Setor elétrico brasileiro: esquizofrenia de mercado

O Brasil conseguiu reverter uma vantagem comparativa (recursos naturais abundantes) em desvantagem competitiva. Pagamos os preços de energia elétrica mais caros do mundo

07/11/2018 18:05 Atualizado: 07/11/2018 18:05

Por Guilherme Galvão Villani, Terça Livre

O Brasil é pródigo em desperdiçar oportunidades. O Sistema elétrico que o diga. Não acredita? Olhem a evolução dos preços de energia elétrica.

Pagamos 2 vezes mais que países com sistemas elétricos hidro-térmicos semelhantes – Canadá e Noruega.

Como chegamos a isso? Com uma Reforma de Mercado mal feita pelo senhor Fernando Henrique Cardoso em 1995, não corrigida pelo senhor Luis Inácio Lula da Silva e piorada pela senhora Dilma Vana Rousseff em 2012.

O resultado deste descalabro são sucessivas crises energéticas, a mais marcante a de 2001, quando o país inteiro precisou ficar no escuro. Mas houveram outras, a mais recente a do tarifaço da Dilma em 2015 quando os preços finais ao consumidor subiram 59%.

Jair Bolsonaro acerta quando diz que é preciso cautela com relação à privatização da Eletrobras. Concordo que não faz sentido a empresa operar distribuidoras por exemplo, mas não podemos dizer que a geração de energia é deficitária.

Até a desastrosa Reforma do Setor Elétrico realizada em 1995 por FHC, a empresa cumpria o papel de construtor do parque elétrico, operador e regulador do sistema.

A partir da Reforma que criou o “Mercado Livre” de Energia, a Eletrobras perdeu atribuições para a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, para o Operador Nacional do Sistema — ONS e mais recentemente para a Empresa de Planejamento Energético — EPE.

A Reforma realizada incorporou um bizarro modelo matemático-contábil para dar “sinal de preço” a um recém criado Mercado de Energia. A ideia seria estimular a construção de novas usinas pelos agentes de mercado.

Acontece que a desconexão deste modelo matemático-contábil com a realidade do sistema físico levou a sistemático modelo inflacionário dos preços de energia. Roberto D’Araujo do Instituto Ilumina explica:

O absurdo modelo atual de precificação faz com que quando há bonança hidrológica, apenas os agentes do mercado livre se beneficiam, mas quando há poucas chuvas o consumidor comum paga a conta.

O sistema foi feito para dar errado. E deu logo na largada. Em 2001 o país inteiro precisou fazer um esforço para reduzir o consumo em 30%. A demanda caiu permanentemente depois, visto que houve uma substituição em massa de lampadas, freezers e etc. O consumidor se beneficiou? Não.

Pior, ainda pagou a conta. Foram construídas a toque de caixa inúmeras termoelétricas que permaneceram anos paradas por não haver necessidade de uso. FHC chamou de “seguro” do sistema. A mais famosa dessas termoelétricas foi a TermoLuma do empresário Eike Batista. E recomprada pela Petrobras em 2005.

Em 2003 Lula teve a chance de fazer as modificações necessárias para consertar os graves erros de origem. Nada fez.

Houve um retrocesso muito grande na contratação das usinas hidroelétricas. Graças aos ativismo ambiental, construiu-se somente usinas a fio d’água. E essas usinas novas subdimensionadas desperdiçaram Megawatts preciosos.

Já em 2008, quando o sistema já mostrava sinais de outra crise, foi salvo pelo gongo com a redução brutal do consumo graças à crise internacional ocasionada pelo crash dos bancos que operavam títulos no mercado imobiliário dos Estados Unidos.

Naquele ano o governo ainda fez um desastroso leilão, onde somente térmicas a óleo foram construídas. Uma bomba inflacionária em caso de necessidade de uso.

Sob o governo Dilma, foram cometidos os mais grotescos erros. Primeiro pedalaram o sistema, produzindo mais energia hidráulica que o modelo apontava. O resultado foi o sistemático esvaziamento dos reservatórios.

Depois em 2012 a “presidenta” teve a brilhante ideia de abaixar na marra o preço da energia. No entanto ao mesmo tempo ela “descontratou” o consumidor, que teria que pagar o preço do mercado de curto prazo.

Bastou um verão com poucas chuvas para o desastre se materializar. Com pouca água nos reservatórios, ligaram todas as térmicas caras e ineficientes movidas a óleo. O preço de energia no mercado de curto prazo explodiu e as distribuidoras tiveram que ser socorridas pelos bancos para honrar os compromissos.

Já no primeiro ano do segundo mandato, todos os erros da administração petista se materializaram em um brutal aumento das contas de energia em 59%. Chegamos ao cúmulo de pagar energia acrescido de juros bancários!

A situação atual

Preocupante. Os reservatórios não se recuperaram. Uma vez esvaziados fica difícil recompô-los. O reservatório de Furnas, um dos mais importantes pois sua água alimenta 12 usinas no Rio Grande e Paraná, está com apenas 14,4%. Precisaremos de um verão muito chuvoso para resgatá-lo.

Os reservatórios do Sudeste operam com menos de 20%.

Devido a uma chuva de liminares por parte de muitos geradores, a inadimplência entre os agentes está em níveis altíssimos desde então. Os valores são bilionários.

Quem investirá em um setor que está de cabeça para baixo? Não há garantias contratuais mais. E o sistema atual está perto de explodir novamente. Basta poucas chuvas ou um aumento grande da demanda proveniente de crescimento econômico que teremos necessidade de realizar novos racionamentos.

O sombrio futuro do setor

Enquanto o mundo passa por uma revolução solar com a geração distribuída, o Brasil ainda engatinha. No entanto com os preços de energia cada vez mais caros, é um caminho sem volta. A energia solar fotovoltaica é a melhor maneira de fugir dos preços cada vez mais caros de energia no Brasil. Quem tem a possibilidade de investir deve fazer.

O efeito colateral no entanto é que as distribuidoras de energia perderão a capacidade de previsão de demanda. O que é extremamente preocupante visto que o Mercado Livre de energia não contribui com a expansão do sistema.

Ou seja, quem será o contratante de longo prazo?

Empreendimentos em geração de energia são investimentos que demandam muito capital. Ao vencer um leilão de concessão na área de energia, o empreendedor usa este contrato de longo prazo para financiar a obra.

Diante do risco sistêmico em que o atual modelo nos colocou, as crises são frequentes. O Jornal Valor Econômico já alertou: presidente eleito deve enfrentar crise energética e pressão tarifária.

Mas o problema maior não é 2019. São os anos seguintes.

Além dos reservatórios baixos, a cada ano que passa o Paraguai usa cada vez mais a sua parcela de energia de Itaipu. O país conta com preços de energia irrisórios e está usando este ativo para alavancar sua indústria e desindustrializar a nossa.

O Acordo de Itaipu vence em 2022. Portanto o Brasil terá que negociar com o vizinho o preço desta energia. Caso o Paraguai continue crescendo no ritmo chinês, em breve não haverá mais como fornecer energia para o Brasil.

O presidente eleito Jair Bolsonaro terá uma tarefa monumental que lhe exigirá muita determinação e coragem para corrigir a triste rota atual do setor elétrico. Terá que reformular o setor e enfrentar interesses bilionários dos que se aproveitam da atual dinâmica.

Além de lidar com o ativismo ambiental, o mesmo que não permitiu a construção de usinas com reservatórios para contratar térmicas a óleo. A óleo!!!

Caso contrário a conta não irá parar de aumentar assim como o risco de faltar energia. Abra os olhos Presidente!

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