Segundo relatório da força-tarefa da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, a construtora Odebrecht comprou um edifício pequeno na Vila Clementino, São Paulo, em junho de 2010, e tinha planos de utilizá-lo futuramente como sede do Instituto Lula, conforme publicado no jornal O Globo.
Como demonstra o documento, a aquisição foi realizada pela DAG Construtora, de Salvador, de propriedade de Demerval Gusmão, sócio e amigo de Marcelo Odebrecht, proprietário da empreiteira. Foi a DAG que, em 2013, por solicitação da Odebrecht, providenciou um jatinho para conduzir o ex-presidente Lula a Cuba, República Dominicana e Estados Unidos. Conforme as investigações, os familiares de Lula tinha ciência das intenções de utilizar o edifício para o instituto.
Um projeto que previa a reforma do imóvel contemplava a instalação de auditório, sala para exposição e inclusive um apartamento de cobertura. O documento com os planos foi encontrado em uma pasta em nome de Marisa Letícia e apreendida pela Polícia Federal, no começo de 2016, no sítio de Atibaia (SP) que era frequentado por Lula e sua família.
Apreendidos em março último pela Lava-Jato, os documentos estão sendo analisados novamente desde o fim de junho, após a devolução pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a Curitiba dos inquéritos investigativos de pretensos benefícios não justificados, concedidos ao ex-presidente. Os documentos contidos na pasta e as tratativas para comprar o prédio estão pormenorizadas em um relatório de análise da PF.
Problemas de ordem jurídica
Apesar de o prédio ter sido de fato adquirido pela DAG, ele não se tornou o Instituto Lula, que no final foi estabelecido em imóvel do antigo Instituto Cidadania, no Ipiranga, e continua atualmente. Mas apenas porque os encarregados pela compra teriam abandonado a ideia do projeto inicial de utilização, porque constataram que o imóvel estava implicado em pendências judiciais dos donos anteriores.
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Junto com os documentos, a PF apreendeu na casa de Lula, em São Bernardo do Campo, cópias em papel de e-mails que mostram que a negociação do prédio, de 5.268 m² de área construída, foi feita por Roberto Teixeira, amigo e advogado do ex-presidente. Teixeira, que habitualmente faz a intermediação de negócios imobiliários, foi quem prestou ajuda na compra do sítio de Atibaia por Fernando Bittar e Jonas Suassuna. As mensagens eletrônicas apreendidas informam o valor pelo qual foi vendido o prédio e o valor das dívidas em aberto.
Especialistas dizem que o projeto de reforma “refere-se à reforma do imóvel da Rua Haberbeck Brandão, 178”, na Vila Clementino, e o “terreno foi objeto de negociação para atender os interesses do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Foi igualmente apreendido na casa da família Lula um contrato de opção de compra, onde aparece a venda em nome da Agência Sul Americana, dona na época, e a compra em nome de José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente. O fato ocorreu antes do imóvel ter sido vendido para a Odebrecht, com a assinatura de Teixeira no contrato. Ouvido pela PF no fim de junho, o pecuarista declarou que preferiu não tomar parte no negócio.
Planilha da Odebrecht
Apesar de a DAG ter feito os registros cartorários da aquisição do prédio com o valor de R$ 6,8 milhões, a PF considera que o preço verdadeiro foi R$ 12,3 milhões, valor que foi mencionado nos e-mails endereçados a Teixeira. O preço é avaliado como correspondente aos R$ 12,4 milhões anotados próximo da expressão “prédio (IL)”, em uma planilha anexada a um e-mail de Fernando Migliaccio, um dos executivos do departamento de propinas da Odebrecht.
Existe mais um documento, mencionado no relatório da PF, que foi encontrado no escritório de Marcelo Odebrecht, que descreve a aquisição de um terreno da ASA onde seria construído o “prédio do Instituto” e afirma que o valor foi menor do que o escriturado. O documento faz também alusão a prováveis riscos que a DAG estaria correndo devido às dívidas do imóvel.
O jornal “Valor” publicou em maio de 2016 um e-mail de 2010, apreendido pela PF, no qual há a seguinte declaração de Marcelo Odebrecht: “Preciso mandar uma atualização sobre o novo prédio para o Chefe amanhã. Qual a melhor maneira?”. O destinatário é Branislav Kontic, grande colaborador do ex-ministro Antonio Palocci.
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Em 2012, a DAG transferiu o imóvel para a Odebrecht Realizações SP 37 Empreendimentos Imobiliários. Em 2013, o edifício foi colocado à venda outra vez, neste caso para a MIX Empreendimentos, que está realizando no local um novo projeto.
Através de um comunicado, a DAG afirmou que a compra ocorreu “em razão de investimento imobiliário”. Também em comunicado, o Instituto Lula divulgou que sua sede funciona em um sobrado, aquisição do antigo Instituto Cidadania e que somente cogitou construir o imóvel ao mostrar a proposta de Memorial da Democracia, em 2012.
Em outro comunicado, Roberto Teixeira disse que prestou assessoria a “um cliente, que não é o Instituto Lula, na aquisição de um imóvel na Vila Clementino” e, em seguida, na venda de volta para a DAG. De acordo com ele, o prédio até foi oferecido ao Instituto Cidadania, mas “não houve interesse” pela compra.
“Nada como juntar partes de episódios reais com invencionices para tentar criar relações inexistentes”, comentou Teixeira, em nota.