Ao ser perguntado nesta quinta-feira (23) sobre qual será a sua decisão em relação a um veto que acaba com a isenção nos impostos das importações de até US$ 50, o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi contraditório. “A tendência é vetar, mas a tendência também pode ser negociar”, se atrapalhou o mandatário petista, sinalizando um possível diálogo com o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, sobre o assunto.
A isenção para remessas internacionais de até R$ 250 (conforme a atual cotação do dólar) permite às pessoas pobres comprarem produtos mais baratos – os quais o presidente da República chamou de “bugigangas”.
A confusão criada pelo próprio Lula
Tudo começou com uma Medida Provisória (MP) feita pelo chefe do Executivo em dezembro de 2023, que fornece incentivo fiscal de R$ 19,3 bilhões para montadoras que cumprirem critérios de descarbonização e produção de veículos chamados “sustentáveis”.
A MP é um ato unipessoal do presidente da República. Tem força de lei e acontece em casos de urgência e relevância para o país. É editada, a princípio, sem a participação do Poder Legislativo, que somente será chamado a discuti-la e aprová-la ou não em momento posterior.
Foi criado um Projeto de Lei a partir dessa MP editada por Lula. A proposta faz parte da chamada “pauta verde” e atende ao lobby ambientalista, mais conhecido como “esquerda herbívora”, muito forte no Congresso. Tem até nome: Mover (Programa de Mobilidade Verde e Inovação). O projeto incentiva, bem como a MP de Lula, a descarbonização e os veículos ditos “sustentáveis”.
No entanto, o relator do projeto do programa Mover, deputado Átila Lira (PP-PI), enfiou no meio um “jabuti” – item que parlamentares costumam inserir em uma proposta legislativa de um tema sem relação com o texto original. E o “jabuti” é justamente uma emenda no projeto que acaba com a isenção tributária nas compras internacionais de até US$ 50, que beneficiam as famílias mais pobres.
O presidente da República tem o poder de vetar emendas em projetos de lei aprovados pelo Congresso. E a sinalização por parte de Lula de que provavelmente fará isso adiou a votação na Câmara.
Interesses políticos versus interesses do povo
O projeto de lei do Mover era uma das prioridades para outro Lira, o Arthur, presidente da Câmara. E seria apreciado antes do recesso no meio do ano. Entretanto, após o “jabuti” do relator, o projeto se tornou impopular, considerando que é ano eleitoral. Isso aumentou a animosidade entre Lula e Arthur Lira – que havia encampado o projeto a pedido do próprio presidente da República.
A postura confusa e contraditória de Lula também desautorizou o ministro da Fazenda Fernando Haddad, outro que era a favor da taxação de pequenas importações online. Afinal, o interesse do ministro é cumprir a meta fiscal, e a política econômica do governo Lula acredita que conseguirá fazer isso cobrando ainda mais impostos da população – sobretudo do mais pobre.
Na última quarta (22), em bate-boca na Câmara dos Deputados, Haddad tentou, sem sucesso, justificar o rombo fiscal da atual gestão. Dados do Banco Central mostram que o déficit nominal do Brasil foi de R$ 998,6 bilhões no acumulado de 12 meses, até março. O ministro da Fazenda alegou que o rombo ocorreu por conta de “calotes” feitos durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Se Haddad culpou Bolsonaro, Lula agora tenta culpar Haddad e Arthur Lira pelo projeto de lei; e promete vetar o “jabuti” que torna as “bugigangas” mais caras para o pobre. Assim, o mandatário petista parece acreditar que ficará “bem com o povo” – mesmo que 55% dos brasileiros pensem que ele não merece ser reeleito, conforme recente pesquisa da Genial/Quaest.