O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou no final de semana sobre o Tribunal Penal Internacional (TPI) que “nem sabia da existência desse Tribunal”. A fala veio em entrevista coletiva após Lula dizer ao canal indiano Firstpost que não permitiria a prisão do presidente russo, Vladimir Putin, se ele visitasse o Brasil. O petista esteve na Índia para a Cúpula do G20, ocorrida no final de semana.
Lula disse ao Firstpost: “Eu posso lhe dizer que sou o presidente do Brasil. Se ele vier para o Brasil, não há por que ele ser preso”.
Putin foi indiciado pelo TPI por crimes de guerra, uma das quatro infrações que essa corte investiga e julga internacionalmente. A lista inclui também crimes de agressão, crimes contra a humanidade e genocídio. Os 123 países que aderem ao Tribunal têm a responsabilidade de prender o líder russo ao encontrá-lo em seus territórios — motivo pelo qual Putin não compareceu à XV Cúpula dos BRICS na África do Sul, em agosto.
A acusação que fundamenta a emissão do mandato de prisão pontua: “Vladimir Vladimirovich Putin, nascido em 7 de outubro de 1952, presidente da Federação Russa, é supostamente responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de população (menores) e transferência ilegal de população (menores) das áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia”.
Em coletiva na segunda-feira, em Nova Delhi, a questão de Putin ressurgiu — e dessa vez Lula afirmou que a decisão ficaria com o judiciário brasileiro, não com seu governo. Ele também falou que revisará a posição do Brasil em relação ao TPI.
“O papel do Tribunal Penal Internacional tem de ser revisto (…) Quero muito estudar essa questão desse Tribunal Penal [Internacional], porque os Estados Unidos não são signatários dele, a Rússia não é signatária dele. Então, eu quero saber por que o Brasil é signatário de um tribunal que os EUA não aceitam. Por que somos inferiores e temos de aceitar uma coisa?” declarou Lula.
“Eu nem sei se a França é signatário. Não sei. Sabe… Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU, não são signitário (sic), só os bagrinho (sic)”, acrescentou o presidente brasileiro.
Assista à fala:
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A França e o Reino Unido, dois membros do Conselho de Segurança da ONU, aderem ao TPI. Junto deles e os mais de 100 outros signatários estão Japão, Alemanha, Espanha, Itália, Canadá e Austrália.
Lula referencia TPI desde 2002
Apesar de ter dito “não saber da existência desse Tribunal”, o presidente referenciou repetidamente o TPI desde seu primeiro discurso como presidente eleito em 2002.
Uma retrospectiva inclui:
Em 2002, Lula proferiu em seu discurso de posse: “Nosso governo respeitará e procurará fortalecer os organismos internacionais, em particular a ONU e os acordos internacionais relevantes, como o protocolo de Kyoto, e o Tribunal Penal Internacional, bem como os acordos de não proliferação de armas nucleares e químicas. Estimularemos a idéia de uma globalização solidária e humanista, na qual os povos dos países pobres possam reverter essa estrutura internacional injusta e excludente.”.
Em 2003, o chanceler do governo Lula, Celso Amorim, conseguiu eleger Sylvia Steiner como juíza da corte.
Em 2018, o então advogado de Lula e atual ministro do STF, Cristiano Zanin, elaborou a estratégia de levar o caso para o Tribunal Penal Internacional, no que na época era considerada a última alternativa e mais desafiadora para libertar Lula da prisão.
Em uma entrevista ao jornal francês Libération, em 2021, Lula disse que Bolsonaro deveria ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional e chamou o atual ex-presidente de “genocida”.
E nas mais recentes referências ao TPI, em abril deste ano durante visita à Espanha, Lula novamente afirmou que Bolsonaro deveria ser julgado por seu gerenciamento da pandemia: “Um dia esse homem vai ter que ser julgado num tribunal internacional pela chacina que aconteceu no nosso país”, disse o presidente em declaração ao lado do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez.
A Human Rights Watch enviou uma carta endereçada diretamente ao presidente, em 28 de agosto, intitulada “Carta ao presidente Lula sobre Candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU”, na qual em uma das 14 recomendações da Organização solicitadas ao Brasil é requerido:
“Assuma um posicionamento inequívoco contra ameaças ou ataques ao Tribunal Penal Internacional (TPI), aos seus servidores e indivíduos que com ele cooperam.”
Na parte da carta intitulada “JUSTIÇA INTERNACIONAL” a ONG ressalta:
“Como membro do Tribunal Penal Internacional (TPI), o Brasil pode aumentar sua liderança em relação à justiça promovendo contínuo apoio político e prático ao tribunal. Um ponto essencial é garantir que o tribunal tenha recursos financeiros adequados para exercer o seu mandato em todas as situações, evitando abordagens excessivamente seletivas que podem reforçar uma prática de critérios desiguais no acesso das vítimas à justiça. O Brasil deveria cooperar nas investigações do tribunal e deveria usar todas as oportunidades multilaterais e bilaterais disponíveis para pedir a outros governos que cooperem com o tribunal. No que diz respeito aos países citados nesta carta, isso inclui as investigações cruciais do TPI na Palestina, Ucrânia e Venezuela.”
Resposta do TPI sobre as declarações de Lula
Conforme noticiado pelo Metrópoles, o porta-voz do TPI, Fadi Elabdallah, respondeu ao pedido de comentário do portal de notícias ressaltando que não comentará sobre as críticas do presidente Lula ao órgão, contudo, enalteceu a obrigação do Brasil de cooperar com as medidas do Tribunal Internacional, justamente por ser um dos países signatários do Estatuto de Roma.
Desde 2002, o Brasil é signatário do Estatuto, por força do Decreto n; 4.388, que tem força de lei no Brasil e obrigatoriamente deve ser seguido pelas autoridades nacionais.