O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na terça-feira (10), o segundo e último dia de audiência pública sobre o vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e as plataformas digitais. Durante os dois dias, foram apresentados argumentos divergentes sobre o tema, com especialistas, advogados e representantes de entidades.
A questão, que ganhou destaque com a popularização da “uberização”, termo utilizado para descrever a flexibilização dos modelos tradicionais de trabalho, continua gerando controvérsias.
De um lado, defensores das plataformas alegam que os motoristas possuem maior autonomia e flexibilidade para decidir quando e como trabalhar, o que os caracterizaria como autônomos.
Por outro lado, entidades sindicais e advogados criticam essa ideia, argumentando que, na prática, os motoristas são submetidos a regras rígidas e controle de desempenho das empresas, o que descaracterizaria a autonomia e configuraria um vínculo de emprego.
Especialistas afirmam que a decisão do STF, ainda sem data para ocorrer, trará maior segurança jurídica para trabalhadores e empresas, pois ajudará a uniformizar a jurisprudência sobre o tema.
Segundo Sérgio Pelcerman, sócio trabalhista do escritório Almeida Prado Hoffman Advogados, a falta de clareza nas decisões da Justiça tem gerado insegurança tanto para empregadores quanto para empregados. Pelcerman destaca que a expectativa é de que o STF crie um precedente que sirva de base para futuras decisões.
“A questão mais relevante é quais os efeitos que o STF vai inserir nessa decisão. Se vai ser algo retroativo, se vai valer para todos os processos. A intenção é que com essa decisão, pelo menos haja um precedente para entender como que a Corte Superior se posiciona”, acrescentou Pelcerman.
Advogado trabalhista do DSA Advogados, Pedro Filgueiras compartilha a mesma opinião e defende a consolidação de uma jurisprudência. No entanto, o advogado acredita que a melhor solução seria uma regulamentação feita pelo Congresso Nacional, criando uma legislação específica para a profissão de motorista de aplicativo.
“Deve ser criada uma lei que regulamente a profissão de motorista de aplicativo que fique mais ou menos no meio entre o profissional autônomo e o trabalhador CLT”, defende Filgueiras.
Vínculo de motorista com Uber
O caso em discussão no STF envolve um recurso apresentado pela Uber, que questiona uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que reconheceu o vínculo empregatício de uma motorista com a empresa.
A Uber argumenta que existem milhares de processos em andamento sobre o tema, o que reforça a necessidade de uma definição mais clara.
A repercussão geral do caso implica que a decisão do STF será aplicada como referência para outras instâncias da Justiça. O ministro Edson Fachin, relator da ação, é quem convocou a audiência. Durante o encontro, ele defendeu a “pacificação” dos conflitos judiciais relacionados ao tema.
Flexibilidade X precarização
Também participaram da audiência representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, e da Defensoria Pública da União (DPU), que se manifestaram a favor do reconhecimento do vínculo empregatício, alegando a necessidade de garantir direitos trabalhistas para os motoristas.
“Os motoristas enfrentam na prática uma rotina de exploração e precarização, vivendo uma falsa autonomia”, disse Solimar Correa, advogada do Sindicato de Motoristas e Transportes por Aplicativo do Pará.
Já as entidades e empresas contrárias ao vínculo empregatício, como a 99 Tecnologia e a Confederação Nacional de Serviços (CNS), destacaram a importância da flexibilidade oferecida pelas plataformas.
O argumento apresentado é o de que elas permitem aos motoristas escolherem seus horários e formas de trabalho. Segundo as instituições, isso caracteriza uma relação comercial e não trabalhista.
Advogada da Uber, Caroline Perônio sustentou que a empresa permite ao motorista escolher “onde, quando, e quanto” se ativar a plataforma — e isso seria uma das principais diferenças da relação de vínculo de emprego prevista na CLT. Além disso, Perônio defendeu maior proteção previdenciária para os motoristas.
Para Pelcerman, a partir do momento que existe o vínculo direto, vêm os encargos gerais de férias, 13.º, fundo de garantia, INSS e outros. “Do lado do empregador, isso é com certeza um argumento que faz você pensar a validade da atividade. Pelo lado do empregado, você tem uma soma de benefícios para complementar a sua remuneração”, analisa o advogado.