Por Congresso Em Foco
O ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, admitiu ter recebido pressão de políticos – e, por isso, ter se “sensibilizado” com a demanda – e anunciou a separação, nesta terça-feira (19), da tipificação do crime de caixa dois do texto principal de seu pacote anticrime apresentado em 4 de fevereiro e entregue ao Congresso hoje. Moro, que classificou nos Estados Unidos, em 2017, a prática eleitoral como pior do que a corrupção (leia mais abaixo), agora diz que o crime não tem a mesma gravidade.
“Inicialmente, iríamos apresentar um único projeto. Vieram reclamações. Alguns políticos se sentiram incomodados de isso [crime de caixa dois] ser tratado junto com corrupção e crime organizado. Fomos sensíveis [à pressão]. Colocamos separado, mas será apresentado junto [com o conjunto do pacote]. O governo está atendendo reclamações que são razoáveis”, declarou o ex-juiz da Operação Lava Jato.
Como já havia se tornado público, Moro se encontrou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para entregar pessoalmente a proposição. Entre os deputados governistas, a ordem é impedir que as discussões sobre o projeto anticrime, principal ação da gestão Moro, atrapalhe o andamento da reforma da Previdência, prioridade máxima do governo Jair Bolsonaro.
Outra fonte de preocupação do governo é a crise culminada com a demissão, anunciada nesta segunda-feira (18), do agora ex-ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Previdência), coordenador da campanha de Bolsonaro e até ontem um dos homens fortes da nova gestão. Questionado sobre o assunto que levou à queda de Bebianno – candidaturas laranjas do PSL, partido do presidente, na eleição de 2018 –, Moro disse que não se envolveria em casos concretos e reafirmou que a Polícia Federal vai trabalhar com autonomia nas investigações.
“Existem apurações preliminares. Seria prematuro de minha parte fazer juízo de valor a respeito”, desconversou Moro, em entrevista concedida no Palácio do Planalto.
Depois do encontro com Maia, Moro foi novamente questionado pela imprensa, agora na Câmara, sobre a primeira grande crise envolvendo o núcleo do governo. Mas Moro manteve não só a estratégia do silêncio como a da negação do óbvio. Ele disse que não há crise em curso no Palácio do Planalto, embora os reflexos da exoneração de Bebianno ainda estejam em curso no Congresso – já há convocação do ex-ministro a caminho, por exemplo, para esclarecimentos a parlamentares.
“No mundo real não existe crise nenhuma”, afirmou.
Dois discursos
Em abril de 2017, durante palestra para estudantes brasileiros na Universidade de Harvard (EUA), o então juiz federal Moro disse que as práticas corruptas voltadas para o financiamento de campanhas eleitorais são ainda piores do que o desvio de recursos públicos ou privados para enriquecimento ilícito.
“Caixa dois nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível”, discursou o ministro, com a ressalva de que não falava de campanhas específicas.
Naquela ocasião, Moro declarou ainda justamente o que agora relativiza: que a tipificação inadequada do caixa dois impede aplicação de penas mais rigorosas, alimentando a impunidade. Mas, mesmo na Universidade de Harvard, ele já defendia punição para caixa dois mais branda do que as que são aplicadas aos crimes de corrupção
“Na Lava Jato conseguimos ter as provas da corrupção nos casos de enriquecimento ilícito dos ex-diretores da Petrobras que já foram condenados, mas muitas vezes a condenação não ocorre por falta de provas”, acrescentou o ex-juiz, então favorável à dosimetria defendida pelo Ministério Público Federal para os crimes de caixa dois, de dois a cinco anos de reclusão.