A ideia de como vivem os indígenas é, muitas vezes, vaga para a maioria dos brasileiros. Na terceira e última parte da entrevista, a ativista indígena ligada aos movimentos de povos originários contra o Partido dos Trabalhadores (PT), fala como é a vida de pessoas pertencentes a esse grupo no Brasil, e sua inserção nas manifestações políticas recentes.
Confira a parte 1 (disponível neste link) e a parte 2 (disponível neste link) da entrevista conduzida pela editora de agronegócio do Epoch Times, Danielle Dutra, abordando sobre a luta dos povos indígenas para serem reconhecidos em seu próprio território.
Danielle: Como é a vida de um índio?
Indígena: É muito duro. A gente tem que sair à noite se arriscando para pegar gravetos no mato para acender uma fogueira em noite de frio. É muito difícil se arriscar no mato para pegar uma boa caça e alimentar a família. É muito complicado se aventurar num rio e pescar. Mesmo usando redes, porque no meio da mata as onças estão à espreita o tempo todo.
Eu perdi uma prima vítima de um ataque de onça. Ela ainda morava na aldeia e foi muito doloroso para a família. Porque foi de repente e ela nem estava caçando. Foi nas proximidades da aldeia.
Aí você imagina a dificuldade de um grupo pequeno de homens que sai para caçar, para levar o alimento para a sua família e está à mercê das onças, à mercê das sucuris dos porcos do mato, que são extremamente violentos. Esses porcos, uma manada de porcos do mato, pode matar um grupo pequeno de pessoas que sai para caçar.
Então é muito complicada a vida de um indígena. É muito difícil construir aquelas ocas altíssimas com madeira e palha de buriti. Sabe, é muito difícil ter que renovar a palha a cada seis meses, porque ela resseca e desgasta.
Os estrangeiros vêm ver aquela apresentação indígena e sai daqui acreditando que a vida do índio é muito boa desse jeito e acabam reforçando as falácias das ONGs. E nisso os índios ficam passando necessidade, passando fome, passando sede, não com esses estrangeiros. Não conhecem a outra realidade de outros povos indígenas, que são índios que vivem dentro de barraco, de lona de papelão, à beira de uma rodovia, passando fome sem ter o que comer com as crianças, com os pés e cheios de bicho, sabe?
Enfim. É muito e muito doloroso falar disso contigo, porque é uma realidade o que ainda acontece no Brasil, né? Crianças com bichos não só nos pés, mas por toda a perna. Sabe, larvas comendo as perninhas da criança, sabe? Muito, muito absurdo. Isso sem falar em outros casos de outras aldeias mais ao norte do país, de abuso sexual de crianças de 12 anos, crianças de nove anos que acontece principalmente no Acre.
Danielle: O que tem mais a dizer sobre os povos indígenas? Eles são perseguidos?
Indígena: E o que é que mais eu posso te dizer assim? É porque é muita coisa e muita coisa. Não é que os índios foram perseguidos ativamente. Eles foram perseguidos passivamente.
Ativamente foi na época da colonização que os colonos matavam ou perseguiam os índios que não queriam ser escravizados, que se recusaram a ser escravizados.
Mas desde o período da República, principalmente depois da Constituição de 1988, os índios são perseguidos passivamente. O que eu quero dizer com isso é que eles são proibidos, apesar de ter amplos direitos, eles são proibidos de fazer certas coisas, como o cultivo da própria terra, que foi marcada para eles, por exemplo.
Porque se um índio cortar algumas árvores para fazer um cultivo de algum plantio de milho, de soja e de arroz, alguma coisa assim, ou até criar gado, se quiser, ele é punido como crime ambiental.
Então assim, apesar de o Estatuto do Índio dizer que o índio é inimputável, depois da Constituição de 88, vieram nove novas leis ambientais, que punem os índios por prática de crime ambiental, se ele derrubar algumas árvores para fazer um roçado de mandioca, por exemplo.
E nisso muitos índios acabaram ficando abaixo da linha da miséria, como no caso dos índios Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul, que por muitos anos estavam jogados à beira da rodovia sem ter o que comer e morrendo de desnutrição.
Sem água e em barracas de plástico e lona, papelão, sabe, vivendo numa condição sub humana e eu tentei de todas as formas ajudar esses índios daqui de São Paulo, mesmo fazendo campanhas de arrecadação de alimentos, de arrecadação de roupas para mandar para aquele povo.
Danielle: Como você está no movimento indígena atual?
Indígena: Com toda essa movimentação contra a fraude nas eleições, o foco virou só as manifestações. E com a prisão do Cererê, do cacique xavante, ele foi preso ilegalmente e injustamente, de forma truculenta e arbitrária pela Polícia Federal, a mando do Alexandre de Moraes! Augusto Aras entrou com o pedido e o Alexandre de Moraes autorizou. A prisão foi feita em forma de emboscada, como se o cacique fosse um traficante em fuga, sabe, tentando fugir da polícia. É horrível, absurdo.
Então, assim, hoje há um manifesto de uma forma mais discreta. Apesar de eu nunca ter gostado de me expor, eu já me manifesto de uma forma mais discreta ainda do que eu já me manifestava, que antes.
Eu organizava as manifestações. Mas eu sempre estava na linha de frente, com uma câmera na mão, fotografando, registrando tudo. Hoje eu não tenho mais esses registros.
Eu tenho muito amor pela pela terra, pela terra indígena do Xingu, que é de onde vêm as minhas origens. Muito amor pelo cacique Toque, Kamayurá e mais. Eu me mantenho mais discreta do que eu já era antes, porém ativa mais nas sombras, entendendo até por questão de segurança própria, porque na época que eu estava com o movimento Frentes de Ação para o Xingu, eu tive atentado contra a minha vida.
Eu fui agredida com pauladas na cabeça por pessoas desconhecidas, encapuzadas, quando eu estava em Altamira, na região onde iria ser construída a usina, então assim foi muito, tudo muito difícil.
Foi tudo muito custoso, só trouxe prejuízo para minha vida, mas sem saber que eu estava ajudando pessoas que realmente precisavam me dava mais força para continuar. E eu me afastei do movimento indígena dessa forma e continuo me movimentando pelo país sozinha, porque eu sei que o seu país cai em uma desgraça com o governo do PT. Agora, os primeiros que vão sofrer serão os povos indígenas.
Por isso eu continuo nessa luta. Tenho apenas o apoio de alguns amigos. É bom e é isso, eu continuo na luta de uma forma discreta, até para preservar a minha própria vida.
Danielle: E os Xavantes que gravaram um vídeo lendo uma carta em apoio ao resultado das eleições e aparentemente a favor da prisão do Cacique Cererê?
Indígena: Você está falando sobre esse vídeo aí desse Xavante lendo essa carta? Ele é de uma outra aldeia xavante, de uma outra comunidade xavante que é contra o ex-presidente Bolsonaro, e eles se posicionaram contra a atitude do cacique Cererê. O cacique Cererê era de uma outra comunidade que foi beneficiada pelo projeto do governo de Bolsonaro.
E essa comunidade aqui, da qual essa liderança leu essa carta, ela recusou, não foi atrás, não foi em busca dos benefícios que o governo Bolsonaro estava ofertando e continua sendo manipulada pela esquerda.
E por isso eles leram essa carta de repúdio ao Cacique Cererê, porque a terra indígena xavante é muito grande e tem várias comunidades dentro. É como o Xingu, a Terra Indígena do Xingu, ela é muito grande. Ela se divide entre o Alto, Médio e Baixo Xingu.
Então, assim, se uma aldeia do Xingu, por exemplo, os Kamayurá, como já aconteceu, apoiam o governo Bolsonaro tem uns Minako, que também é da Terra Indígena do Xingu, que já se posicionou contra. No ano passado, no Kuarup, no último Kuarup que teve na aldeia Minako, houve uma grande confusão.
Então assim fica complicado. Quando são várias aldeias, em várias comunidades dentro de uma terra só e como é contrária a outra, acaba gerando o conflito que aconteceu no caso desse vídeo.
Danielle: O que é o Kuarup?
Indígena: O Kuarup é um ritual que acontece um ano após a morte de uma pessoa em um ritual de despedida da pessoa, do espírito da pessoa. E aí tem a dança de apresentação dos convidados, tem a cerimônia do tronco do Kuarup, tem as lutas, que chama Huka-huka, é o que eles fazem entre as aldeias. É muito bonito o ritual
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