Campos de trabalho forçado e tortura na China recebem novo nome

23/06/2014 14:11 Atualizado: 28/12/2017 17:07

Durante anos, as histórias de tortura que emergiram do Campo de Trabalho Feminino Masanjia, no Nordeste da China, foram uma clara demonstração dos abusos do sistema de trabalho forçado no país. Por sua vez, o aparente fechamento de Masanjia no ano passado foi interpretado por muitos como um sinal de esperança de que o sistema seria de fato fechado, conforme as autoridades prometeram.

Mas relatatos recentes da China contam uma história diferente: o campo de trabalho forçado de Masanjia está firme e forte, exceto pelo fato de que ele não é mais chamado de ‘Campo de Trabalho Feminino Masanjia’. Em vez disso, o mesmo complexo de edifícios e instalações estaria sendo usado como um “centro de reabilitação de drogas” e como parte do sistema prisional da província de Liaoning. Essas modificações burocráticas disfarçam o fato de que os mesmos guardas, nos mesmos edifícios, abusam e exploram os prisioneiros do mesma maneira que antes.

Masanjia ganhou as manchetes mundiais em 2013, quando Julie Keith do Oregon, EUA, descobriu uma carta de um prisioneiro do campo de trabalho num conjunto de Halloween fabricado na China. Chocada, ela contatou a mídia, que começou a investigar sobre o campo.

Essa exposição foi julgada profundamente embaraçosa para o Partido Comunista Chinês (PCC), e foi parte da razão para sua decisão – ao menos no papel – de encerrar o sistema de reeducação pelo trabalho forçado, que tem sido parte do aparato coercitivo do Partido Comunista desde 1950.

Quando uma equipe de filmagem da CNN visitou Masanjia no ano passado, eles tiveram a impressão de que o local estava vazio. Não havia guardas nas torres de vigia e ninguém confrontou o correspondente da CNN, David McKenzie, quando ele deu alguns passos além da cerca de arame do campo. O Minghui.org, um website que apresenta relatos em primeira mão sobre a perseguição aos praticantes do Falun Gong na China, também relatou no ano passado que os praticantes restantes detidos em Masanjia estavam sendo liberados. O Falun Gong é uma disciplina espiritual que tem sido brutalmente perseguida na China desde 1999.

O mesmo campo

Shang Liping, uma praticante do Falun Gong, foi recentemente transferida do Presídio Feminino Shenyang para o Centro de Reabilitação de Drogas de Masanjia, segundo um artigo de março no Minghui. O artigo conta como os funcionários e guardas prisionais são os mesmos que trabalhavam em Masanjia quando este era um campo de trabalho forçado.

Yu Shuxian e Chi Xiuhua, duas praticantes do Falun Gong, foram postas no mesmo centro de reabilitação de drogas em Masanjia em janeiro deste ano, segundo o Minghui. Quando a família visitou Chi, eles descobriram que “ela tinha mudado completamente; seu rosto estava pálido e apático; ela não levantou a cabeça nem abriu os olhos; e não tinha energia para falar”, segundo o Minghui. “A família dela ficou extremamente perturbada e preocupada, e não podia imaginar o tormento infligido a Chi.”

Outras seções da grande instalação de trabalho forçado foram transferidas para o sistema prisional provincial e operam como o Presídio Feminino Shenyuang, do distrito de Masanjia, província de Liaoning, segundo o Minghui.

A prisão provincial Shenyang para mulheres é extremamente violenta; o Minghui relatou 20 mortes de praticantes do Falun Gong no local desde 1999. Neste momento, pelo menos 84 praticantes do Falun Gong estão encarceradas na prisão feminina de Shenyan, em Liaoning, muitas delas cumprindo sentenças de até 13 anos.

Um grupo de praticantes do Falun Gong que foi preso no Presídio de Shenyang foi transferido para a Penitenciária Distrital de Masanjia, a maioria deles este ano. Vários telefonemas feitos pelo Epoch Times para telefones identificados como pertencente à Penitenciária de Masanjia não foram respondidos.

Niu Guifang, uma praticante do Falun Gong, num julgamento cheio de ilegalidades, foi condenada à prisão em março de 2013 e transferida para a Penitenciária Distrital de Masanjia no final do ano passado. Embora suas mãos tenham sido feridas por guardas prisionais e ela não fosse capaz de fazer trabalho pesado, ela foi forçada a trabalhar todos os dias em Masanjia, informou o Minghui em abril.

Mudança política enganosa

Quando o Partido Comunista anunciou a morte do sistema de reeducação pelo trabalho forçado (RTF) no início de 2013, analistas veteranos do sistema de segurança do regime comunista chinês começaram a suspeitar do que se passa agora.

“Mudanças cosméticas” não acabarão com os abusos, disse Sophie Richardson, diretora de China da Human Rights Watch. Ao contrário, isso “pode apenas entrincheirar ainda mais o sistema”, disse ela.

Um relatório detalhado da Anistia Internacional de quase um ano depois observou: “A abolição do sistema RTF é um passo na direção certa. No entanto, agora mesmo já parece que isso é simplesmente uma mudança cosmética para evitar o clamor público sobre o abusivo sistema RTF em que a tortura é abundante”, disse Corinna-Barbara Francis, pesquisadora sobre a China, num artigo de dezembro de 2013.

“É claro que as políticas subjacentes de punir as pessoas por suas atividades políticas ou crenças religiosas não mudaram. Os abusos e torturas continuam, apenas de forma diferente”, disse ela.

Naquele mesmo mês, em seu relatório sobre o assunto, o Centro Tibetano para os Direitos Humanos e a Democracia observou que a reeducação pelo trabalho forçado foi simplesmente substituída por outras formas de detenção, como a ‘reabilitação de drogas compulsória’ e ‘classes de educação legal’. O grupo disse: “Estes sistemas já são usados no Tibete e simplesmente continuam os abusos associados à RTF mas com um nome diferente.”

O mesmo trabalho

Enquanto a nova divisão de Masanjia parece ser algo entre uma prisão e um centro de reabilitação de drogas, este último, do ponto de vista dos prisioneiros de consciência, parece ser usado da mesma forma que o antigo campo de trabalho forçado: praticantes do Falun Gong são enviados para lá pela polícia sem julgamento e independentemente de não serem usuários de drogas.

A mistura de tipos de prisioneiros tem ocorrido na China há anos. “Funcionários da Secretaria de Reeducação pelo Trabalho da província de Liaoning vieram nos verificar em 2011 e ordenaram que todos os praticantes do Falun Gong deveriam ser examinados. Nossos exames médicos nos avaliaram como viciados em drogas, mas na verdade apenas 4 dos 400 detentos tinham histórico de uso de drogas”, escreveu Qiu Tieyan, um ex-presidiário de Masanjia, em outubro de 2013, sobre seu encarceramento.

“Tivemos de trabalhar seis horas por dia fazendo casacos militares e florestais e vestimentas para bombeiros para a Corporação 3504 Jihua Ltda, da cidade de Changchun. Além do trabalho para a fábrica, tínhamos de carregar e descarregar carregamentos, limpar e fazer outras tarefas. O guarda Wang Guangyun trouxe sua roupa suja de casa e tivemos de lavá-la. Fomos obrigados a manter isso em segredo e terminar rapidamente”, disse ela.

O mesmo artigo do Minghui disse que há cerca de 300 prisioneiros na Penitenciária Distrital de Masanjia, mas não determinou o total de praticantes do Falun Gong presos no local.

Infratores da legislação antidrogas são tratados da mesma maneira quando as instalações eram chamadas campos RTF. Eles são obrigados a fazer trabalho industrial repetitivo por longos períodos. Na verdade, uma vez preso, há pouquíssima reabilitação – apenas brutalidade e trabalho forçado, concluiu a Human Rights Watch num relatório de 2012.

“Se as pessoas não trabalhassem duro o suficiente nós as espancaríamos com chapas de metal, ou as chutaríamos e bateríamos com nossas mãos”, disse um ex-guarda prisional do sistema RTF da província de Guangxi à Human Rights Watch. “Às vezes, pessoas foram espancadas até a morte. Cerca de 10% das pessoas que entram nos centros de reeducação pelo trabalho forçado morrem.”