Por Emmanuele Khouri
Há quem diga que apenas em anos recentes o Brasil possui movimentos que corrompem os valores tradicionais. Porém a libertinagem, o compartilhamento de bens e propriedades e a destruição da família, eram ideias que já habitavam solo nacional no final do século XIX.
Com o exilamento de Dom Pedro II em 1889, e a chegada da república, em um cenário global cada vez mais permeado por revoltas sindicais trabalhistas e ideias revolucionárias, criou-se um solo fertil para florescer um movimento que desembarcou no Brasil junto de imigrantes espanhóis e italianos: o Anarquismo.
De viés libertário e natureza revolucionária, a ideologia contesta qualquer tipo de autoridade imposta, e clama que só é possível alçar a utópica sociedade igualitária através da completa destruição de toda forma de hierarquia, até mesmo a divina.
Embora o Anarquismo possua raízes no Marxismo, ambas são ideologias diferentes. Ao contrário do socialismo, que defende a ideia de um Estado governado por certa classe, ilustrando a “ditadura do proletariado”, para o cumprimento de seus objetivos, o anarquismo defende que as decisões devem ser tomadas todas em conjunto, de forma comunitária.
A Colônia Cecília, primeiro experimento anarquista no Brasil e o maior na América Látina, colocou em prova esses ideais libertários, propondo uma vida em comunidade onde, “amor-livre” e “compartilhamento de bens” eram tópicos prioritários. O experimento aconteceu na cidade de Palmeira, no Paraná, e se desintegrou após quatro anos de existência por problemas internos incluindo, roubos, falta de mão de obra e desavenças contínuas, entre outros. Mas viveu o bastante para explicitar a sua natureza que deixaria qualquer conservador espantado por seu contraste com o tradicional.
Para registro mais claro,Giovanni Rossi, fundador da colônia Cecília, deixa em uma carta o seu profundo descontentamento com a estrutura familiar. “Eu estou de tal forma convencido que a família é o maior foco de imoralidade, de maldade, de burrice, que, se me fosse dada a possibilidade de destruir, por escolha minha, um dos grandes flagelos humanos: a religião ou os gafanhotos, a propriedade privada ou a cólera, a guerra ou os mosquitos, o governo ou o granizo, os parlamentos ou as feridas, a pátria ou a malária, sem hesitar, eu escolheria destruir a família”.
O movimento não se limitou apenas à experimentação da colônia e penetrou importantes setores da sociedade, como a cultura e a educação. A exemplo de José Oiticica, que além de conhecido anarquista, foi também professor, dramaturgo e poeta, tendo seu trabalho citado até hoje em teses que defendem uma educação Anarquista.
Presença marcante da literatura brasileira e anarquista, Zélia Gattai cresceu ouvindo histórias de seu avô, ex membro da Colônia Cecília, e desenvolveu forte afeição à ideologia, que mais tarde serviria como alicerce para várias de suas obras. O paralelo a ser feito quanto a onde a ideologia se alinha é seu casamento com Jorge Amado, ativista socialista.
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