Semblantes sérios, curiosos, encantados, perplexos, boquiabertos. Mão no peito, surpresa, comoção. Olhares concentrados, marejados. Tempo suspenso, atenção total. Algo diferente acontece no Hall dos Heróis de 1932 da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Trata-se da Exposição Internacional de Arte Verdade, Benevolência, Tolerância, que fica aberta ao público até o dia 6 de outubro, das 8h às 20h, com entrada franca.
São 22 pinturas de estilo realista de 18 proeminentes artistas chineses da Academia de Artes Fei Tian — sediada em Nova York — que retratam a jornada do Falun Dafa na China, uma antiga prática de meditação, desde seu surgimento, passando pelo desenvolvimento, até a repressão. As obras já passaram por mais de 80 países e 200 cidades ao redor do mundo. No Brasil, já foram vistas por mais de 200.000 pessoas, em universidades e principais centros culturais. Esta é a 27ª montagem no país.
Mostra já foi vista por 200 mil pessoas no Brasil
Os quadros são inspirados nas experiências de vida dos artistas, eles próprios praticantes do Falun Dafa exilados e, quase todos, sobreviventes da perseguição empreendida pelo regime comunista chinês desde 1999, vítimas de abusos e maus-tratos. Para coagir os adeptos a abandonarem suas crenças, o governo tem praticado as mais graves violações dos direitos humanos, como uma diversidade de métodos brutais de tortura e, inclusive, extração forçada de órgãos vivos, de maneira massiva e sistemática, promovendo um altamente lucrativo ‘turismo do transplante’ para a China ─ um crime sem precedentes.
As obras também exprimem o refinamento espiritual dos praticantes ao longo dos 18 anos de resistência pacífica e seus vários esforços em expor ao mundo os fatos, ainda em curso e pouco noticiados. O Falun Gong, como também é chamado, é uma prática tradicional chinesa de qigong que se tornou muito popular nos anos 1990, sendo hoje praticado livremente em 140 países. Consiste em exercícios energéticos suaves e meditação e no cultivo cotidiano dos princípios de verdade, compaixão, tolerância, que intitulam a mostra.
Inicialmente aclamado pelo regime devido aos notáveis benefícios físicos, psíquicos, morais e sociais ─ que citava então vultosas economias para o Estado em segurança e saúde públicas ─ o Falun Gong foi proibido depois que uma pesquisa estatal estimou haver naquele país entre 70 e 100 milhões de adeptos, número bastante superior ao total de filiados ao Partido Comunista Chinês. Um relatório publicado em julho de 2016 pela Organização Mundial para Investigar a Perseguição ao Falun Gong (WOIPFG, na sigla em inglês) revelou que pelo menos 2 milhões de praticantes prisioneiros de consciência morreram em decorrência do roubo de seus órgãos.
O funcionário público Ricardo Pereira, 38 anos, já conhecia o Falun Gong e sabia da perseguição pelo governo comunista chinês. “Achei muito interessante a qualidade dos quadros, a expressividade daqueles que praticam a meditação na China. É um caso grave que deve ser denunciado. A comunidade internacional tem que saber disso”, afirmou.
Uma das principais responsáveis por viabilizar a exposição na Alesp, organizada pela Associação Falun Dafa no Brasil, a deputada estadual Clélia Gomes (PHS-SP) recém-tomou conhecimento destes eventos na China e ficou bastante sensibilizada ao ver as obras pela primeira vez. “Quando as pessoas têm dentro de si a verdade, a benevolência e a tolerância, a vida se torna fácil.”
“Eu nunca vi uma exposição assim. Os quadros são impactantes, eles chocam pela realidade. Você olha para os olhos das pessoas (retratadas) e sente de verdade o sofrimento de uma realidade que você desconhece. Ao mesmo tempo, você percebe a bondade delas ─ estão profundamente tristes, mas bem com elas mesmas. Você não consegue colocar em palavras o sentimento de cada quadro. O pintor retratou de uma forma extraordinária. Os artistas conseguiram tocar algo bem profundo dentro da gente”, descreve.
Clélia afirma saber bem o que é perseguição, por ser praticante de uma religião de matriz africana, que também é perseguida.
“Um poder paralelo com uma arma apontada para mim obrigando-me a quebrar o que é meu; é meu, é minha fé, é o que eu acredito, é o que eu professo, é o que me faz bem; como quebrar uma coisa que me faz bem? Ou você quebra ou você morre”, diz a deputada, citando as frequentes invasões a locais de culto por traficantes brasileiros que se dizem evangélicos. “E eles (praticantes do Falun Gong) preferiram morrer do que negar (sua fé)”, reflete.
“Aquele quadro que ilustra a morte do rapaz que não assinou a carta [de renúncia às sua crenças] mostra ele sem nenhum medo da morte, porque ele se conecta tanto com alguma coisa muito mais forte do que ele. Passa uma poderosa mensagem de que a gente precisa enxergar além.”
“É notável a dificuldade do comunismo de conseguir preservar a harmonia do povo. A violência nestes sistemas é tão grande que você não consegue compreender tamanho ódio daquelas pessoas, que não concebem isso de você conectado com uma força maior. Eu vejo isso na China e em outros regimes comunistas, como Coreia do Norte e Cuba ─ são países de pessoas do bem, tolerantes, bondosas, a dor delas é indescritível.”
Gomes ressaltou a importância de se assumir uma posição diante de crimes contra a humanidade. “Se eu fosse chinesa, imagino que seria duro acreditar que o meu país ainda está fazendo isso, essas atrocidades que a gente aqui no Brasil não quer, a qualquer tipo de segmento social. Se nós não nos posicionarmos, talvez venhamos a enfrentar genocídios no futuro aqui também.”
Ticiane Rossi Fiaschitello, 33 anos, uma das expositoras da mostra, praticante do Falun Dafa e pós-doutoranda em ciências pela Universidade de São Paulo (USP), relatou sua experiência com os parlamentares da Assembleia. Ela disse que alguns deputados se interessaram mais pelo tema depois de terem sido esclarecidos mais a fundo sobre a perseguição à prática.
“Às vezes, alguns deputados apenas olham os quadros e não compreendem direito a questão, de imediato. Então, quando falamos da perseguição e do tráfico de órgãos, parece que aí elas caem em si”, descreve. “Porque existem brasileiros que podem ir lá comprar um órgão que foi ilegalmente extraído”, alerta Fiaschitello, demonstrando como a realidade da China está mais próxima e conectada com a dos brasileiros do que geralmente se pode supor.
“Daí a importância da adoção de medidas e legislações específicas aqui no Brasil para impedir o turismo de transplantes para a China, a exemplo de como já o fizeram outros países, como Israel, Taiwan, Espanha e Itália”, explica Ticiane, se referindo ao Projeto de Lei nº 4.919, de 2016, que tramita no Congresso Nacional.
O vice-presidente da Associação Falun Dafa no Brasil, Luiz Gilberto Maia, celebrou a ótima receptividade do público e também destacou a importância do papel dos políticos e autoridades na defesa dos direitos humanos.
“A emoção em ver a reação das pessoas diante dos quadros é indescritível! É uma sensação de ‘dever cumprido’, por conseguir passar às pessoas exatamente aquilo que as palavras não conseguem passar. A emoção toma conta tanto do público presente como de nós que fazemos parte da produção da exposição.”
“A nossa maior motivação é saber que estamos conseguindo passar a mensagem da mostra, uma mensagem explícita em seus quadros, uma mensagem que fala de direitos fundamentais, de força de vontade, de resignação e persistência, da jornada do bem em prol daqueles que sofrem”, disse Maia.
“E a grande importância de esta exposição estar na Alesp reside no fato de que os políticos são aqueles que atuam diretamente no âmbito das leis e falam em nome do povo paulista e brasileiro.”
“Uma vez que o tema central é a perseguição de pessoas em seus direitos básicos de expressão, crença e reunião, os políticos podem ser de grande auxílio no combate a essas atrocidades que ocorrem atualmente na China e implicam diretamente o Brasil no tocante ao turismo de órgãos, isto é, brasileiros que viajam à China para receber transplantes sem conhecer a origem desses órgãos”, explicou Gilberto.
Colaborou: Ana Carolina Sillos