Por Bruna de Pieri, Terça Livre
“O que está acontecendo hoje é algo absolutamente sem precedentes na história do Brasil”. A afirmação é do advogado e professor de Direito Educacional, Alexandre Magno. Em entrevista ao Boletim da Manhã desta segunda-feira (7), o especialista em direito expôs a situação jurídica do Brasil em relação ao inquérito dos supostos “atos antidemocráticos” (Inq. 4.828) do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para Alexandre Magno, chama atenção que o termo “inquérito dos atos antidemocráticos” tenha sido impulsionado pela velha mídia. “Não sei onde essa denominação teve origem, mas, juridicamente falando, ela é absolutamente impertinente”, afirmou.
“Para entender a impertinência dessa denominação, temos que entender uma característica essencial do nosso processo penal. O nosso processo penal é chamado de acusatório, e acusatório é o contrário de inquisitório. Mas o que significa isso? No sistema acusatório, há uma diferenciação muito clara entre as funções de acusar, defender e de julgar. No sistema inquisitório não existe essa distinção, existe uma concentração de funções e de poderes”, acrescentou.
Ainda de acordo com o jurista, a Constituição Federal no Artigo 129, deixa claro que o titular da ação penal é o Ministério Público. “É ele quem faz a acusação penal, não é o Judiciário. Esse é um ponto absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência. Nos Estados Unidos mesmo, isso é levado muito a sério. É chamado até de sistema adversarial, no sentido de que existem adversários muito bem definidos, a acusação de um lado, e a defesa de outro. Esse é o padrão mundial das democracias, essa divisão de funções”, explicou.
O professor reforça também um ponto de vista que desde o início das investigações é debatido na área do direito: Qualquer tipo de iniciativa de acusação, mesmo de caráter acusatório, deve partir do Ministério Público Federal (MPF).
“Quando eu falo de ação penal, eu estou falando de forma bastante genérica. Isso significa que qualquer tipo de iniciativa de acusação, mesmo de caráter acusatório, deve partir do Ministério Público. Essa questão aqui é fundamental, nós só temos inquérito policial no Brasil, instaurado pelo Ministério Público. Isso faz parte da jurisprudência assentada pelo próprio STF. É esse primeiro ponto que eu gostaria de deixar bastante claro, não existe inquérito policial iniciado pelo Judiciário. Isso é uma impossibilidade jurídica”, afirma Alexandre Magno.
Sem precedentes
O especialista em direito argumenta ainda que a forma como se conduziu o inquérito 4828 é sem precedentes na história do Brasil.
“Quando tudo começou, eu fiquei me perguntando o seguinte: qual é a analogia para se fazer nesse caso? O que temos de semelhante quanto a isso aí? Eu já percebi que não dá para fazer analogia com inquérito ou com processo penal regular. Por incrível que pareça, creio que o mais próximo que nós já tivemos na história do Brasil com relação a esse inquérito foi o Ato Institucional número 2, imposto pelo regime militar em 1965”, comentou.
“É curioso perceber que esse ato foi uma resposta a uma eleição de oposicionistas no estado da Guanabara e no estado de Minas Gerais, e aí houve um recrudescimento do regime. Uma das medidas — é um Ato Institucional bastante extenso — foi jogar todas as acusações de crimes contra a segurança nacional para a Justiça Militar”, relembra Magno. “Essa é a situação mais próxima que eu consegui encontrar na nossa história, mas, mesmo assim, a Justiça Militar não instaurava os inquéritos, eles eram instaurados ou pela própria Polícia Militar, ou pelo Ministério Público Militar. O que está acontecendo hoje é algo absolutamente sem precedentes na história do Brasil”, pontua.
Alexandre Magno já havia se posicionado sobre o inquérito nas redes sociais no último domingo (6). Para ele, “o STF funcionou como um tribunal de exceção, que deu uma frágil roupagem jurídica a um procedimento absolutamente político. A devassa da vida e a perseguição a dissidentes políticos é conduta típica de regimes ditatoriais”.
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