Canadá continuará a ser um terreno estratégico muito, muito importante a ser conquistado, e para poder continuar influenciando, [os chineses] farão isso, eles nunca deixarão o Canadá quieto.”
É por isso que o Canadá deve ser sábio e cuidadoso ao lidar com Pequim, diz ele.
“Não estou dizendo que devemos cortar os laços com a China, não estou dizendo que não devemos fazer negócios com a China, mas os chineses respeitarão as pessoas que são capazes de mostrar firmeza. Se você não mostrar força, eles nunca o respeitarão.”
O primeiro-ministro Justin Trudeau esteve recentemente numa viagem de cinco dias pela China, reunindo-se com a liderança chinesa para discutir os laços bilaterais e comerciais entre os dois países.
Influência no solo canadense
Embora os dois países não tenham lançado negociações formais de livre-comércio até agora, eles tem realizado discussões exploratórias desde que o governo liberal ganhou as eleições em 2015.
Os resultados das consultas governamentais sobre um possível acordo de livre-comércio entre o Canadá e a China, que contaram com mais de 600 partes interessadas canadenses, incluindo empresas, cidadãos, grupos da sociedade civil e academia, divulgados em novembro, mostraram que os canadenses estão preocupados com o inconsistente estado de direito na China, o impacto adverso sobre o emprego canadense e a concorrência desleal das empresas estatais chinesas. As partes interessadas mostraram-se céticas de que um acordo de livre-comércio abordaria essas preocupações.
Juneau-Katsuya diz que o estabelecimento de um acordo de livre-comércio com um país que não respeita o estado de direito não seria do interesse do Canadá.
“Não é exagerado imaginar a situação em que algum tipo de desacordo comercial se transforma rapidamente em desacordo político e, de alguma forma, isso tornaria os canadenses, ou os negócios canadenses, reféns, porque estaríamos lá e [os chineses] tentariam negociar nos chantageando”, diz ele, citando como exemplo o recente caso de donos de vinhas canadenses que foram detidos na China por uma disputa aduaneira.
O que poderia ser ainda mais preocupante é que um acordo desses daria mais acesso aos agentes de influência que trabalham para o benefício da China, como lobistas, disse ele.
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“Quando você começa a fazer negócios com um parceiro que não está pronto para jogar pelas regras, quem não está pronto para ser transparente e honesto com você, você é um tolo em acreditar que pode de alguma forma mudar essa pessoa, porque isso faz parte de quem eles são.”
Juneau-Katsuya disse que compreende a lógica que diz que, mesmo que uma das partes ganhe mais com um acordo do que a outra, ambas ainda se beneficiariam, mas o problema é que o Canadá estaria abrindo mão de muitos mais do que gostaria.
“Teremos mais agentes de influência, teremos mais pessoas capazes de vigiar a comunidade chinesa aqui, mais pessoas capazes de nos espionar e roubar nossa tecnologia… e isso penderia a balança totalmente em favor [da China]”, diz ele.
Em 2005, quando o diplomata chinês Chen Yonglin desertou para a Austrália, ele revelou que a rede de espiões, informantes e organizações de frente da China que serviam as diretrizes e interesses do regime comunista em solo canadense eram enormes. Outro desertor, Hao Fengjun, ex-policial do Departamento de Segurança Pública da China, disse em 2005 que a China possui uma rede de mil espiões no Canadá apenas para vigiar os adeptos do Falun Gong, os quais são perseguidos na China.
Em 2010, Richard Fadden, o chefe do CSIS, causou grande reboliço quando disse que uma série de políticos canadenses é influenciada por governos estrangeiros, entre os quais a China. O Globe and Mail informou posteriormente que um dos políticos que Fadden estava se referindo era Michael Chan, um ministro do governo de Ontário. Chan disse que ele não é um risco nacional para o Canadá por causa de seus vínculos com a China e iniciou um processo de difamação contra o Globe and Mail.
“O problema que temos experimentado há anos e anos é que foi realizado um trabalho eficiente por agentes de influência chineses durante gerações e em vários governos”, diz Juneau-Katsuya.
Sem reciprocidade
Juneau-Katsuya diz que permitir a aquisição do gigante canadense de petróleo e gás Nexen em 2012 por uma empresa estatal chinesa, apesar das preocupações de segurança expressadas pelas organizações de inteligência, provavelmente foi o trabalho dos agentes de influência da China no Canadá.
“Agora, os chineses, que sabem muitíssimo bem sobre o jogo de influência e de agentes de influência, têm uma grande peça no jogo na província de Alberta”, diz ele.
Qualquer aquisição de uma grande empresa canadense pela China aumentará a influência da China no Canadá, acrescentou ele.
“Algumas pessoas [podem questionar] qual é a diferença entre os EUA ou Israel ou os países europeus [comprarem empresas canadenses]? Bem, a diferença é que posso fazer negócios [naqueles países] e decidir o meu destino. Mas na China eu não poderei fazer isso, eles não me permitirão fazer isso.”
A China nunca permitiria que uma entidade estrangeira ganhasse o controle de empresas em seus setores-chave, comentou ele.
“Os chineses veem isso como [uma questão de] segurança nacional, e eles não permitirão isso.”