O plano de Pequim de transformar a China numa potência do futebol internacional levou a vários investimentos em clubes estrangeiros no ano passado, apesar do regime chinês ter imposto mais restrições sobre o capital que sai do país.
Com o apoio oficial do Estado, o investimento estrangeiro chinês em clubes de futebol disparou no ano passado. Mais de dez acordos foram fechados desde o início de 2015 envolvendo clubes no Reino Unido, França, Itália e Espanha.
O último acordo foi anunciado na semana passada, quando um grupo de investidores chineses não identificados comprou o A.C. Milan, um participante na Série A e um dos mais bem sucedidos clubes europeus da história, do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. A compra avaliou o Milão em cerca de 500 milhões de dólares.
O acordo do A.C. Milan vem apenas um mês após a varejista chinesa Suning Holdings adquirir participação controladora de 70%, pagando cerca de 300 milhões de dólares, no Internazionale, outro clube italiano da Série A.
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No mesmo mês, em 17 de junho, os empresários chineses Chien Lee e Zheng Nanyan e um consórcio de outros investidores adquiriram participação de 80% no OGC Nice, um clube francês do Ligue 1, por uma quantia não revelada.
A onda de aquisições da China no último ano rendeu ao país a entrada na lista de figuras notáveis do futebol europeu, incluindo diferentes participações no clube espanhol Atlético de Madri, nos times da liga inglesa Aston Villa e Manchester City, no francês FC Sochaux-Montbéliard, no checo Slavia Praga, e outros. O financiamento chinês veio de diversas fontes, incluindo empresários individuais, como Wang Jianlin, empresas privadas e empresas estatais, como a Citic Capital.
Retornos financeiros incertos
A pressão sobre a depreciação da moeda chinesa, o yuan, tem levado ao aumento da demanda por ativos estrangeiros. Mas como um investimento, clubes de futebol têm tradicionalmente produziu resultados medíocres.
Os clubes de futebol franceses do Ligue 1 e os italianos da Série A registraram prejuízos operacionais para o ano de 2014–2015, segundo dados da “Análise anual das finanças de futebol em 2016”, produzida pela empresa de consultoria Deloitte.
Mesmo a liga profissional inglesa, que é consistentemente uma das mais lucrativas, viu seus lucros encolherem no ano passado em comparação com o ano anterior, embora, como um todo, o campeonato tenha melhorado seus resultados financeiros na década anterior a 2013, quando a maioria dos clubes estava profundamente no vermelho devido à inflação salarial. A relação entre salários e receitas foi de 61% no período de 2014–2015, 3 pontos percentuais a mais do que no ano anterior, observou a Deloitte.
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Lucros em alguns dos clubes mais bem sucedidos são muitas vezes irrisórios, como resultado da inflação salarial e do alto custo dos juros de dívidas. O Arsenal, por exemplo, registrou um lucro antes de imposto de apenas 3,8 milhões de libras (5 milhões de dólares) em 2014, enquanto o Manchester City teve perdas de 17,7 milhões de libras (23 milhões de dólares), de acordo com uma análise do Daily Mail do Reino Unido.
Com a atual volatilidade da libra e do euro e o clima econômico pessimista na zona do euro, as perspectivas de rentabilidade dos clubes de futebol europeu são incertas na melhor das hipóteses.
Para uma comparação mais concreta, podemos olhar para o mercado de ações. O Índice do Futebol Europeu STOXX, que acompanha o desempenho da participação pública dos clubes de futebol europeus cotados, caiu 27,4% nos últimos 5 anos. Isso é um péssimo desempenho em comparação com o ganho de 45,2% registado no mesmo período para o índice de referência STOXX Europe 600.
Jogo de futebol ou de política?
Não é nenhum segredo que Xi Jinping, o líder do Partido Comunista Chinês, é um fã de futebol.
O Conselho de Estado da China emitiu diretrizes de reforma e desenvolvimento para a indústria do esporte em 2014, que provavelmente resultaram no impulso recente de investimento chinês no futebol, tanto internamente como no exterior. Em diretrizes similares emitidas em março de 2015, Pequim orientou que China se tornasse uma potência do futebol até 2050.
Para impulsionar a posição global do país no futebol, Pequim começou a construir mais de 20.000 escolas de futebol por todo o país nos próximos cinco anos, após o sucesso da Escola Internacional de Futebol Evergrande na província de Guangdong, um dos maiores centros de futebol do mundo. Este verão, os clubes de futebol chineses também fizeram manchetes ao pagarem enormes somas no mercado de transferência de talentos estrangeiros.
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Como a maioria das decisões de negócios de organizações chinesas, a política é muitas vezes tão importante quanto o retorno financeiro. E não seria diferente no recente e ávido interesse da China por times de futebol estrangeiros.
Lee e Zheng, os novos proprietários do OGC Nice, mencionaram no mês passado “razões estratégicas e financeiras” para a compra do clube de futebol francês. Peter Schloss do CastleHill Partners, uma empresa de consultoria de esportes e agente de mídia com sede em Pequim, disse ao jornal de negócios chinês Caixin que as empresas chinesas que investem em clubes de futebol estrangeiros muitas vezes ganham por meio de “aspectos políticos e de negócios”.
Que tipo de ganhos estratégicos e políticos seriam esses?
Para os líderes empresariais chineses, o investimento no futebol, tanto no estrangeiro como na China, é outra maneira de obter favores com o líder do regime. Desde 2012, Xi Jinping embarcou numa campanha “anticorrupção” que tem investigado e removido vários funcionários seniores de posições de liderança na administração do regime, no Partido Comunista e em empresas estatais.
Um líder de negócio ou empresa que promovam o futebol é uma demonstração de solidariedade com Xi Jinping e isso ajuda a promover sua visão para a China como um líder do futebol regional.
Talvez mais importante do que razões pessoais, exercer controle sobre grandes instituições desportivas no esporte mais difundido internacionalmente tem outros benefícios para o regime chinês.
A China está bem ciente do poder da arte e da cultura, e o futebol é a cultura desportiva dominante no mundo em termos de alcance global. O controle de Pequim sobre clubes de futebol estrangeiros populares, e por extensão sobre seus jogadores, é mais uma forma do Partido Comunista expandir seu “poder brando” globalmente, promovendo indiretamente as políticas externas da China, amenizando aspectos problemáticos da sua imagem internacional e ampliando sua influência de relações públicas.
Isso é mais uma evidência de que, para a China, os ganhos políticos pode se revelar tão valioso quanto os ganhos financeiros.