O calcanhar de Aquiles de Pequim: sua falta de legitimidade

O marxismo-leninismo é uma base fraca para a legitimidade social e política

14/01/2019 11:22 Atualizado: 14/01/2019 11:22

Por Peter Zhang

Confúcio (551-479 a.C.) disse: “Quando um nome não é dado corretamente, o que é dito não é aceito; quando o que é dito não é aceito, as questões não são alcançadas”.

Durante os 5.000 anos de história da China, os governantes de cada dinastia tentaram legitimar seus reinos através do conceito de direito divino ou Mandato do Céu. Os imperadores foram considerados Filhos do Céu até 1911, quando o Dr. Sun Yat-sen encerrou a dinastia imperial Qing e fundou a República da China.

Em 1949, o sonho do povo do Reino Central de ter uma China democrática modelada com base nos Estados Unidos foi desfeito quando o Partido Comunista de Mao Tsé-Tung derrubou o governo nacionalista. No entanto, Mao teve que enfrentar a questão da legitimidade política ao longo de sua vida.

Em 1983, Mao disse a famosa frase: “Todo comunista deve entender a verdade: o poder político cresce a partir do cano de uma arma”. Como um ávido entusiasta da história chinesa desde seus dias como assistente bibliotecário na Universidade de Pequim em 1918, Mao logo percebeu que, tomando o poder, precisaria de mais do que armas para continuar governando.

Buscando legitimidade

Pelo fato de o marxismo rejeitar a religião e a espiritualidade, Mao não podia apelar para qualquer direito divino ou Mandato do Céu para liderar o país. Nem podia evocar legitimidade em qualquer outra base. Sob o regime comunista, o voto popular ou eleições em qualquer nível nunca são permitidos.

De acordo com John Locke (1632-1704), filósofo político da era do iluminismo, “o governo não é legítimo a menos que seja conduzido com o consentimento dos governados”.

A autoridade de Mao não derivou de um sistema democrático ou da vontade do povo. O governo de um homem sem o direito divino nem o consentimento dos governados através do voto popular fez Mao se sentir vulnerável. É por isso que Mao concebeu o Maoísmo, também conhecido como Pensamento de Mao Tsé-Tung, na década de 1950, para legitimar sua ditadura.

O maoísmo é caracterizado principalmente pela tese de Mao de que, no estágio inicial do socialismo, a revolução continua sob a ditadura do proletariado. Ele argumentou, portanto, que periodicamente a luta de classes devia ser realizada na forma de campanhas políticas. Dessa forma, usando o fervor revolucionário, Mao conseguiu se livrar de seus rivais políticos e desviar a atenção da massa de problemas sociais.

Como um país comunista isolado, a China sob Mao operava como uma sociedade orwelliana, na qual o maoísmo se tornou a ideologia de doutrinação das massas e foi enclausurada na Constituição da China como um marxismo-leninismo aplicado ao contexto chinês.

Quando Deng Xiaoping chegou ao poder em 1978, ele iniciou uma reforma econômica chamada “socialismo com características chinesas”, afastando-se do caminho maoísta estabelecido e permitindo o investimento estrangeiro direto na China. Seguindo os passos de Mao, Deng incorporou sua “Teoria de Deng Xiaoping” na Constituição chinesa para validar sua legitimidade política.

Para garantir sua legitimidade, os líderes do Partido Comunista Chinês (PCC) não hesitaram em imitar Deng. Jiang Zemin incorporou sua “Teoria dos Três Representantes” — embora não seu nome — na Constituição. Hu Jintao fez algo semelhante com sua “Perspectiva Científica sobre o Desenvolvimento”. Assim como Mao, Xi Jinping conseguiu colocar seu nome e seu “Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era” na Constituição.

Essas tentativas dos líderes do Partido de revisar a Constituição dessa maneira são claramente um sinal de sua fraca legitimidade política.

Os líderes contemporâneos do PCC que seguiram Mao e Deng não lutaram na guerra revolucionária que estabeleceu a República Popular da China, nem serviram ao partido-Estado com realizações notáveis. Portanto, esses líderes da era pós-Mao ficaram ainda mais vulneráveis a dúvidas sobre sua legitimidade.

Afirmações audaciosas de legitimidade

Com ferramentas modernas de comunicação, como a Internet, o mundo está se tornando uma aldeia global. Essa tendência mundial torna os líderes do PCC menos confiantes diante do movimento internacional em direção à democratização.

Para ser reconhecido pela comunidade internacional, o PCC começou em 2014 a organizar anualmente a “Reunião de Alto Nível do PCC em diálogo com os partidos políticos mundiais”. De acordo com Guo Yezhou, vice-ministro do Departamento Internacional do Comitê Central do PCC, cerca de 200 partidos políticos de mais de 120 países compareceram à conferência de 2017 para “promover o entendimento mútuo e a comunicação”.

Em 9 de setembro de 2015, Wang Qishan, braço direito do atual líder do PCC, Xi Jinping, foi a primeira autoridade a falar sobre a legitimidade política do PCC quando se encontrou com delegados estrangeiros, incluindo o ex-presidente da África do Sul, Thabo Mbeki. e o ex-primeiro-ministro australiano Kevin Rudd. Wang disse que “a legitimidade política do PCC vem da história, da vontade do povo e da escolha da população”.

A ousada e descarada afirmação provocou críticas generalizadas e piadas entre os internautas chineses. Uma publicação no Twitter perguntou: “Como você conhece a vontade e a escolha do povo se nunca pudemos votar?”

Hu Ping, comentarista chinês residente em Nova Iorque, comparou as declarações de Wang a um casamento forçado sem o consentimento da outra parte. Hu Ping também observou que “a liberdade de expressão devia continuar a discussão sobre legitimidade política”.

Contra as virtudes confucianas

No entanto, o maior desafio para a legitimidade política do PCC reside em seus fundamentos teóricos: marxismo e leninismo — este pacote é uma importação de uma ideologia estrangeira que é amplamente rejeitada pelo mundo inteiro, dado o enorme sofrimento humano infligido pelas ditaduras comunistas.

A civilização chinesa, de 5.000 anos de inspiração divina, está fundamentalmente nos antípodas da doutrina do comunismo ateísta. A ideia de “luta de classes” é a base da ideologia comunista, enquanto harmonia, virtude e benevolência são os componentes essenciais da cultura tradicional chinesa.

Como Mao professava: “O comunismo não é amor. O comunismo é um martelo com o qual esmagamos o inimigo”.

Confúcio promoveu um “governo com virtude”. Mas nos dias de hoje a corrupção é desenfreada e se tornou a base para a ascensão na sociedade.

De acordo com a revista financeira chinesa Caixin, mais de 100 milhões de iuanes chineses em espécie foram encontrados na casa de um funcionário da indústria do carvão. Se essas notas fossem colocadas lado a lado, teriam uma extensão de 154 quilômetros.

Os investigadores usaram dezesseis máquinas contadoras de dinheiro para registrar o montante, cada uma processando mil notas por minuto. Quatro quebraram. Notícias de suborno e corrupção como essa são comuns na China atual.

O idioma, os costumes e as formas de arte da China carregam conotações espirituais transmitidas por muitas gerações.

Por exemplo, as conferências do PCC frequentemente terminam com as palavras “Yuan Man” (consumação, perfeição), mas o PCC ateu nem percebe que o conceito de “Yuan Man” deriva da ideia budista de alcançar o nirvana, ou o etapa final da iluminação.

Na língua chinesa, há significados culturais e religiosos mais profundos por trás dos caracteres. Mesmo os comunistas mais fanáticos não estão livres da influência da China do passado!

Confúcio se opunha aos partidos políticos. Nos “Analectos”, Confúcio escreveu: “os cavalheiros podem ser sociais, mas não partidários”. A palavra chinesa tradicional para “partido” inclui o caractere “escuro”, fazendo com que a palavra “partido” tenha uma conotação negativa.

Em 1954, Mao estabeleceu a Comissão para a Reforma dos Caracteres Chineses e a palavra tradicional para partido foi simplificada, sem surpresa, para remover o caractere “escuro”. Milhares de caracteres tradicionais foram simplificados pela causa revolucionária.

Hoje em dia, na China Continental, lê-se ou escreve-se a palavra partido na forma simplificada, enquanto os caracteres chineses ainda são usados fora da China Continental, em lugares como Taiwan, Macau e Hong Kong.

Nas últimas décadas, alguns acadêmicos, políticos e líderes corporativos ocidentais tentaram ajudar a legitimar o PCC nas comunidades internacionais, pelo qual foram generosamente recompensados por Pequim.

Eles tentam justificar a legitimidade política do PCC usando a suposta legitimidade da ação, algumas iniciativas políticas ou até mesmo o “modelo asiático”.

Essas vozes essencialmente ajudaram a salvar o partido-Estado com investimento estrangeiro direto e transferência de tecnologia para a China, permitindo que esse dragão vermelho crescesse o suficiente a ponto de desafiar as democracias e tentar mudar a ordem mundial.

Pode-se argumentar com convicção que, se as sociedades ocidentais tivessem contido a China comunista como fizeram com o Pacto de Varsóvia, hoje a China teria se tornado uma sociedade aberta governada pelo Estado de Direito, com uma prosperidade muito maior e ao mesmo tempo convertida em um membro responsável da comunidade internacional.

O PCC incorporou todos os elementos nacionais e estrangeiros que se opõem à humanidade, em sua missão de construir um “império do mal” totalmente novo. Legitimar semelhante regime orwelliano significa legalizar uma organização criminosa, só que dez vezes pior.

Confúcio alertou: “Um governo opressor deve ser mais temido que um tigre”.

Churchill também nos lembrou: “Os ditadores montam em tigres que não se atrevem a desmantelar. E os tigres estão ficando com fome”. Esta é talvez a situação em que os líderes do PCC estão.

A última coisa que uma alma decente deve fazer é dar legitimidade a tal regime predatório, permitindo-lhe destruir a humanidade fazendo-a em pedaços. O PCC é ilegítimo e sempre foi e não deveria existir neste planeta.

Peter Zhang concentra sua pesquisa em economia política da China e do leste da Ásia. Ele é formado pela Universidade de Estudos Internacionais de Pequim, pela Faculdade Fletcher de Direito e Diplomacia e pela Faculdade Kennedy Harvard como “mason fellow”

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