Por Ricardo Bordin, Instituto Liberal
As destilarias existem porque as pessoas bebem uísque, e não o contrário. Ludwig Von Mises tinha este axioma muito claro em sua mente, mas o mesmo não podemos dizer dos membros da Confederação Brasileira de Futebol: a partir de 2019, os clubes brasileiros que se classificarem para a disputa da Taça Libertadores da América precisarão comprovar que possuem um time feminino disputando competições nacionais, sob pena de serem desqualificados.
O canal Esporte Interativo publicou em seu website uma entrevista sobre o assunto com Rosana, jogadora do Santos e da seleção brasileira. Em determinado trecho, ela afirma:
Infelizmente, não foi no amor, então vai na dor, né? Os times vão ser obrigados a ter uma equipe feminina para poderem participar de competições sul-americanas. Isso, com certeza, é de grande valia, porque faz com que as pessoas vejam que o futebol feminino existe.
“Infelizmente” digo eu, Rosana.
A ordem dos fatores, neste caso, altera totalmente o resultado. O que esta normatização busca é conferir ao futebol feminino um status que ele jamais fez por merecer. Surgimento de novos times, criação de novas ligas, maior repercussão dos jogos na imprensa e melhor valorização das atletas deveria ser consequência do sucesso e do aumento da popularidade da modalidade — exatamente como ocorreu entre os homens.
Mas o que se busca aqui é inverter a equação: já que não há demanda suficiente pelo produto, vamos obrigar os investidores a produzi-lo e vendê-lo mesmo assim.
Qual seria então o próximo passo, neste esforço de empurrar para os consumidores mercadorias encalhadas no estoque? Quem sabe forçar as agremiações a apoiarem outros esportes menos queridos pelas massas, como badminton ou squash, por que não?
Ou então determinar que os meios de comunicação transmitam e deem visibilidade a campeonatos de várzea — coitados, tão esquecidos pelo grande público também — , sob pena de cassação da licença de funcionamento.
Melhor: vender ingressos para jogos de futebol masculino em pacote casado com entradas para as partidas das mulheres. E se o estádio ainda assim ficar vazio nos jogos delas, é só dizer que a sociedade é machista, patriarcal e misógina.
Percebam os caminhos tortuosos pode onde esta sanha igualitarista nos conduz. Chama muito a atenção ainda a frase da jogadora supracitada: ou todos atendemos aos desejos de uma minoria organizada e barulhenta, ou ela vai dar um jeito de nos obrigar a assim proceder.
Nem sonha a moça que o futebol masculino partiu do mesmíssimo ponto onde ela e suas colegas ora se encontram. Toda a badalação em torno de nomes como Cristiano Ronaldo ou clubes como o Barcelona não surgiu do nada — muito menos da imposição de terceiros. Mais de um século foi necessário para moldar a figura de ídolos inesquecíveis e escretes clássicas (como as seleções de 82 e 70) no imaginário popular. Até mesmo Pelé só conseguiu enriquecer após encerrar a carreira, pois o futebol, em sua época, ainda engatinhava como espetáculo midiático.
Não se constrói uma cultura de adoração a um esporte na base da porrada: ou ela surge de forma espontânea e orgânica, ou só vai produzir ojeriza entre os fãs.
Não se pode perder de vista: futebol são apenas 22 indivíduos correndo e uma bola rolando em um gramado. Trata-se de uma prática que, em princípio, não possui valor intrínseco algum. Seus eventos só se tornam lucrativos e seus agentes bem remunerados e famosos na medida em que as pessoas se envolvem emocionalmente com tudo o que cerca cada jogo — as zoações com os amigos, a alegria da vitória, o sofrimento na derrota, tudo isso acaba por estabelecer um laço sentimental entre torcida e esporte.
É nesse contexto que escudos e camisetas de clubes deixam de ser apenas desenhos e peças de roupas e convertem-se em símbolos e fardamentos. É neste cenário que brota o amor (e o ódio) entre as partes, que gera o fenômeno de marketing que permite a evolução de uma simples brincadeira de bola para uma atividade econômica que gira bilhões.
Dito de outro modo: o desenvolvimento do esporte é diretamente proporcional a paixão que ele desperta em seus aficionados. Quer dizer, esta iniciativa tão “bem intencionada” nada mais é do que um patético grito de “me ame, eu estou mandando”. O quão autoritário precisa ser um grupo para ordenar isso?
Não vai rolar, companheiras. E isso nada tem a ver com o fato de vocês serem mulheres. Vejam o caso dos Estados Unidos, onde o futebol feminino desenvolveu-se, ganhou patrocinadores e tornou-se popular sem precisar apelar para relações de mutualismo quaisquer.
Lá, em decorrência do elevado nível de impacto físico do esporte favorito local (o Football), o Soccer acabou “sobrando” para elas como opção menos perigosa de desporto, e as meninas fizerem do limão uma limonada. Isto é, todo o processo deu-se naturalmente, sem interferências de justiceiros sociais. E por isso deu certo.
Outro aspecto curioso deste movimento pela superlativação artificial do futebol feminino no Brasil é o notável engajamento dos canais esportivos: comentaristas de Sportv, ESPN, FOXsports, Esporte Interativo, bem como da TV aberta em geral, apoiam e dão suporte a tais medidas intervencionistas.
E não é difícil entender o porquê: o jornalismo tradicional bem que gostaria de “lacrar” transmitindo jogos de mulheres dia e noite, mas o que eles não querem é arcar com os prejuízos da pífia audiência (acredite, já há jogos de mulheres na grade de programação, e nem mesmo quem reclama da falta de apoio ao futebol feminino deve assistir). A Globo já tentou fazer algo parecido com o beach soccer, e não parece querer repetir a experiência traumática.
Qual a solução vislumbrada por eles então? Simples: constranger outros a cobrirem o rombo financeiro. Os clubes gastam parte de seu orçamento com algo que não é demandando por seus associados, alguma estatal passa a patrocinar os torneios femininos, e a televisão fica com o lucro. Observe Marco Aurélio Cunha, que já foi dirigente do São Paulo, dando nos dedos de uma entrevistadora que tentou coloca-lo contra a parede politicamente correta:
Quais seriam os possíveis desdobramentos deste decreto da CBF que, com o perdão do trocadilho, só pretende “jogar para a torcida”? Vejamos:
Muito em breve as feministas começarão a cobrar igualdade salarial para mulheres e homens que vestem as cores da mesma equipe— ainda que 100% do faturamento venha do futebol masculino — , pleiteando tabelamento de remunerações e tetos salariais (salário máximo, quem sabe);
Por conta da decorrente redução salarial dos homens, eles serão negociados ainda mais cedo com clubes estrangeiros, e o nível do futebol praticado no Brasil vai cair consideravelmente, causando desinteresse crescente dos brasileiros;
Para conter esta sangria de atletas, o Estado vai atender a pedidos de “intelectuais” da USP e passar a tributar pesadamente estas transferências;
Por conta disso, atletas e seus agentes começarão a tentar driblar o fisco, praticamente fugindo do país — e pronto: estaremos vivenciando uma realidade de países comunistas.
Este episódio lembra, ainda, o que ocorreu recentemente em algumas escolas americanas, onde foram abolidas as premiações nas competições esportivas escolares para que os perdedores não se sentissem “oprimidos” — o que retira por completa a motivação dos melhores em vencer. Ora, se o futebol masculino atrai mais recursos, dividir os louros com qualquer outra modalidade esportiva é premiar quem não faz jus e desmotivar quem tem potencial.
Impossível não correlacionar tudo isso também com os milhares de estudantes que gastam rios de dinheiro em diplomas universitários inúteis para o mercado. Com uma formação que não lhes permite arranjar um emprego decente, políticos se oferecem prontamente para usar o dinheiro dos pagadores de impostos para criar vagas de trabalho para esses frustrados na máquina estatal, em ONGs ou em obras públicas.
O mesmo se aplica, pois, às mulheres que resolveram virar jogadoras de futebol sabedoras de que se tratava de um esporte pouco apreciado pela população em nosso país, e que acabaram virando massa de manobra de turbas histriônicas, que impõe sua vontade na base do grito e da intimidação.
Ninguém precisa me convencer com discursos empoderados que na patinação artística, por exemplo (dentre tantos outros campos e áreas de atuação humana), as mulheres dão de dez a zero nos homens. E merecem receber mais holofotes e serem melhor remuneradas nestes casos, sem sombra de dúvida.
Um dia desses foi destaque no portal G1 uma matéria informando que “a presença de mulheres e negros cresceu em campanhas publicitárias”. O autor do texto lamentava, porém, que ainda era “pequeno o percentual em relação a participação deles na população”. Fiquei curioso para saber se havia, então, um percentual de no mínimo uns 30% de adolescentes com espinhas no rosto entre os modelos jovens, e em torno de uns 20% de obesos entre os adultos. É exatamente este tipo de visão de mundo avessa ao mérito, que trata cada um apenas como membro de uma comunidade identitária, que origina este clamor por cotas femininas no futebol a despeito de sua incapacidade de autossustentar-se.
O mais importante a notar neste imbróglio é que não foi necessário o Estado imiscuir-se na questão para que a mentalidade coletivista prevalecesse. Fica evidenciado que Nelson Rodrigues tinha razão: no Brasil, basta respirar para ser socialista, pois o ideário avesso ao esforço e a recompensa individual está impregnado no ar. Se o governo não se apresenta para a missão, outros coletivos dão conta de patrulhar a sociedade e coagi-la a seguir seus ditames, sempre instigando a inveja e o ressentimento como combustível revolucionário.
A esta altura, já deve ter gente pensando “mas simplesmente não assista ao futebol feminino então, ou mesmo deixe de ver futebol masculino se ele virar uma porcaria depois de tanto ser usado como instrumento de implantação de uma agenda política”. Resposta errada: se não reagirmos sempre a este tipo de ingerência, em breve este furor distributivista atingirá todo e qualquer aspecto de nossas vidas. E aí a hegemonia esquerdista planejada por Antonio Gramsci no cárcere terá atingido seu ápice. Nem me pergunte o que vem depois…
Nota: Artigo publicado originalmente em 18 de julho de 2018.
Ricardo Bordin atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Formado na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) como Profissional do Tráfego Aéreo e Bacharel em Letras Português/Inglês pela UFPR
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