Alegações de tráfico de órgãos no Vietnã renovam preocupações sobre abusos na China

06/04/2017 07:00 Atualizado: 04/04/2017 19:53

Revelações recentes do Vietnã sobre gangues criminosas chinesas que sequestraram inocentes para extrair seus órgãos vitais estão aumentando as preocupações de longa data sobre o transplante e comércio de órgãos na China.

Em julho de 2016, a polícia do Vietnã numa província fronteiriça com a China emitiu um aviso alertando o público sobre os traficantes chineses de pessoas, que estavam sequestrando vietnamitas vulneráveis ​​para contrabando de órgãos, de acordo com documentos obtidos pelo Epoch Times.

Em outubro, a televisão estatal vietnamita relatou investigações sobre as operações clandestinas da China para aquisição de órgãos que estão visando também os vietnamitas.

As novas revelações de abuso do transplante de órgãos, visando os cidadãos de um país vizinho da China, surgem enquanto o sistema de transplante de órgãos da China está sendo submetido a escrutínio crescente. No ano passado, investigadores publicaram um enorme compêndio sobre os abusos de transplantes que tem como vítima principal os prisioneiros de consciência, e numa recente cúpula no Vaticano, o Papa Francisco se recusou a comparecer, depois que a presença de autoridades chinesas se tornou um escândalo na imprensa.

Abduções na fronteira

Em 27 de julho de 2016, uma delegacia local na província vietnamita de Lao Cai, na fronteira com a China, alertou a comunidade sobre uma série de sequestros que terminaram de forma macabra.

“Dezesseis vítimas foram sequestradas e tiveram seus órgãos (fígado, rim, coração, olhos…) extraídos na província de Ha Giang, perto da fronteira do Vietnã e da China”, de acordo com um documento enviado à delegacia do distrito de Si Mai Ca. “Após a investigação, os sequestradores foram identificados como chineses.”

Os sequestradores operavam em grupos de três a cinco e dirigiam carros com placas de numeração ilegal, disse o documento. Eles visavam “famílias com mais idosos, crianças ou estudantes de escolas que realizam atividades extracurriculares”, como alimentação de gado não supervisionada ou agricultura.

Houve brevemente alguma confusão sobre se o documento da polícia do Vietnã era genuíno, a polícia vietnamita retirou-o de exibição em 18 de agosto, depois de ter sido amplamente difundido nas mídias sociais.

Mas uma semana antes, em 10 de agosto, Hoang Tien Binh, chefe da delegacia de polícia de Si Mai Ca, disse à edição vietnamita do Epoch Times que o documento da polícia era autêntico. “O objetivo do anúncio é conscientizar seriamente a comunidade”, disse Hoang.

A emissora nacional Vietnam Television (VTV), que foi a primeira a publicar a história, também disse que recebeu confirmação da autenticidade do documento de uma delegacia de polícia.

Em outubro, a VTV transmitiu duas reportagens investigativas sobre a questão do tráfico de seres humanos relacionado à extração de órgãos na China. Repórteres da VTV passaram-se por compradores de órgãos interessados ​​e secretamente registraram seus esforços clandestinos para obter órgãos de intermediários chineses ou vietnamitas.

Na primeira reportagem, um traficante de órgão chinês disse a repórteres que mulheres vietnamitas traficadas para a China são forçadas a se prostituir e mais tarde são vendidas como esposas. Mas crianças e homens vietnamitas são vendidos para “campos de concentração de órgãos”. A reportagem da VTV não comentou há quanto tempo essas atividades estariam ocorrendo.

A segunda reportagem acompanhou jornalistas que procuravam um rim em Guangdong, uma província do sul da China que é “considerada a capital do tráfico de órgãos”, segundo a VTV.

Um traficante de órgãos explicou aos repórteres o procedimento para a obtenção de órgãos “bons e saudáveis”, em seguida, citou o preço de um rim e mostrou-lhes um vídeo do processo de extração de órgãos. Mais tarde, o traficante identificou o cirurgião chinês que estaria fazendo o transplante a partir de retratos de funcionários na parede de um grande hospital em Foshan, uma cidade em Guangdong.

Definindo a norma

A Dra. Nancy Ascher, presidente da Sociedade de Transplante, uma organização global de transplante, disse num e-mail que o tráfico de órgãos entre o Vietnã e a China é uma atividade criminosa que deve ser investigada.

“Os perpetradores precisam ser levados a julgamento”, escreveu ela num e-mail, em resposta a um resumo das alegações. “Na medida em que pessoal médico está envolvido nesses atos nefastos, esses indivíduos precisam ser levados à justiça também.”

Ascher afirmou que “os criminosos provavelmente agem fora dos sistemas regulatórios que estão agora sendo estabelecidos na China”, referindo-se a afirmações oficiais chinesas de que o regime parou de usar órgãos de prisioneiros desde janeiro de 2015.

Nos últimos anos, as autoridades chinesas têm dito que estão construindo um sistema de doação voluntária de órgãos parecido com o encontrado no Ocidente.

Durante uma recente cúpula internacional no Vaticano sobre o tráfico de órgãos, os principais cirurgiões chineses tiveram a oportunidade de explicar como eles haviam reformado as práticas antiéticas em seu país. Eles disseram aos participantes, mais de 100 especialistas sobre ética de transplante de órgãos, que prisioneiros definitivamente não eram mais usados ​​como fontes de órgãos na China, exceto, por vezes, quando são identificadas como “violações da lei”.

Mas essas alegações, feitas principalmente pelo porta-voz do transplante chinês, Dr. Huang Jiefu, foram postas em dúvida por pesquisadores, que observam que de fato não houve proibição da prática.

A maior parte da controvérsia em torno do transplante de órgãos na China não se refere a prisioneiros executados, mas a relatos de que as autoridades chinesas extraem sistematicamente órgãos de prisioneiros de consciência, principalmente praticantes do Falun Gong, uma disciplina espiritual perseguida. O volume de transplante de órgãos na China começou a crescer exponencialmente seis meses após o início da perseguição ao Falun Gong em 1999.

Por exemplo, o colega mais próximo de Huang, o proeminente cirurgião de fígado Dr. Zheng Shusen, é o chefe de uma força-tarefa anti-Falun Gong na província de Zhejiang, um título que ele usa em público. Zheng está logo atrás de Huang em reputação e poder no que se refere ao sistema chinês de transplante de órgãos. A sobreposição extraordinária entre esses dois campos, que não estariam necessariamente relacionados, nunca foi explicada pelas autoridades chinesas.

Alguns pesquisadores acreditam que o abuso desenfreado do transplante de órgãos na China está agora sofrendo metástase.

“Geralmente, as violações dos direitos humanos se espalham, a menos que sejam interrompidas”, escreveu David Matas, um advogado canadense que investigou o sistema de transplante na China por mais de uma década, via e-mail. “O assassinato de praticantes do Falun Gong por seus órgãos levou à construção de uma maquinaria nacional chinesa de morte, que, pelo que parece, está sendo usada internacionalmente contra os vietnamitas.”

Para Matas, a resposta à questão de saber se os abusos identificados pela televisão vietnamita e policiais são de fato a norma na China ou um desvio local que será punido rapidamente é exasperantemente óbvio.

“Quantas evidências de quantas pessoas de quantos países estão tendo seus órgãos extraídos na China precisamos ter”, questionou Matas, “antes que o transplante de órgãos na China receba a atenção global que merece?”