Matéria traduzida e adaptada do inglês, originalmente publicada pela matriz americana do Epoch Times.
As reclamações sobre o confuso sistema tributário do Brasil já se estendem por décadas e por várias administrações.
As últimas reformas foram passadas em dezembro de 2023, após quase cinco anos de debate. Eles incluem um imposto sobre valor agregado (IVA) de até 27,5%, que colocará o Brasil ao lado Hungria e a Suécia como países com as taxas de imposto sobre o consumo mais elevadas do mundo.
Os Estados Unidos não têm IVA, mas os estados têm um imposto sobre vendas e uso que varia entre 0 e 9,5%.
O IVA do Brasil começará a ser implantado em 2026 e prevê-se que entre em vigor num período de sete anos.
A medida suscitou reações diversas por parte dos brasileiros, incluindo críticas de que um IVA elevado representaria um duro golpe para as pessoas com baixos rendimentos no país. Taxas normais de IVA de cerca de 20% não são incomuns nos países europeus, mas essas nações não têm o mesmo nível de pobreza que o Brasil.
Desde que o presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o cargo em janeiro de 2023, seu governo tem lutado para enfrentar a inflação e os alto índice de desemprego, enquanto a taxa de pobreza permanece próxima dos 30%.
Entre os críticos da nova reforma tributária está o senador brasileiro Rogério Marinho, que disse: “Vamos oferecer ao Brasil o imposto sobre valor agregado mais alto do mundo.”
A atual proposta do Brasil visa consolidar cinco diferentes tributos sobre consumo em um único IVA para “promover maior eficiência e isonomia setorial”, segundo o Policy Center for the New South.
Apoiadores da reforma sustentam que o IVA não impactará diretamente os contribuintes brasileiros, mas especialistas argumentam que aqueles em dificuldades financeiras serão afetados de qualquer maneira. “É claro que o Brasil perdeu uma grande oportunidade de reduzir seu percentual de arrecadação sobre a atividade produtiva, o que [vai] causar várias consequências econômicas negativas”, disse Paulo Ricardo Alecrim ao The Epoch Times.
O Sr. Alecrim, advogado tributarista brasileiro e sócio do escritório Alecrim & Costa Advogados, afirma que alguns dos efeitos adversos da reforma atual incluem aumento dos preços ao consumidor, efeito inibidor sobre o consumo, perda de competitividade internacional e impacto desproporcional sobre os economicamente vulneráveis. “Consumidores de baixa renda são mais afetados por um IVA alto, pois gastam uma proporção maior de sua renda em bens e serviços sujeitos ao imposto”, afirmou ele.
Impacto na pobreza
Alecrim está longe de estar sozinho nas suas preocupações sobre os efeitos do IVA sobre aqueles que estão em dificuldades financeiras. A principal economista do Banco Mundial para o Brasil, Shireen Mahdi, também destacou este ponto.
Ela observou que embora o IVA tenha o potencial de mudar o sistema tributário brasileiro para melhor, o resultado pode diminuir o poder de compra das famílias.
Além disso, ela afirma que a redução da taxa normal de IVA na educação e nos cuidados de saúde poderia não gerar redução alguma nos impostos indiretos a nível individual. Ambos os setores compreendem uma parcela considerável do consumo das famílias de baixa renda.
Em meio a um crescimento lento da economia em 2024, o custo de bens de primeira necessidade, como os alimentos, também ficou mais caro.
Entre 2007 e 2023, o Índice de Preços de Alimentos e Bebidas do Brasil aumentou 216%, de acordo com o Instituto Fome Zero. Isto superou em muito a taxa de crescimento do Índice Amplo de Preços ao Consumidor de 132% no mesmo período.
Até agora neste ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo do Brasil registrou uma alta de 3,59% em alimentos e bebidas, um aumento de 3,1% em itens de saúde e cuidados pessoais e um aumento de 5,5% nos custos de educação.
Os potenciais impactos indiretos do IVA também pesam fortemente sobre alguns brasileiros.
Juliana Santos trabalha como professora de ensino médio na cidade de Rio Branco, no oeste do país. Ela se preocupa com o impacto que a nova alíquota do IVA terá sobre o setor educacional, que já enfrenta dificuldades.
“Eles agem como se essas mudanças não afetassem a maioria das pessoas porque não é um imposto sobre a renda”, disse ela ao The Epoch Times. “A educação já vem com despesas que muitos brasileiros têm dificuldade em pagar. Transporte, itens para a aula e mais. Se as famílias pagarem mais em outras áreas, enviar os filhos para a escola se tornará mais difícil.”
Atualmente, mais de 21 milhões de famílias usam programas de assistência social do governo chamado Bolsa Família. Iniciado em 2003 pelo Presidente Lula durante o seu primeiro mandato, o programa oferece dinheiro a famílias selecionadas de baixos rendimentos que estejam dispostas a enviar os seus filhos para a escola e a receber vacinas. O pagamento médio mensal por família é de R$686 ($127 USD).
As escolas públicas no Brasil são gratuitas, mas as reclamações de subfinanciamento e falta de qualidade na educação são generalizadas. A evidência disso pode ser vista nas baixas taxas de conclusão dos alunos das escolas públicas. Números oficiais de um relatório de 2020 observou que mais da metade dos adultos brasileiros com 25 anos ou mais nunca concluiu o ensino médio. Essa tendência é especialmente prevalente no Nordeste, onde três em cada cinco adultos nunca concluíram o ensino médio.
A mesma análise também mostrou que a transição do ensino primário para o secundário é onde as taxas de abandono aumentam, com a percentagem de jovens que abandonam a escola quase duplicando aos 15 anos de idade.
O Child Fund Brasil ressalta esse ponto, observando que o problema é pior para as populações rurais. “Muitas vezes por falta de estrutura ou de políticas públicas, até chegar à escola pode ser um problema”, afirma a organização em seu site.
“Esta não é a primeira vez que o governo tenta mudar os impostos do Brasil. O resultado final é sempre o mesmo”, disse Santos – “nunca parece ajudar os pobres”.
Um relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas também abordou a ineficácia das tentativas brasileiras anteriores de implementar um IVA.
“Desde a redemocratização, diversas reformas passaram pelo Congresso Nacional pedindo um sistema moderno de imposto sobre valor agregado (IVA) para substituir impostos desatualizados e ineficientes”, afirma o relatório.
“No entanto, nenhum teve sucesso político, seja por causa de conflitos dentro do governo federal sobre a redistribuição de receitas ou por causa da oposição de grupos de interesse sociais e do Congresso.”
Desafios de isenção
Alecrim disse que os prestadores de serviços serão os mais afetados pela reforma do IVA. Atualmente, as empresas pagam uma taxa máxima de imposto de 5%.
“Esse tipo de empresa normalmente tem despesas que não dependem necessariamente de uma cadeia produtiva, onde se pode obter desconto através da dedução do imposto já pago em etapas anteriores, uma vez que o IVA brasileiro será não cumulativo”, disse.
Além disso, Alecrim observou que embora haja preocupação com o aumento da carga fiscal sobre o consumo, o IVA consolidado tem um limite máximo incorporado.
“O texto da reforma tributária prevê uma trava para a arrecadação de impostos sobre o consumo, ou seja, um limite que não pode ser ultrapassado”, disse. “Assim, o novo IVA brasileiro não pode ter carga tributária superior à existente atualmente.”
Isso significa que o IVA não pode ser superior ao total existente de impostos consolidados.
Mas isso também não garante uma carga fiscal menor. Geralmente, taxas elevadas de IVA podem ser prejudiciais para atividades empresariais novas e marginais, criar complexidades administrativas, impulsionar a inflação e minar os incentivos à exportação, de acordo com uma análise conduzida pela Tax Foundation, com sede nos EUA.
No entanto, se geridos corretamente, alguns dos benefícios alegados de um IVA incluem incentivos para as empresas controlarem os custos e fornecerem uma base de receitas estável.
Embora a utilização de um IVA para criar uma base de receitas estável possa ser contraintuitiva, uma vez que as evidências mostram que IVAs elevados incentivaram a evasão fiscal em países que também lutam contra a desigualdade de rendimentos, como Marrocos.
Um relatório observou que 80% do IVA de Marrocos é pago por apenas 1,6% das empresas devido à evasão fiscal, enquanto apenas 46% das empresas apresentam uma declaração de imposto sobre as sociedades. Dentro deste grupo, 33% demonstram lucros tributáveis.
Analistas antecipam desafios semelhantes no Brasil.
“É necessário um grande esforço para combater os interesses privados e os lobbies prejudiciais que procuram reivindicar isenção da taxa principal de IVA”, afirmou o Centro de Políticas para o Novo Sul, com sede em Marrocos.
“Isso inclui inibir novas mudanças na já extensa lista de setores que recebem tratamento preferencial.”
Alecrim disse que as indústrias que esperam evitar o novo IVA através da isenção podem ser um desafio para o Brasil. “Em regra, será vedada a concessão de benefícios fiscais [ou] subsídios. No entanto, alguns setores e produtos terão tratamento tributário diferenciado.”
Ele disse que haverá isenções de IVA para bens e serviços como dispositivos médicos, medicamentos, alguns produtos alimentares, automóveis adquiridos por pessoas com deficiência qualificada e condutores profissionais.
“Também serão preservados os incentivos fiscais na Zona Franca de Manaus, que será a única região do país autorizada a ter subsídios fiscais, financeiros e econômicos”, disse.
Manter os incentivos fiscais através das Áreas de Livre Comércio estabelecidas pelo governo é crucial para Manaus, que é um importante polo industrial e o principal fornecedor de empregos do estado devido ao isolamento subdesenvolvido do Amazonas.
Legisladores brasileiros agora estão de olho em reformas adicionais no imposto de renda pessoal e nos impostos corporativos. “Questões como a revogação da isenção do imposto de renda sobre os dividendos pagos aos acionistas já estão sendo discutidas no Congresso Nacional”, disse o Sr. Alecrim.