Gao Zhisheng, renomado advogado chinês, prevê fim do regime comunista

23/06/2016 10:20 Atualizado: 24/06/2016 00:47

A esposa e a filha de Gao Zhisheng, um advogado dissidente chinês e autor de um livro de memórias de 450 páginas que chegou às estantes em Taiwan este mês, têm manifestado seu total apoio a Gao e seu trabalho, apesar das consequências que ele enfrenta ainda em prisão domiciliar na China.

Gao Zhisheng, conhecido como a “Consciência da China” por defender inclusive àqueles condenados como inimigos do Partido Comunista Chinês, foi acusado de “tentar subverter o poder do estado” e por anos tem estado sob vigilância policial ou encarcerado e foi torturado atrozmente em várias ocasiões.

Hoje, ele vive em prisão domiciliar com seu irmão numa região remota na sua província natal de Shaanxi.

O livro de Gao, além de descrever seus sofrimentos físicos angustiantes, expõe sua convicção de que o regime do Partido Comunista não durará além de 2017, e prevê que uma China livre e democrática virá em seguida.

O livro, intitulado “Stand Up China 2017—China’s Hope: What I Learned During Five Years as a Political Prisoner” (“Levante-se China 2017—A esperança da China: O que aprendi em cinco anos como prisioneiro político,” tradução livre do título, pois não há versão oficial em português) está atualmente disponível apenas em Taiwan, mas está chegando a Hong Kong, tanto em formato eletrônico como impresso. Uma tradução em inglês está em andamento.

Grace Geng, a filha de Gao Zhisheng, um dos mais proeminentes advogados de direitos humanos da China, segura o livro recém-publicado pelo pai, durante uma conferência de imprensa em Hong Kong em 14 de junho de 2016. (AP Photo/Kin Cheung)
Grace Geng, a filha de Gao Zhisheng, um dos mais proeminentes advogados de direitos humanos da China, segura o livro recém-publicado pelo pai, durante uma conferência de imprensa em Hong Kong em 14 de junho de 2016 (AP Photo/Kin Cheung)

O último riso

Na década de 2000, a disposição de Gao para defender às vítimas do Partido Comunista, especialmente os praticantes do Falun Gong, uma prática espiritual severamente perseguida na China, destinou o homem uma vez elogiado como um dos dez principais advogados da China a viver uma existência infernal, o que ele descreve na primeira parte de seu novo livro de memórias.

Quando a polícia não estava submetendo-o a sessões de tortura agonizantes, as autoridades estavam espionando e assediando sua família e ele. Em 2009, ele foi sequestrado e jogado na cadeia, onde definhou por cinco anos.

Aprisionado no distante oeste em Xinjiang, Gao Zhisheng enfrentou uma série de provações físicas e psicológicas. Ele foi espancado, esfomeado, exposto ao inverno extremo, eletrocutado e inclusive palitos de dente foram enfiados em seus órgãos genitais. Guardas se revezavam para abusar verbalmente e ameaçá-lo constantemente.

No entanto, Gao nunca se retratou; ao invés disso, ele manteve sua posição que era o Partido Comunista e seus quadros, e não ele, que estavam em perigo.

Gao Zhisheng fala com jornalistas numa casa-gruta na província de Shaanxi, no noroeste da China, no início de 2015. (AP Photo/Isolda Morillo)
Gao Zhisheng fala com jornalistas numa casa-gruta na província de Shaanxi, no noroeste da China, no início de 2015 (AP Photo/Isolda Morillo)

Falando de dois oficiais em particular – Xie Hui das forças policiais provinciais e Zhou Yongkang, o então chefe de toda a segurança pública e das forças paramilitares da China – como os responsáveis por sua prisão e tortura, Gao relata como em 2009 e 2012 ele declarou, mesmo diante da descrença e zombaria de seus captores, que esses oficiais seriam julgados e condenados.

“Estes dois funcionários corruptos já foram expurgados”, diz uma passagem do prefácio de Gao. “Naquela época, quando eu previ que ambos em breve estariam atrás das grades, eu fui ridicularizado. Mas, agora, podemos ver o que se sucedeu.”

Zhou Yongkang, que segundo Gao certo “camarada-líder” comparava-o a uma divindade para descrever seu poder político na época, foi expurgado do Partido Comunista Chinês (PCC) e levado a julgamento no ano passado, principalmente por corrupção e divulgação não autorizada de segredos de Estado.

E em julho passado, um mês após Zhou Yongkang ter sido condenado à prisão perpétua, Xie Hui foi colocado sob investigação por crimes semelhantes.

Zhou Yongkang, o ex-chefe da segurança pública chinesa, durante o Congresso Nacional Popular na China em 14 de março de 2011. (Feng Li/Getty Images)
Zhou Yongkang, o ex-chefe da segurança pública chinesa, durante o Congresso Nacional Popular na China em 14 de março de 2011 (Feng Li/Getty Images)

Gao Zhisheng, um cristão, acredita que o PCC entrará em colapso em 2017. Ele acrescenta que o fim do comunismo é uma inevitabilidade histórica, mesmo quando considerado do ponto de vista secular.

“Este partido é o mais sinistro. É o maior sindicato do crime na história, e já não pode impedir a contagem regressiva para o fim de sua existência maligna.”

Pronto para qualquer consequência

Tendo sido levado à beira da morte antes, Gao, que passou mais de um ano escrevendo seu manuscrito em segredo antes de enviá-lo clandestinamente para fora do país para publicação, indicou que estava pronto para qualquer punição do regime que pudesse afetá-lo.

“Ele nos disse que devemos estar preparados”, disse Grace Geng, a filha de 23 anos de Gao, numa conferência de imprensa em Hong Kong. “Ele está física e mentalmente preparado.”

Gao se recusa a deixar a China continental, apesar de sua esposa, filha e filho terem fugido com sucesso para os Estados Unidos. Ele diz que quer estar lá quando o regime comunista desmoronar.

O advogado Gao, que não tem permissão para receber atendimento médico e cuja saúde está fragilizada após anos de prisão e tortura, é capaz de se comunicar de forma clandestina, quanto consegue, com familiares no exterior.

“Ele está determinado a não deixar a China pelas coisas que ele julga corretas de fazer”, disse Grace Geng. “Ele está colocando sua família de lado. Ele acha que há coisas maiores do que nós.”

A família de Gao também sofreu as consequências de sua recusa a ceder. Quando adolescente, Grace tentou suicídio várias vezes por causa das provocações e intimidações que sofreu na escola como resultado do status dissidente do pai.

Grace, outrora ressentida e magoada com o pai, agora diz que apoia totalmente sua missão. “Ele tem fé em Deus, e eu tenho grande fé nele e no que ele diz.”