Praticantes brasileiros do Falun Gong se reuniram em Brasília e São Paulo no dia 20 de julho para se manifestar contra a perseguição que seu grupo espiritual sofre na China. Nesta data completaram-se exatos 18 anos desde que este holocausto, ainda silencioso e em curso, foi iniciado por ordem do então líder do Partido Comunista Chinês (PCCh) Jiang Zemin.
Manifestações pacíficas também ocorreram em diversos países coordenadamente exigindo o fim desta “nova forma de mal que não se via antes“, nas palavras de David Mattas, proeminente advogado canadense de direitos humanos. Ele é coautor de uma investigação sobre alegações de massiva extração forçada de órgãos destes prisioneiros de consciência reunida no relatório investigativo intitulado ‘Colheita Sangrenta‘.
Na capital paulista, os adeptos da prática realizaram durante a tarde uma demonstração pública de meditação na Praça da Liberdade, no centro da cidade. À noite, foi feita uma vigília em plena Avenida Paulista, à altura do Conjunto Nacional, em memória das vítimas e pelo fim do genocídio.
Os praticantes também distribuíram materiais informativos aos pedestres e coletaram assinaturas para uma petição global contra a extração forçada de órgãos a ser enviada ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Alberto Fiaschitello, 50, terapeuta naturalista e praticante do Falun Gong, ficou impressionado com a receptividade das pessoas na rua e a quantidade de assinaturas recolhidas. “Foi comovente testemunhar centenas de pessoas com muita abertura e sensibilidade querendo ajudar a acabar com a extração forçada de órgãos”, afirmou.
“Quando contamos para as pessoas sobre a situação atual da perseguição ao Falun Gong muitas se sensibilizam, ficam chocadas, indignadas e querem fazer algo a respeito”, contou a psicóloga Beatriz Sampaio, 44, também praticante.
Em Brasília, durante à tarde, os praticantes locais estenderam faixas em frente ao Conjunto Nacional, no Centro, coletaram assinaturas para a petição e esclareceram os pedestres que, perplexos, paravam para se informar.
Em português, inglês e chinês, as faixas expunham casos documentados e fotos reais de praticantes do Falun Gong torturados e assassinados na China e traziam frases como: “mortos por suas crenças” e “o genocídio contra o Falun Gong tem que parar”.
Falun Gong, também chamado Falun Dafa, é uma prática tradicional de exercícios de qigong e meditação que se popularizou na China durante os anos 1990 por seus notáveis benefícios à saúde física e mental, sendo hoje praticado globalmente. Os que o praticam também desenvolvem fortes valores morais mediante o cultivo dos princípios universais de verdade, compaixão e tolerância.
Relação com os brasileiros
O praticante Ricardo Freire, sociólogo, 34, explicou por que os brasileiros também devem se posicionar perante tais crimes que ocorrem na China.
“A perseguição a inocentes, ainda mais quando é feita de forma tão cruel e sistemática, não se trata de um tema apenas local, mas é um assunto que diz respeito a toda a humanidade. Principalmente em um planeta cada vez mais interligado, a China está mais perto do que muitas vezes estávamos acostumados a supor”, observou.
Leia também:
Praticantes do Falun Gong exigem fim a perseguição de 18 anos
Protestos no Canadá marcam aniversário da perseguição ao Falun Gong
“Muitas pessoas em todo o mundo têm apoiado o Falun Gong e ajudado a pôr um fim a essa injusta perseguição. Inclusive muitos brasileiros têm se posicionado contra ela. É generalizada entre eles a percepção de que o mundo será melhor quando pessoas respeitadoras das leis e que possuem em seus corações a verdade, a compaixão e a tolerância como princípios-guia não sejam perseguidas por isso”, disse Freire.
Porquê da perseguição
Em 1998, um ano antes do início da perseguição à prática, órgãos do próprio governo chinês realizaram pesquisas que evidenciaram enormes benefícios do Falun Gong para a saúde e estimaram entre 70 e 100 milhões o número de praticantes em todo o país ─ superando o total de filiados ao PCCh, à época. Inclusive, havia cálculos de quanto o governo estaria poupando em recursos para a saúde pública.
Porém, essa grande e ascendente popularidade, mesmo em se tratando de uma prática pacífica e apolítica, foi sentida como ameaçadora por Jiang Zemin, que dirigia o partido naquele momento.
Ricardo lembra que a perseguição foi uma iniciativa individual do então líder do PCCh, que, entretanto, o seguiu. “Contrariando a maior parte da cúpula do partido, que não concebia tal ameaça, o grupo de Jiang se impôs e lançou a perseguição, movido, a meu ver, pela inveja devido à popularidade do Falun Gong, e por essa paranoia”, analisou.
“Sou capaz de enxergar também que Jiang se fiou em uma tendência histórica do Partido Comunista Chinês, que, periodicamente, tem rotulado segmentos da população e os perseguido como inimigos. Isso cria divisões e um clima de terror social no país que são explorados na luta por ampliação do controle político do partido.”
Não é a primeira vez que um grupo apolítico é apontado e perseguido por campanhas desse tipo.
“Mas percebo que, dessa vez, o contraste moral não poderia ser mais nítido. A ideologia de luta e violência do partido se revela ainda mais nefasta quando participa da perseguição àqueles que se guiam pelos princípios de verdade, compaixão e tolerância e que, em resposta à crueldade quase inimaginável perpetrada pelo regime, realizam uma resistência pacífica”, concluiu Freire.
Como ajudar a parar o genocídio
Quando as pessoas na rua perguntam o que mais podem fazer para ajudar a deter o holocausto contra o Falun Gong, Beatriz informa que é possível assinar a petição da Dafoh também pela internet e dá diversas outras dicas.
“Pode-se contatar representantes no governo, a mídia ou entidades defensoras dos direitos humanos e conscientizá-los sobre a perseguição. Pode-se também divulgar notícias e vídeos através de suas redes sociais e assim mais e mais pessoas se tornarão conscientes e, com isso, o mal terá cada vez menos maneira de agir”, enumerou.
A iniciativa da petição é da organização Médicos Contra Extração Forçada de Órgãos (Dafoh, na sigla em inglês) e visa a conscientizar profissionais da saúde e parlamentares sobre a real procedência dos órgãos para transplantes oriundos da China Continental, a fim de que criem medidas para acabar com este turismo ilegal.
Em 10 dezembro de 2013, Dia Internacional dos Direitos Humanos, a entidade já havia entregue à ONU a mesma petição com 1,5 milhão de assinaturas recolhidas em todo o mundo. A nova coleta de assinaturas permanece aberta nas ruas e no site até 15 de setembro de 2017.