Por Bruna de Pieri, Terça Livre
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos orientou os conselhos tutelares de todo o Brasil a não considerarem “evasão escolar” os casos de crianças e adolescentes que não estejam matriculadas em escolas, mas que são educadas em casa, no modelo de homeschooling.
O ofício que orientava os conselhos foi enviado no fim de maio, um mês depois de o governo ter encaminhado Projeto de Lei sobre o tema para o Congresso Nacional, para que o ensino domiciliar pudesse ser regulamentado.
Ontem (11) o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o ofício fosse imediatamente suspenso, por entender que a ordem pode não ser compatível com a constituição, uma vez que atribui efeitos jurídicos a um Projeto de Lei que ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional e cuja aprovação é algo futuro e incerto, que depende de amplo debate.
“O órgão do Ministério Público Federal esclarece que a medida contraria decisão já proferida pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema, além de violar frontalmente o que estabelece a legislação nacional e internacional, visto que estão em plena vigência as normas do ordenamento jurídico que definem a obrigação dos responsáveis legais de zelar pelo bem-estar do educando”, diz a determinação.
Na recomendação encaminhada à ministra Damares Alves, titular do Ministério, a Procuradoria aponta que família, sociedade, organizações culturais e outras são todas cooperadoras no desenvolvimento de uma educação visando à plena cidadania, mas que a escola é agência indispensável, na conjugação dos deveres da família e do Estado.
Ainda de acordo com o documento, ao determinar que o ensino fundamental é presencial, na escola, e que nele se exige um mínimo de 75% de frequência, a legislação brasileira enfatizou a importância da troca de experiências, do exercício da tolerância recíproca, não sob o controle dos pais, mas no convívio das salas de aula, dos corredores escolares, dos espaços de recreio, nas excursões em grupo fora da escola, na organização de atividades esportivas, literárias ou de sociabilidade, que demandam mais que os irmãos apenas – de modo a reproduzir a sociedade, onde a cidadania será exercida.
“É sob essa perspectiva que, em 2018, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) publicou enunciado e também nota técnica nos quais orienta o não reconhecimento do ensino domiciliar, ministrado pela família, como meio adequado para o cumprimento do dever de educação assegurado na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A compreensão também está presente em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 888.815, na qual afirmou que: “a Constituição Federal não veda de forma absoluta o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e adolescentes. São inconstitucionais, portanto, as espécies de unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado (desescolarização moderada) e homeschooling puro, em qualquer de suas variações”, conclui a recomendação.