Por Alberto Fiaschitello e Leandro F. F. Meyer
A intolerância religiosa tem se tornado cada vez mais intensa e cruel na China nos últimos anos. Milhões de fiéis, religiosos e praticantes de disciplinas espirituais – como cristãos, budistas, muçulmanos, praticantes de Falun Gong e outros grupos – têm sofrido severa perseguição do Partido Comunista Chinês (PCC).
Assim como ocorreu durante a chamada “Revolução Cultural”, levada a cabo por Mao Tsé Tung, entre 1966 e 1976, o regime chinês tem novamente concentrado seu poder para eliminar a crença religiosa, alterar ou banir os livros sagrados, intimidar e perseguir os fiéis e destruir os locais de culto e de prática espiritual no país.
Para que abandonem suas crenças, os fiéis são presos, torturados e obrigados a executar trabalho forçado.
As primeiras denúncias oficiais de crimes contra a humanidade cometidos pelo PCC, durante sua nova investida contra as religiões e as práticas espirituais, foram divulgadas oficialmente por relatores da ONU já em 1999. Os relatórios trouxeram a público os assassinatos em série de milhares de praticantes de Falun Gong para a venda de seus órgãos em hospitais chineses, fatos que vêm ocorrendo incessantemente até hoje. “Esses assassinatos e atos de tortura têm a finalidade de forçar as pessoas a escolherem entre a sua vida e as suas crenças pessoais.”
O regime chinês tem atuado também fora do país. Por meio das mídias estatais, dos seus diplomatas, membros de embaixadas e consulados e agentes secretos, o PCC tem influenciando mídias, instituições públicas e privadas e governos de outros países para perseguirem e difamarem grupos espirituais e minorias étnicas como os budistas tibetanos, os uigures e os praticantes de Falun Gong.
As tentativas do regime chinês de transformar à força pessoas que têm fé religiosa em ateus é vista pelo PCC como uma ação obrigatória para a conversão dos fiéis religiosos em fiéis comunistas e para o bem do Partido: “As autoridades locais lançaram uma campanha para ‘transformar crentes na religião em crentes no Partido… Muitos camponeses são ignorantes, acreditam que Deus é seu salvador, mas depois do trabalho dos líderes, eles se darão conta dos seus erros e verão que já não devem apoiar-se em Jesus, mas sim no Partido Comunista…’”
Sabotagem, difamação e terror para eliminar a fé e as religiões
O regime chinês busca minar as bases mais fundamentais das religiões e práticas espirituais na China de diversas formas: alterando ou proibindo livros e textos sagrados, distorcendo fatos, criando eventos falsos, difundindo mentiras e calúnias sobre as práticas e os líderes espirituais. O objetivo é criar uma imagem negativa dos fiéis frente à opinião pública a fim de justificar as perseguições, reforçar os valores socialistas e o apreço pelo PCC. Segundo o pastor Jin Mingri, da igreja Zion, que foi fechada pelo regime chinês em 2018, “Isso faz parte de uma guerra abrangente contra a religião… O Partido Comunista começou a ver a religião como uma concorrente. Não é apenas o cristianismo [protestante], mas também o catolicismo, o budismo e o islamismo. Eles querem que todos nós afirmemos a nossa lealdade ao Partido.”
Em meio a inúmeras estratégias perversas, o regime chinês proibiu da Bíblia cristã e a substituiu por uma “bíblia” reescrita pelo Partido (PCC); proibiu e destruiu milhares de exemplares do livro Zhuan Falun, o livro sagrado dos praticantes de Falun Gong; demoliu templos e igrejas; queimou milhares de cruzes em igrejas cristãs; substituiu as imagens de Jesus Cristo pelas do presidente da China; e encarcerou e vem abusando física e mentalmente de milhões de uigures muçulmanos, praticantes de Falun Gong, cristãos e budistas tibetanos.
O regime chinês tenta a todo custo negar e ocultar a perseguição e os abusos que comete contra as religiões e os praticantes espirituais. “O Partido Comunista Chinês nega qualquer perseguição cristã na China e convenceu alguns ocidentais renomados e até organizações missionárias de que a perseguição cristã na China não existe mais…” Mas, na realidade, a perseguição religiosa “está crescendo rapidamente, e a atual perseguição cristã na China é mais sofisticada e multifacetada do que no passado…”.
O crescimento da perseguição religiosa na China já vinha sendo denunciado pela própria ONU. A trigésima nona sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro de 2018, declarou: “Desde dezembro de 2017, a perseguição contra grupos religiosos na China se intensificou. Os cristãos sofrem a maior parte da perseguição, porque são a religião mais organizada com o maior número de membros. O governo monitora e suspende a atividade da igreja porque vê a atividade religiosa como uma ameaça. Desde que o Regulamento Revisado sobre Assuntos Religiosos (o ‘Regulamento Revisado’) entrou em vigor em 1º de fevereiro de 2018, as igrejas domésticas enfrentaram maior assédio, intimidação e dominação do governo, com milhares de locais de igrejas sendo fechados, e cristãos sendo detidos, presos, ou enfrentando processo criminal.”
Mídias nacionais e internacionais livres também vêm denunciando a onda crescente de opressão e perseguição religiosa na China. Em 2 de fevereiro de 2018, o site NOTÍCIAS UOL publicou o artigo China fecha ainda mais o cerco contra religiões, onde diz: “Nos últimos meses, a China derrubou várias igrejas – alegando serem ilegais –, confiscou cruzes e obrigou a substituição de imagens de Jesus Cristo por retratos do presidente Xi Jinping. As autoridades também impuseram novos controles à Larung Gar, a maior academia independente de budismo no Tibete, de acordo com a Human Rights Watch. A partir de agora, o templo ensinará [os monges] ‘a honrar e apoiar o Partido Comunista Chinês e o sistema socialista…’”7 Um mês antes, em 12 de janeiro de 2018, o jornal The New York Times publicou uma notícia sobre a crescente perseguição aos cristãos e a destruição de igrejas na China: “Policiais chineses demoliram uma das maiores igrejas evangélicas do país nesta semana, usando maquinário pesado e dinamite para destruir o prédio onde mais de 50 mil cristãos adoravam. A Igreja Golden Lampstand, na província de Shanxi, foi uma das duas igrejas cristãs que foram demolidas pelas autoridades nas últimas semanas… Sob o presidente Xi Jinping, o governo destruiu igrejas ou removeu seus campanários e cruzes como parte de uma campanha que reflete o medo antigo do Partido Comunista de que o cristianismo, visto como uma filosofia ocidental, seja uma ameaça à autoridade do Partido.”
Prisões, torturas, trabalho forçado e assassinatos de praticantes espirituais
Na China, milhões de pessoas inocentes são mantidas em prisões, campos de trabalho forçado, hospitais psiquiátricos, centros de lavagem cerebral e prisões clandestinas. Indivíduos ou pessoas que pertencem a grupos ou instituições que não são bem vistos pelo Partido Comunista Chinês são espionados via internet, celulares, câmeras de monitoramento nas ruas, sistemas de crédito e por policiais à paisana. Essas pessoas acabam presas sem julgamento ou são enviadas para a prisão após serem julgadas por tribunais comandados pelo Partido Comunista Chinês. “Milhares de pastores já foram presos, espancados, torturados, sentenciados a anos de prisão ou simplesmente desapareceram.”
Essas pessoas são retiradas da sociedade para serem “transformadas” em simpatizantes ou mesmo em agentes do Partido Comunista Chinês. A Human Rights Watch, em seu Relatório 2019, reporta a opressiva e dramática situação vivida por grupos étnicos religiosos sob o totalitarismo do regime chinês para a transformação de suas consciências: “A questão que recebeu mais atenção foi a detenção arbitrária em massa pelo governo chinês para ‘reeducação’ de mais de 1 milhão de muçulmanos na região de Xinjiang, principalmente do grupo étnico uigures, para forçá-los a renegar sua fé muçulmana e identidade étnica. Esse esforço de lavagem cerebral não se limita aos centros de detenção da China: o regime enviou cerca de 1 milhão de funcionários para morar nas casas dos muçulmanos e espioná-los para garantir sua lealdade política e cultural.”
Dentre esses indivíduos encarcerados, muitos acabam sendo mortos, ou tornam-se inválidos ou sem juízo mental, devido às torturas brutais que sofrem. O Conselho de Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) declarou, em 4 de setembro de 2012: “Uma das piores formas de abuso é a tortura de praticantes saudáveis do Falun Gong detidos à força em hospitais psiquiátricos… milhares de praticantes do Falun Gong foram submetidos a inúmeras formas de tortura em hospitais chineses, com muitos morrendo após ou durante o tratamento.”10
Prisioneiros ouvem doutrinações políticas e contra-religiosas no Centro de Reeducação Número 4, no condado de Lop, na região autônoma de Xinjiang, na China (Human Rights Watch, 2018).
O sistema de extermínio humano para o comércio de órgãos
Desde a década de 1980, autoridades internacionais e os governos de diferentes países sabem que o regime chinês usa órgãos de prisioneiros condenados à morte. Essa prática é condenada pela OMS (Organização Mundial de Saúde), pela Sociedade de Transplante (TTS) e pelas demais instituições que regulam a saúde pública mundial e garantem os direitos humanos no mundo.
Porém, a partir de 1999, com o início da perseguição do Partido Comunista Chinês ao Falun Gong, o regime chinês estabeleceu um sistema de extermínio em massa de praticantes do Falun Gong. Esse sistema tem dupla finalidade: exterminar o máximo de praticantes para tentar eliminar o Falun Gong do país; e proporcionar ganhos financeiros a membros do regime e pessoas que integram o sistema criminoso de venda de órgãos humanos na China.
Em 15 março de 2007, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) publicou a Resolução 60/251 que apresenta o Relatório da Relatora Especial sobre Liberdade de Religião ou Crença, Asma Jahangir. O documento revela: “Órgãos vitais, incluindo corações, rins, fígados e córneas, foram sistematicamente retirados de praticantes de Falun Gong no Hospital de Sujiatun, na cidade de Shenyang, na província de Liaoning, desde 2001. Injeções foram aplicadas nos praticantes para induzir parada cardíaca e, como consequência, eles foram assassinados durante as cirurgias de retirada de órgãos ou imediatamente depois…” Esses órgãos, extraídos de milhares de praticantes de Falun Gong assassinados dentro dos hospitais e do sistema prisional chinês são usados por membros do Partido Comunista Chinês, vendidos para pessoas influentes e ricas da China e para estrangeiros que agendam suas cirurgias de transplante em hospitais chineses. Segundo o Dr. Torsten Trey, diretor executivo da DAFOH, organização internacional que trabalha contra a extração forçada de órgãos, “Em 1999, havia em torno de 150 centros de transplante; 6 ou 7 anos depois, eles tinham 600 centros de transplante… Todos os dias, dezenas de pessoas são executadas ou assassinadas por órgãos na China.” Isso mostra que somente através do assassinato de um enorme número de praticantes de Falun Gong é que foi possível ao regime chinês obter e comercializar centenas de milhares de órgãos na China; e, também para isso, construíram-se cerca de 450 centros de transplante de órgãos em um tempo extremamente curto.
Embora o regime chinês tente ocultar de todas as formas esse crime monstruoso que vem cometendo há anos, milhares de denúncias foram acolhidas por organizações internacionais, como a ONU, a TTS, a Human Rights Watch, a Anistia Internacional, a DAFOH, o Parlamento Europeu e outras. O Parlamento Europeu manifestou-se contra a extração forçada de órgãos na China através da Resolução 2013/2981(RSP), de 12 de dezembro de 2013, a qual, entre outras coisas “…insta o Governo da República Popular da China a pôr imediatamente termo à prática de recolher órgãos de prisioneiros de consciência e membros de grupos religiosos e minorias étnicas; e apela pela libertação imediata de todos os prisioneiros de consciência na China, incluindo os praticantes do Falun Gong.”
A TTS, instituição internacional que regula e determina as normas para os transplantes no mundo, escreveu uma carta aberta para o presidente chinês condenando duramente o comércio criminoso de órgãos sancionado pelo regime chinês: “Relatórios em primeira mão de nossos colegas chineses e uma quantidade de investigações sugerem que a prática de obtenção de órgãos de prisioneiros na China envolve transações infames entre cirurgiões de transplante e funcionários judiciais e penais locais… O abuso subjacente por parte desses profissionais médicos e a conivência generalizada para o lucro são inaceitáveis.”
Estimativas feitas por organizações internacionais calculam entre centenas de milhares até milhões de praticantes de Falun Gong mortos pelo regime chinês para a extração forçada de órgãos. Entretanto, nos últimos anos, budistas tibetanos, cristãos, muçulmanos e outros também vêm sendo assassinados pelo regime chinês para o comércio de órgãos. O ex-Secretário de Estado canadense, David Kilgour, e o advogado internacional de direitos humanos, David Matas, vêm apresentando relatórios desde 2006 sobre a extração forçada de órgãos promovida pelo regime chinês; em 2016, em audiência no Parlamento Australiano afirmaram “…que detêm provas de que há cerca de 60 mil a 100 mil transplantes de órgãos sendo realizados na China a cada ano. Eles disseram que a maioria das vítimas, além dos praticantes da doutrina Falun Gong, são cristãos, budistas tibetanos e uigures muçulmanos. O assassinato dessas pessoas permite que a demanda por transplantes seja atendida.”
A perseguição exportada para outros países
O regime chinês persegue grupos religiosos não só dentro, como fora da China. Os braços do Partido Comunista Chinês alongam-se por todo o mundo e a influência do regime chinês envenena e manipula perversamente outros regimes: “…a China tem exercido pressão sobre determinados governos… para que violem os direitos fundamentais dos seguidores do Falun Gong.“ Além disso, o regime chinês promove espionagem, sabotagens ou mesmo ataques diretos no exterior a grupos ou pessoas ligadas a comunidades perseguidas dentro da China.
No Brasil, autoridades e agentes chineses também espionam, coagem, ameaçam e usam a violência contra aqueles que denunciam as atrocidades do regime chinês. Em 17 de julho de 2014, agentes chineses cercaram e atacaram praticantes do Falun Gong na Praça dos Três Poderes, em Brasília, durante uma manifestação pacífica em nome do fim da perseguição ao Falun Gong e fim do genocídio de praticantes na China. O fato ocorreu durante a reunião do BRICS, quando o presidente Xi Jinping esteve no Brasil. Além de agredirem os praticantes, os agentes roubaram materiais do Falun Gong que estavam com os praticantes: “…os seguranças chineses adotaram posturas cada vez mais agressivas, indo desde insultos e provocações, passando à tentativa de sequestro de bens pessoais dos praticantes, e finalmente recorrendo ao confronto e ao uso da violência física, culminando na covarde agressão aos praticantes no incidente do Panteão. Esse foi um ato premeditado e despótico, quando seguranças chineses encurralaram os praticantes, numa tentativa de dissuasão para que cessassem suas manifestações junto às autoridades chinesas – uma clara violação de seus direitos legítimos como cidadãos brasileiros.” A polícia deteve os agressores chineses, mas devido à forte pressão de uma diplomata chinesa e sua interferência pessoal junto à delegacia, os depoimentos e a descrição dos fatos foram alterados pelo escrivão, inocentando os agressores chineses, o que levou os praticantes a retornarem à delegacia no dia seguinte com uma advogado da OAB para pedirem a revisão e a correção do boletim de ocorrência, o que foi prontamente feito perante o advogado.
Outro exemplo da perseguição que o regime chinês promove fora da China ocorreu na Austrália. Depois de pedir asilo político ao governo australiano, Chen Yonglin, ex-consul do Consulado Geral da China em Sydney, Austrália, testemunhou, em 21 de julho de 2005, perante a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Ele revelou que o regime chinês opera uma rede de cerca de 1.000 espiões somente na Austrália, que funcionários dos consulados e embaixadas chinesas monitoram e sabotam pessoas que apoiam grupos perseguidos na China e que a rede de espionagem sequestra e manda de volta para a China cidadãos chineses que denunciam o regime chinês. Segundo a BBC News “Ele disse que foi responsável por monitorar a atividade dissidente chinesa na Austrália, incluindo a dos membros do movimento espiritual Falun Gong…”, e que “…havia cerca de 1.000 espiões chineses na Austrália”.
Casos como esses mostram que o regime chinês está disposto a tudo para fazer prevalecer sua ideologia e impor a sua tirania, tanto dentro como fora da China: “[No ano passado] A China e a Rússia fizeram tudo o que puderam para minar o cumprimento dos direitos mundialmente, enquanto em seus países impuseram o regime mais repressivo em décadas.”
A influência e o controle ideológico mundial do PCC através das mídias internacionais e de seus institutos educacionais
O controle mental dos cidadãos chineses pelo Partido Comunista Chinês ocorre por meio das mídias estatais e tem como base ideológica as doutrinas do comunismo chinês. O PCC restringe a liberdade de pensamento dos cidadãos chineses, dirige-os ideologicamente e sufoca a liberdade de expressão de todo o povo chinês. Isso porque na China não existe democracia e respeito aos direitos individuais. Os indivíduos devem se submeter ao Estado e adotar as “verdades” e o padrão de pensamento do PCC, caso contrário sofrem violência brutal para serem silenciados e transformados segundo a visão do Partido.
Essa postura intolerante e violenta do regime chinês tem se intensificado nos últimos anos: “…as autoridades promoveram extraordinários ataques aos direitos humanos fundamentais e a seus defensores, com violência não vista nos últimos anos — um indício alarmante, considerando o fato de que a atual liderança provavelmente permanecerá no poder até 2023. Desde meados de 2013, o regime chinês e o Partido Comunista Chinês, que está no poder, têm anunciado diretivas exigindo de membros do partido, professores universitários, estudantes, pesquisadores e jornalistas respeito à ideologia ‘correta’. Esses documentos alertam a população contra os perigos dos ‘valores universais’ e direitos humanos, além de afirmarem a importância de uma postura pró-regime e pró-Partido Comunista Chinês”18
Contudo, o regime chinês, que tem expandido enormemente seus negócios e sua política no mundo, deseja que as graves questões internas na China – como a perseguição religiosa e étnica, a falta de democracia e de liberdade e o uso cotidiano da violência pelo Estado – não só sejam ocultadas e apagadas da mente das pessoas do mundo, como também que sua ideologia e o modo de lidar com essas mesmas questões sejam cada dia mais aceitas e justificáveis fora da China, devido a “uma nova forma de ver os fatos desde a perspectiva ‘correta’ do Partido Comunista Chinês”.
O regime chinês usa duas formas para fazer isso, mesmo fora de seu país. A primeira delas é através da imposição, da intimidação e da violência. A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras, denunciou em seu artigo “A nova ordem mundial das mídias segundo a China”, de 22 de março de 2019: “…Pequim está apelando à intimidação e à violência para silenciar as vozes dissidentes, inclusive nas democracias. De repórteres freelancers a redações de grandes meios de comunicação, de editoras a plataformas de redes sociais, nenhum elo da cadeia de produção de informações está protegido da ‘mão invisível’ de Pequim. Os próprios embaixadores chineses não hesitam mais em tomar a palavra, de maneira nada diplomática, para denegrir os artigos de imprensa que questionam a narrativa oficial. Diante de tais ataques, as democracias ainda têm dificuldades em reagir.” E continua: “Apoiando-se no uso massivo das novas tecnologias, o presidente Xi Jinping conseguiu impor um modelo de sociedade baseado no controle da informação e na vigilância dos cidadãos. Fora de suas fronteiras, Pequim tenta promover esse modelo repressivo e instaurar uma “nova ordem midiática mundial” sob sua influência. Os meios de comunicação públicos e privados chineses são colocados sob forte controle pelo Partido Comunista, enquanto o governo multiplica os obstáculos ao trabalho de campo dos correspondentes estrangeiros. Mais de 50 jornalistas e blogueiros permanecem atrás das grades, em condições que fazem temer por suas vidas… um simples cidadão corre risco de prisão por ter compartilhado ou comentado informações nas redes sociais ou num aplicativo privado de mensagens.”
A segunda forma é o suborno de jornalistas, a corrupção de mídias estrangeiras e aquiescência de instituições públicas e privadas quanto aos desejos e orientações do regime chinês. No mesmo artigo de 22 de março de 2019, a organização Repórteres Sem Fronteiras, revela: “…a estratégia utilizada pelo aparato estatal chinês para atingir seus objetivos: modernização de sua ferramenta externa audiovisual, compra maciça de publicidade, infiltração em meios de comunicação estrangeiros… O regime conseguiu convencer dezenas de milhares de jornalistas de países emergentes a irem ‘Desenvolver seu pensamento crítico’ em Pequim, com todas as despesas pagas, em troca de uma cobertura favorável na imprensa. Quanto aos meios de comunicação avessos à mídia chinesa, antes críticos do regime, quase todos foram comprados e integrados ao aparato de propaganda do Partido Comunista Chinês (PCC).”
Essa cooptação da mídia internacional e a consequente manipulação das informações, junto com a difusão insidiosa da ideologia e dos valores do Partido Comunista Chinês representam um grave perigo não só para os grupos religiosos perseguidos dentro e fora da China, como para a ética e a manutenção da democracia no mundo todo. Os valores disseminados pelo regime chinês – intolerância, discriminação, autoritarismo, desumanidade, ateísmo, materialismo, desonestidade, maquiavelismo –, seja através de suas próprias ações como de sua ideologia, são capazes de minar e destruir a estrutura ética e moral das sociedades, atingindo não só a camada superficial da opinião pública, como, ao longo do tempo, suas estruturas nucleares fundamentais, seus valores humanos e morais, seus princípios espirituais, suas relações sociais e familiares e a própria educação formativa dos jovens.
Nesse sentido, é bastante alarmante o fato de existirem nos países democráticos, com princípios morais, espirituais e éticos bem estabelecidos, instituições de ensino chinesas que disseminam de forma velada os valores e a ideologia do Partido Comunista Chinês. Essas instituições têm influência marcante em diversas universidades e escolas ao redor do mundo e servem literalmente para o aumento da influência do regime chinês nos diferentes países, para a espionagem e para a difusão da ideologia do PCC.
A instituição de ensino chinesa mais famosa e disseminada no mundo é o Instituto Confúcio (IC). Com o pretexto de difundir a bela e tradicional cultura chinesa, e investindo vultosas quantias de dinheiro em escolas e universidades ocidentais, o regime chinês conseguiu enraizar cerca de 1.500 Institutos Confúcio nos cinco continentes, em dezenas de países, e inclusive em países de grande representatividade e importância, como Canadá, França, Itália, Inglaterra, Suíça, Alemanha, Espanha, Grécia, Portugal, Suécia, EUA e Argentina. Somente no Brasil existem unidades do Instituto Confúcio em 10 universidades importantes, entre elas, PUC – RJ, UNESP, UNICAMP, FAAP, UNB e UFRGS.
Porém, através de denúncias e das agências de inteligência locais, os países vêm despertando e compreendendo os verdadeiros objetivos e funções dos IC e vêm tomando atitudes que vão desde o monitoramento e a investigação dos mesmos, até o seu fechamento e banimento das universidades e escolas: “Existem mais de 1.500 Institutos [Confúcio] e suas salas de aula em todo o mundo, mas pela própria admissão da China, essas organizações fazem parte das iniciativas de propaganda do país… Garnaut (ex-acessor do Primeiro Ministro da Austrália para a China) agregou: ‘O que eles fazem é em parte propaganda, mas ainda mais importante é a conexão deles com o sistema do Departamento de Trabalho da Frente Unida e eles podem potencialmente ser usados, e precisamos impedi-los de serem usados, como uma plataforma para influenciar a tomada de decisões nas universidades.’ A Frente Unida é o braço secreto do Partido Comunista Chinês, que tenta promover as políticas do partido no exterior… A Penn State, a Universidade de Chicago, a Universidade de Estocolmo e a Universidade de Lyon estão tão preocupadas com a propaganda e a influência chinesas que fecharam seus Institutos Confúcio nos últimos anos. A Texas A & M tomou a mesma decisão no mês passado.”
As investigações sobre o Instituto Confúcio têm se aprofundado e se tornado questões de primeira importância nas agendas de diversos governos. Em 23 de maio de 2018, o Subcomitê para Europa, Eurásia e Ameaças Emergentes do Comitê para Assuntos Estrangeiros da Casa dos Representantes dos Estados Unidos apresentou o documento “Investimento Chinês e Influência na Europa” onde conclui: “Da mesma forma, operações de influência política chinesa encontraram oportunidades na Europa. Existem agora mais de 440 Institutos Confúcio e suas salas de aula na Europa, frequentemente fazendo parcerias com institutos educacionais. Estes Institutos Confúcio são, em última análise, e eles são, em última instância, porta-vozes do Partido Comunista Chinês e redes de influência que injetam propaganda chinesa diretamente na educação da juventude europeia.”
Muitos outros países que haviam firmado acordo com os Institutos Confúcio têm chegado às mesmas constatações, como por exemplo, o Canadá: “Em 2010, o então chefe do Serviço Canadense de Inteligência de Segurança (CSIS), Richard Fadden, disse que os ICs estão sob o controle das embaixadas e consulados chineses, e os relacionou a alguns dos esforços do regime para influenciar a política canadense para a China. Michel Juneau-Katsuya, ex-gerente sênior do CSIS, diz que muitas agências ocidentais de contrainteligência identificaram os ICs como ‘formas de agências de espionagem’ usadas pelo regime” .Devido a isso, dezenas de Institutos Confúcio vêm sendo fechados em universidades e escolas em diversos países.
A aceitação do Instituto Confúcio em universidades brasileiras mostra a falta de informações claras sobre o mesmo e revela uma abertura que efetivamente é a porta para a disseminação da ideologia de um regime que tem as piores inclinações e atitudes em relação aos valores humanos universais, à democracia, à espiritualidade e à religião. Sua presença e influência silenciosa nas universidades brasileiras representa a aceitação de um modelo de governo extremamente perverso travestido de “bom amigo”. Como disse o Ministro da Educação do Canadá, Dominic Cardy: “O trabalho deles é criar um rosto amigável e alegre para um governo que é responsável por mais mortes do que qualquer outro na história de nossa espécie… E eu não acho que é apropriado em um sistema educacional, que deveria ser o veículo que transmite nossos valores para a próxima geração, mostrar que estamos abertos a um governo que se comporta dessa maneira.”
Alberto Fiaschitello é cientista social pela Universidade de São Paulo.
Leandro F. F. Meyer é professor da Universidade Federal Rural da Amazônia e doutor em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa.