O Itamaraty está sob influência chinesa?

Governo brasileiro parece andar pisando em ovos para não irritar o regime chinês

12/03/2018 14:56 Atualizado: 13/03/2018 10:14

Por Matheus Ferreira Lima, Epoch Times

O Ministério das Relações Exteriores (MRE) tem se esquivado de responder ao questionamento feito pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), quanto à repressão ao Falun Gong na China.

Através do Ofício 282/2017-P, encaminhado ao final de maio de 2017, o presidente da CDHM, deputado Paulão (PT/AL), questionou se o Itamaraty já havia estudado e/ou se manifestado formalmente quanto ao assunto. A CDHM remeteu o ofício ao MRE, após praticantes do Falun Gong solicitarem que a comissão enviasse um requerimento de informação ao órgão de relações exteriores.

O objetivo de obter uma resposta do Itamaraty é subsidiar o trâmite legislativo do PL 4.919/2016, apresentado pelo deputado Diego Garcia (PHS/RS). A comissão atendeu à solicitação dos praticantes, depois que o gabinete da deputada Luiza Erundina (PSOL/SP) deu seu apoio à demanda.

O projeto de lei busca seguir o exemplo de países que erigiram barreiras ao turismo de transplante de órgãos (pessoas que viajam a países onde é mais fácil conseguir uma cirurgia, muitas vezes por vias ilícitas). Israel, em 2008, Espanha, em 2009, Itália e Taiwan, em 2015, já aprovaram leis nesse sentido. Além do Brasil, o Japão, Canadá, e França se esforçam para aprovar leis semelhantes.

Nesse requerimento, seria solicitado ao Itamaraty que se manifestasse sobre o Relatório Kilgour-Matas, na sua versão mais recente, publicada em 23 de junho de 2016. De acordo com o relatório, o regime chinês se utiliza de sua dissidência política, principalmente de praticantes do Falun Gong, para abastecer o seu sistema de transplante de órgãos. Segundo o estudo, é a extração forçada de órgãos que permite que o tempo de espera por uma cirurgia de transplante seja tão curto na China.

EUA, Trump, ordem executiva, direitos humanos, corrupção - O ex-parlamentar canadense David Kilgour (erq.) e o advogado internacional de direitos humanos David Matas testemunharam sobre sua investigação de sete anos sobre a extração forçada de órgãos na China ao Subcomitê de Direitos Humanos do Parlamento do Canadá em 5 de fevereiro de 2013 (Matthew Little/The Epoch Times)
O ex-parlamentar canadense David Kilgour (erq.) e o advogado internacional de direitos humanos David Matas testemunharam sobre sua investigação de sete anos sobre a extração forçada de órgãos na China ao Subcomitê de Direitos Humanos do Parlamento do Canadá em 5 de fevereiro de 2013 (Matthew Little/The Epoch Times)

A pesquisa, feita em conjunto pelo parlamentar canadense aposentado David Kilgour, o conselheiro jurídico sênior da B’nai Brith no Canadá, David Matas, e o jornalista investigativo Ethan Gutmann, conclui que centenas de milhares de chineses já foram mortos para abastecer essa indústria.

A investigação foi feita analisando-se reportagens, publicações acadêmicas, websites de hospitais e arquivos digitais. Estudou-se o número de operações de transplante, a quantidade de leitos nos hospitais, o treinamento das equipes médicas, as diretrizes políticas e de financiamento público.

Caminho percorrido

Ao final de maio de 2017, como mencionado, a CDHM encaminhou ao MRE o Ofício 282/2017-P. O documento partiu do e-mail da comissão para o e-mail do Ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (PSDB/SP).

No gabinete do ministro, a questão ficou sob os cuidados do Vice-Chefe de Gabinete, diplomata Manuel Montenegro. Ele, por sua vez, encaminhou o ofício para ser analisado pela Subsecretaria-Geral de Ásia e do Pacífico. Na Subsecretaria, a questão ficou a cargo do diplomata Carlos Augusto.

No início de junho de 2017, um praticante do Falun Gong entrou em contato com a Subsecretaria, para conhecer o andamento do ofício, sendo informado que o processo agora estava em sigilo, e, por isso, não poderiam fornecer maiores detalhes.

Centenas de praticantes do Falun Gong realizam vigília à luz de velas em homenagem às vítimas da perseguição na China, em frente ao consulado chinês na cidade de Nova York, em 16 de julho de 2017 (Benjamin Chasteen/Epoch Times)
Centenas de praticantes do Falun Gong realizam vigília à luz de velas em homenagem às vítimas da perseguição na China, em frente ao consulado chinês na cidade de Nova York, em 16 de julho de 2017 (Benjamin Chasteen/Epoch Times)

Disseram também que a questão já havia sido analisada pela seção, tendo o ofício retornado para o gabinete do diplomata Manuel Montenegro. No entanto, uma semana após essa informação, o ofício ainda não havia retornado para o setor de origem.

Em novembro de 2017, a pedido de praticantes do Falun Gong, servidores da CDHM entraram em contato com o Itamaraty para descobrir o paradeiro do documento. O MRE não soube dizer o que havia ocorrido: não sabiam em qual setor o Ofício 282/2017-P estava, nem o porquê da demora de uma resposta ao solicitado pela Câmara dos Deputados.

O MRE solicitou que a CDHM enviasse novamente o ofício e que, dessa vez, a comissão teria uma resposta. No entanto, segundo servidores da Câmara, até hoje o Itamaraty não se manifestou.

Pressão chinesa?

A primeira coisa que salta aos olhos é a demora da resposta: 8 meses após o envio do ofício, o Itamaraty continua se esquivando quanto a fornecer um parecer.

O desaparecimento do documento, dentro da burocracia do MRE, também causa muita estranheza. Um órgão com tanto tempo de tradição não é uma entidade com servidores inexperientes, a ponto de simplesmente perderem um processo. Além disso, o sigilo mostra a importância que o Itamaraty deu à questão.

Não tão evidente, mas igualmente fora do usual, é o fato de a CDHM ter encaminhado a solicitação de informação por e-mail. O expediente adequado para esse tipo de demanda são os requerimentos de informação.

Conforme art. 50 da Constituição Federal brasileira, o Poder Executivo precisa dar uma resposta aos pedidos em até 30 dias, quando solicitados através de requerimento. É crime de responsabilidade a recusa ou o não atendimento do solicitado dentro do prazo.

No entanto, a CDHM escolheu por questionar o Itamaraty através de um ofício encaminhado por e-mail, o que escusa tanto o Poder Executivo de responder, quando o Poder Legislativo de cobrar.

Infelizmente poucos são os políticos que realmente fazem algo de concreto, apesar de terem manifestado o seu apoio ao fim da repressão ao Falun Gong na China.

Essa convergência de acontecimentos fora do comum nos sugere a sensibilidade do tema. O governo brasileiro parece andar pisando em ovos, para não irritar o regime chinês. Fazer vistas grossas à extração forçada de órgãos na China não é igual a ter feito vistas grossas ao Holocausto na Alemanha nazista? O Brasil quer essa mancha em seu futuro?

Essa situação acende uma luz vermelha, pois em 2017 o mundo começou a tomar conhecimento da extensão da penetração de Pequim no governo australiano e neozelandês. Ao que tudo indica, podemos dizer o mesmo de setores do Estado brasileiro.

Caso o leitor queira saber mais sobre a repressão ao Falun Gong na China, sugerimos o curta-metragem “Mortos por Órgãos”, produzido pela NTDTV.

Contexto

O Falun Gong, também chamado de Falun Dafa, foi fundado pelo Sr. Li Hongzhi, que o apresentou ao público, pela primeira vez, em 1992. Devido aos benefícios à saúde e ao rápido aprimoramento do caráter, a prática se fez extremamente popular em pouco tempo. De acordo com estimativas do governo, havia mais de 70 milhões de chineses praticando o Falun Gong no final da década de 1990.

A prática não possui estruturas administrativas nem sacerdotes, o que impossibilita o Partido Comunista Chinês de controlar e influenciar seus adeptos, como faz com o catolicismo, por exemplo.

O ex-líder chinês Jiang Zemin no Grande Salão do Povo em Pequim em 8 de novembro de 2012 (Feng Li/Getty Images)
O ex-líder chinês Jiang Zemin no Grande Salão do Povo em Pequim em 8 de novembro de 2012 (Feng Li/Getty Images)

Após o Sr. Li Hongzhi se desfiliar da Sociedade de Pesquisa Científica do Qigong – agência estatal de controle das atividades do qigong –, o Partido Comunista Chinês iniciou uma campanha de difamação da prática. O que, por sua vez, levou os praticantes do Falun Gong a se manifestarem publicamente contra as mentiras do governo.

Quando 10 mil praticantes se reuniram em frente ao Zhongnanhai, sede do regime chinês, pedindo fim ao assédio que vinham sofrendo, Jiang Zemin, o então presidente da China, decidiu dar início a uma campanha violenta de repressão ao Falun Dafa.

Jiang Zemin ascendeu politicamente após orquestrar o massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989. Tendo sido bem-sucedido em reprimir as manifestações estudantis, Jiang foi elevado de prefeito de Xangai a Secretário-geral do Partido Comunista Chinês.