As saídas temporárias dos presos, conhecidas como “saidinhas”, têm gerado polêmica no Brasil. Sob a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), a saída temporária é um direito dos detentos em regime semiaberto visitarem suas famílias ou participar de atividades que ajudem no retorno ao convívio social, por até sete dias em quatro vezes durante o ano.
No dia 28 de maio, o Legislativo derrubou o veto de Lula que permitia as “saidinhas”. No entanto, no mesmo dia, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que a lei não seria aplicada retroativamente, ou seja, o benefício continua para aqueles que já o usufruem.
Devido a essa decisão, nesta terça-feira (13), cerca de 35 mil criminosos de São Paulo foram liberados temporariamente. Destes, 115 detentos foram presos pela Polícia Militar de São Paulo no primeiro dia, devido a crimes como furtos, roubos ou porte de drogas.
Para compreender melhor os impactos dessa política, o jornalista Matheus Andrade conversou com Robson – nome fictício devido ao medo de perseguições judiciais – policial penal há mais de 10 anos, e um dos diversos diretores do Sindicato dos Policiais Penais de Minas Gerais (Sindppen-MG).
Vida e profissão
Robson é um policial penal que nasceu e mora em Governador Valadares, Minas Gerais, no aglomerado de bairros periféricos como Carapina, Morro do Querosene e Santa Efigênia, áreas conhecidas pela alta incidência de violência.
Filho de um policial militar e de uma técnica de enfermagem, Robson cresceu em um ambiente que valorizava a disciplina e o respeito às leis. Essa criação tradicional e a convivência direta com a realidade brutal da criminalidade em seu bairro, moldaram sua visão e atuação profissional.
“Graças a Deus, tenho a melhor família que poderia ter tido, e graças a criação que tive, principalmente uma criação bastante tradicional, mesmo morando e convivendo com toda violência do meu bairro hoje me fiz e faço não somente policial mas também um cidadão que respeita a sociedade e temente a Deus” disse ele.
Robson descreve sua cidade e seus bairros como alguns dos mais violentos do Brasil, com altos índices de homicídios, especialmente entre jovens. Governador Valadares já esteve entre as cinco cidades mais violentas de Minas Gerais, com o bairro de Robson sendo um dos principais contribuidores para esses índices.
Ele observa que a presença policial é essencial para manter a ordem, afirmando que “quando a polícia está presente, a bandidagem não ‘mete a cara'”. No entanto, ele também destaca as dificuldades enfrentadas pela polícia devido à falta de recursos, reconhecimento e apoio institucional.
O ambiente de trabalho e a realidade da violência
Robson detalha que, mesmo vindo de uma família policial, ele não foi blindado contra a realidade da violência em sua comunidade. Quando questionado sobre a presença da polícia na comunidade que morava, ele disse que “sempre a via como meus defensores, não somente por meu pai mas pela realidade que vivia e vivo até hoje”.
Robson ressalta que a polícia conhece bem a comunidade e os criminosos, e sua presença atua como um dissuasor para atividades ilegais.
Ele afirma que pela sua experiência, “só não gosta da polícia quem de alguma forma se beneficia do crime, ou no uso das drogas, ou venda, ou qualquer outro tipo de ilícito”
No entanto, ele aponta que a polícia muitas vezes é impedida de agir devido a limitações legais e falta de apoio político e social.
Desafios na aplicação das leis
Um dos maiores desafios apontados por Robson é a benevolência do sistema judiciário e a visão romântica do crime pela sociedade brasileira. Ele critica a estrutura legal do país que, segundo ele, fomenta a reincidência criminal.
O policial penal argumenta que o crime é incentivado pelas brechas nas leis e pela percepção de que o crime compensa, dado o alto índice de reincidência criminal no Brasil.
Robson destaca que o Brasil possui leis que, em vez de punir, acabam por proteger os criminosos. Ele vê isso como um dos principais fatores que contribuem para a alta taxa de criminalidade.
Essa percepção de impunidade não apenas prejudica o trabalho policial, mas também mina a confiança da sociedade nas instituições de justiça. “Estamos institucionalizando o crime” afirmou.
De acordo com ele, por mais que as polícias enfrentem dificuldades devido a falta de efetivo, infraestrutura, investimento, formação e reconhecimento, elas permanecem cumprindo seu trabalho com afinco. “O termo a polícia prende e a justiça solta foi a própria sociedade que criou e com toda razão” continuou ele, “nos dias de hoje razão maior ainda, com a política de desencarceramento e benefícios aos montes que damos a criminosos neste país, felizmente temos dos melhores policiais do mundo”
A questão das “saidinhas”
Entre os métodos ineficientes para segurança mas benéficos para o crime estão as saídas temporárias, as “saidinhas”. Esse benefício é visto por ele e muitos de seus colegas como um grande erro do sistema penal brasileiro.
Ele relata que essas saídas representam não apenas um risco para a sociedade, mas também um desrespeito ao trabalho da polícia.
Segundo Robson, os criminosos frequentemente utilizam essas permissões para cometer novos crimes, muitas vezes retornando ao ambiente do qual foram retirados para ressocialização.
“Vemos que não somente nosso executivo nacional mas… que nossa Suprema Corte também é contra [o fim das saídas temporárias]. Ou seja, vemos que precisamos não somente de mudanças drásticas das nossas leis mas também da visão do nosso judiciário, pois é só ir a qualquer canto da sociedade e veremos que não somente o fim da saída temporária mais também outros benefícios e regalias já deveriam ter acabado para presos”, enfatizou.
Críticas a interferências realizadas nas leis penais
Robson defende que o fim das saídas temporárias é uma medida necessária e tardia. Ele aponta que a política de desencarceramento e os benefícios dados aos criminosos são prejudiciais à sociedade. A presença de criminosos reincidentes nas ruas durante as saídas temporárias coloca em risco não apenas a população em geral, mas também os próprios policiais, que frequentemente residem nos mesmos bairros periféricos que os criminosos.
Ele destaca que os policiais, em sua maioria, vêm de áreas periféricas e compartilham das mesmas dificuldades enfrentadas pela população dessas regiões. Isso significa que, quando criminosos são liberados temporariamente, a ameaça é real e próxima. A vulnerabilidade dos policiais é exacerbada pela falta de recursos e apoio, tornando a profissão ainda mais perigosa.
Robson, que se sentiu obrigado a usar um codinome por receio, ainda criticou aquilo que chamou de “tempos tenebrosos e sombrios na justiça brasileira”.
“Na verdade até pra falar hoje tá difícil demais, pois o errado está certo nesse país e o certo errado, e pra piorar temos poucas pessoas com poderes extraterrenos aqui no país, passando não só por cima da constituição mas também dá vontade popular e falar a verdade e fazer o certo nesse país torna-se crime, ou seja se não vivemos uma lei da mordaça, já estamos a um fio de cabelo dela infelizmente não se existe mais isso, pois vemos diuturnamente um poder ser quase místico, um verdadeiro poder dos ‘deuses’ e na grande maioria das suas decisões contrárias a própria constituição” disse o policial.
Necessidade de reformas legislativas
Para ele, a solução passa por uma reforma profunda nas leis penais. Ele defende a criação de leis mais rígidas que realmente punam os crimes, sem as progressões penais que, na sua visão, são excessivas. Segundo ele, a sensação de impunidade estimula os criminosos a reincidirem, uma vez que não veem suas ações devidamente punidas.
“Bandido contumaz não é uma criança a ser reeducada, ele precisa sentir que seu crime é pesado e será punido como tal, e não [é] o que temos hoje”, afirma Robson.
O policial argumenta que o sistema penal precisa ser reformulado para tratar os criminosos contumazes com a severidade necessária. Ele acredita que a falta de punições adequadas incentiva o crime e coloca a sociedade em risco. A introdução de penas mais severas e a eliminação de benefícios como as saídas temporárias são, em sua opinião, passos essenciais para melhorar a segurança pública no Brasil.
Impacto das saídas temporárias na sociedade
Robson aponta que, em seu próprio bairro, a presença de criminosos beneficiados por saídas temporárias é uma fonte constante de preocupação. Famílias vivem com medo de que seus filhos sejam aliciados pelo crime ou se tornem vítimas de violência. Essa realidade cria um ambiente de tensão e desesperança, onde a lei parece estar do lado errado.
Impacto profissional
A vida de um policial penal é marcada por um constante estado de alerta. Robson menciona que, além do risco físico, há um desgaste psicológico significativo. A ameaça constante de violência e a falta de apoio adequado afetam não apenas a vida profissional, mas também a pessoal.
Contudo, Robson afirma que a polícia e a educação que teve foram as ferramentas certas para a emancipação de jovens, que assim como ele, um dia estavam e ainda estão com seus bens mais preciosos em risco: sua própria vida.
“Diuturnamente saio de casa e vou mexer com a escória da sociedade, ou seja tudo o que a sociedade banaliza, tem medo e muita das vezes nojo, a sociedade sabe que existe mas quer fingir que [não] existe pois é uma das piores coisas que temos, e mesmo assim não temos reconhecimento, e várias e várias vezes somos ameaçados, e pior, a grande maioria dos policiais moram em bairros periféricos, o que leva um dia ou outro esses mesmos bandidos que estavam presos, quando soltos ou usufruindo de benefícios são encontrados nos mesmos bairros onde residem os polícias, pois nossos salários não nos dão condições de morarmos em outros bairros, diferentes dos quais nascemos. Vocês nunca vão ver um policial filho de médico, político, empresário, juiz, doutor ou artista; policiais vem da periferia, estudam em escolas públicas, são filhos ou de policiais, ou de trabalhadores de classe baixa, que a duras custas criam seus filhos que por não serem ricos têm somente no seu esforço e estudo condições de emancipação” afirmou Robson.
Saída temporária é solução?
O relatório “Reincidência Criminal no Brasil – 2022”, divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em parceria com o Grupo de Avaliação de Políticas Públicas e Econômicas da Universidade Federal de Pernambuco (GAPPE/UFPE), revela dados alarmantes sobre a reincidência criminal no país. A pesquisa abrange o período de 2010 a 2021.
A taxa de reincidência penitenciária considera o retorno ao sistema prisional após progressão de pena, decisão judicial ou fuga. Nesta definição, a taxa nacional de reincidência dentro de cinco anos é de 33,5%, mais que 1 em cada 4 presos, sendo que 21,2% dos reincidentes retornam ao sistema no primeiro ano após a libertação.
Outro indicador relevante é a reincidência genérica, que abrange indivíduos que possuem mais de um processo criminal registrado no sistema judiciário. Este indicador, que cruza dados penitenciários com processos judiciais, revela que 42,5% dos internos reincidem em até cinco anos após a primeira libertação .
Os crimes mais comuns entre os reincidentes incluem tráfico de drogas (17%), roubo (17%) e furto (16%). A análise dos crimes subsequentes mostra que indivíduos inicialmente condenados por tráfico de drogas tendem a reincidir em crimes semelhantes, enquanto aqueles condenados por roubo frequentemente retornam ao sistema por furto ou roubo.