Cadeias de alimentos e bebidas baratas da China geram preocupações com queda na qualidade do serviço

Algumas cadeias de restaurantes chineses estão a estabelecer preços agressivos para entrar nos mercados internacionais, criando novos desafios para as empresas locais.

Por Jon Sun, Xin Ning e Olivia Li
03/12/2024 19:48 Atualizado: 03/12/2024 19:48
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times. 

Análise de notícias

A prática de dumping da China se expandiu para além de bens tangíveis, com redes de restaurantes chinesas adotando preços agressivos para entrar em mercados internacionais.

Sun Kuo-Shyang, especialista em estudos da região Ásia-Pacífico, alerta que essa nova forma de dumping — serviços oferecidos a preços mais baixos que os níveis domésticos nos países de destino — irá desestabilizar os mercados globais, demandando respostas oportunas da comunidade internacional.

Um exemplo destacado é a Mixue Ice Cream & Tea, uma popular rede chinesa especializada em sorvetes e chás. “Mixue” significa “neve doce” em chinês. A empresa está se preparando para entrar no mercado dos EUA, e sua estratégia de preços baixos já causou um impacto significativo no Sudeste Asiático.

Por exemplo, os preços ultrabaixos da Mixue no Vietnã geraram reclamações de franqueados. Dezenas de proprietários de franquias da Mixue no país protestaram em setembro passado, alegando que as exigências da marca por promoções regulares de descontos eram desproporcionais em relação ao retorno sobre o investimento, segundo relatos da mídia estatal chinesa.

Após estabelecer cerca de 4.000 lojas em países da região Ásia-Pacífico, a empresa agora planeja expandir sua rede de franquias para os Estados Unidos, destacando sua “vantagem de custo-benefício” como um diferencial competitivo chave.

Alguns especialistas em China alertam que a entrada de serviços de alimentação de baixo custo provenientes do país faz parte do que chamam de China Shock 2.0, impulsionado pela baixa demanda doméstica e pela mentalidade implacável de guerra de preços da China. Esses especialistas acreditam que essa tendência persistirá à medida que a economia chinesa continuar em declínio, instando os governos de países afetados a adotar medidas para proteger seus negócios locais.

Líder de baixo custo da China entra no mercado global

Fundada em 1997 pelos irmãos Zhang Hongchao e Zhang Hongfu, a Mixue se destacou como líder e vencedora na guerra de preços entre as redes de bebidas da China. A introdução de novos produtos, como uma bebida gelada de 22 onças vendida por apenas um yuan (US$ 0,14) por copo, forçou os concorrentes a reduzirem seus preços.

Até setembro de 2023, a empresa contava com mais de 30.000 lojas em todo o território chinês, a maioria delas operadas por franquias. A Mixue fornece aos franqueados ingredientes, embalagens e equipamentos; as operações de franquia representam quase toda a sua receita.

A Mixue iniciou sua expansão internacional há seis anos, exportando suas táticas agressivas de preços para mercados estrangeiros.

A empresa cresceu rapidamente após abrir sua primeira loja internacional no Vietnã, em 2018. Até 2023, já contava com 1.000 unidades no país e havia expandido sua presença para o Sudeste Asiático, Coreia do Sul, Japão e Austrália, totalizando quase 4.000 lojas globalmente.

A estratégia da marca é oferecer produtos de baixo custo voltados para consumidores jovens. No Vietnã, por exemplo, um copo de seu popular chá de limão custa cerca de US$ 0,66, enquanto seu sorvete é vendido por aproximadamente US$ 0,39 — preços de 30% a 50% mais baixos que os praticados por concorrentes locais, como a franquia vietnamita de chá com bolhas ToCoToCo.

Sun, professor assistente da Universidade Nanhua de Taiwan, afirmou que a abordagem de baixo custo da Mixue prejudica pequenos e médios negócios alimentares locais, afeta negativamente a diversidade e a inovação no mercado e pode, eventualmente, desencadear investigações antidumping que resultem em barreiras comerciais.

“Embora beneficie os consumidores ao oferecer opções mais baratas, também pode levar à queda da qualidade e desestabilizar culturas alimentares tradicionais”, disse Sun ao Epoch Times.

Os preços baixos da marca levaram lojas franqueadas a cortar custos.

No primeiro semestre de 2023, segundo a mídia chinesa, 28 lojas da Mixue em Pequim foram denunciadas por violações de segurança alimentar, ocupando o primeiro lugar entre as redes de restaurantes. As infrações incluíam o não uso de luvas conforme exigido, armazenamento inadequado de alimentos e o uso de colheres de gelo não higienizadas em máquinas de gelo que não foram devidamente lavadas ou desinfetadas antes do uso.

A fraca demanda chinesa impulsiona preços baixos

A Mixue não está sozinha nessa tendência. Outras marcas chinesas do setor alimentício, como a Cotti Coffee, a rede chinesa de chá com leite Chagee e a rede de hotpot Haidilao, também têm expandido agressivamente para o Sudeste Asiático.

David Huang, economista radicado nos EUA, atribui as duradouras guerras de preços da China à baixa demanda doméstica, o que pressiona os empresários a competir com preços reduzidos.

Apesar do crescimento econômico da China nas últimas duas décadas, a renda média dos cidadãos chineses não melhorou significativamente nos últimos anos.

Em maio de 2020, durante uma coletiva de imprensa após a conclusão das sessões anuais plenárias de Pequim, conhecidas como as Duas Sessões, o então premiê Li Keqiang afirmou que mais de 600 milhões de pessoas na China tinham uma renda mensal inferior a 1.000 yuan (US$ 138).

Um relatório divulgado pelo Partido Comunista Chinês (PCCh) em 2023 afirmou que 964 milhões de pessoas na China possuíam uma renda mensal inferior a 2.000 yuan (US$ 276).

No entanto, devido ao histórico das autoridades chinesas de subnotificar e ocultar informações, é difícil avaliar os dados reais de renda.

Huang destacou que o PCCh não tem priorizado o aumento da renda da população em geral. Em vez disso, tem focado na expansão da economia como um todo por meio de uma abordagem centralizada e planejada. Um exemplo é a indústria siderúrgica da China, que sozinha responde por mais da metade da produção mundial.

Huang acrescentou que o PCCh vê as baixas rendas dos cidadãos chineses comuns como uma vantagem.

“Ao manter uma pobreza generalizada, as autoridades conseguem explorar essa força de trabalho a um custo mínimo — as pessoas trabalham longas horas, frequentemente em empregos que consideram desagradáveis ou indesejados, alimentando o motor econômico da China enquanto mantêm os custos trabalhistas baixos”, disse ele ao Epoch Times.

China Shock 2.0

Sun afirmou que a expansão dessas marcas chinesas pode ser vista como parte do China Shock 2.0, já que seus preços baixos criaram desafios significativos para os concorrentes locais.

China Shock refere-se às perdas massivas de empregos em muitos países, particularmente nos setores de manufatura, após a entrada de produtos chineses baratos nos mercados globais, ocorrida depois que a China aderiu à Organização Mundial do Comércio em 2001.

“Diferentemente da onda anterior, que se concentrou na manufatura, essa nova disrupção se estende aos setores de serviços e consumo, criando novos desafios para os negócios locais. Muitos pequenos negócios enfrentarão dificuldades e podem fechar,” disse Sun.

Os países do Sudeste Asiático têm tomado nota da situação.

Na Tailândia, onde a Mixue abriu 200 lojas em menos de dois anos, a Associação de Restaurantes do país expressou abertamente preocupação com o influxo de negócios controlados por empresas chinesas.

A Federação das Indústrias Tailandesas, em particular sua Divisão de Indústria de Alimentos e Bebidas, alertou sobre o rápido crescimento de redes de restaurantes chinesas de baixo custo, destacando que isso pode prejudicar a indústria doméstica de serviços alimentares. Além disso, a federação pediu ao governo que garanta a segurança e a conformidade dos ingredientes importados e que fortaleça as medidas contra o dumping de serviços baratos.

No Vietnã, a rede local ToCoToCo tem enfrentado queda nas vendas entre os consumidores jovens devido à intensa concorrência de marcas chinesas. Segundo relatos da mídia local, a empresa sofreu três anos consecutivos de prejuízos, sendo forçada a ajustar sua estratégia de negócios.

Sun sugere que os países afetados pelo China Shock 2.0 podem em breve implementar políticas para limitar o impacto das marcas chinesas baratas, protegendo seus mercados internos e apoiando negócios locais.

Vietnã e Tailândia recentemente fortaleceram suas medidas antidumping contra produtos chineses. No entanto, as leis antidumping atuais em ambos os países focam principalmente em bens tangíveis, sem regulamentações específicas voltadas para serviços oferecidos por marcas chinesas.