Por Migalhas
O Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade do Direito da USP – Largo S. Francisco, lançou um abaixo-assinado pedindo a renúncia de Sergio Moro. Além da renúncia do atual ministro da Justiça, os discentes reivindicam a nulidade dos processos conduzidos na operação e a liberdade imediata de Lula.
No texto, os alunos defendem que o ex-juiz agiu politicamente na Lava Jato:
“A sanha persecutória foi tamanha que mesmo alguns procuradores estranharam os modos “inquisitivos” de Moro, cujos “resultados” haviam justificado os atropelos procedimentais durante toda sua carreira e que, no caso da Lava-Jato, ensejaram até mesmo a adição de fatos à denúncia. Trata-se de afronta da mais alta gravidade à ordem jurídica estabelecida: o que Moro fez não é só eticamente reprovável, mas ilegal.”
Os discentes ressaltam o episódio do vazamento de mensagens entre Moro e procuradores da Lava Jato. Para eles, os diálogos mostram “um Moro maquiavélico, obstinado em seus interesses e pouco comprometido com a Constituição.”
Apoio
Declaram apoio ao Manifesto desse abaixo-assinado: Juarez Cirino dos Santos, presidente do ICPC – Instituto de Criminologia e Política Criminal; José Eduardo Cardozo, Ex-ministro da Justiça e AGU durante o governo Dilma Rousseff; Sérgio Salomão Shecaira, Ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e penitenciária e do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, entre outros.
Veja.
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CONTRA A PARCIALIDADE ABUSIVA NA OPERAÇÃO LAVA JATO:
PELA RENÚNCIA IMEDIATA DO MINISTRO SÉRGIO MORO!
Hoje é impossível qualificar como democrático qualquer regime que não garanta aos seus cidadãos um arsenal jurídico sólido, diversificado e contraposto aos desvios do arbítrio estatal, que podem ser, indevidamente, incorporados à figura do juiz.
A imposição de nítidas barreiras aos poderes (inclusos os poderes jurisdicionais) é fundamental para que se possa afirmar, por extensão, um terreno de exercício lúdico e pleno da liberdade; única condição em que os indivíduos podem dispor de uma convivência que seja, ao mesmo tempo, harmônica entre si, segura perante o Estado e autônoma em suas decisões individuais e coletivas.
A combinação desses valores, respeitando seu delicado equilíbrio, é o que tradicionalmente sustenta e chancela as democracias ao redor do mundo. Princípios como a impessoalidade, o contraditório e o devido processo legal visam garantir a segurança jurídica dos indivíduos e a soberania de suas deliberações legítimas. Devem ser, portanto, rigorosamente obedecidos, já que o objetivo é justamente evitar a corrosão do equilíbrio democrático.
Infelizmente, essa reflexão faltou ao ex-juiz federal e hoje Ministro da Justiça Sérgio Moro, quando, em nome de supostas boas razões – que, muitas vezes, não passavam de caprichos pessoais, vontades irrefreáveis e convicções alucinantes –, conduziu de maneira antiética e criminosa a Operação Lava-Jato. Não por coincidência, seus atos contribuíram para que o país desembocasse em saídas obscurantistas, incertas, e para que nossa democracia, que já era bastante debilitada, esteja, hoje, ainda mais fragilizada.
Os vazamentos divulgados pelo site The Intercept revelaram para toda a população um Moro maquiavélico, obstinado em seus interesses e pouco comprometido com a Constituição. Ao longo do processo em que prendeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Moro manteve promíscua e ilegal colaboração com o Ministério Público Federal (representantes da denúncia), de forma a ocasionar flagrante desequilíbrio e exposição de parcialidade. O juiz aconselhou, repreendeu e até mesmo executou o papel dos procuradores em determinados momentos. O próprio Moro reconhece e mesmo reafirma sua postura quando diz que não vê nada de errado nos diálogos, embora diga que não se lembra dos textos precisos das mensagens. No essencial, a reiterada troca de mensagens, que revelam uma participação orgânica na atuação dos acusadores, confessa.
A sanha persecutória foi tamanha que mesmo alguns procuradores estranharam os modos “inquisitivos” de Moro, cujos “resultados” haviam justificado os atropelos procedimentais durante toda sua carreira e que, no caso da Lava-Jato, ensejaram até mesmo a adição de fatos à denúncia. Trata-se de afronta da mais alta gravidade à ordem jurídica estabelecida: o que Moro fez não é só eticamente reprovável, mas ilegal.
A bem da verdade, os diálogos revelados pelo Intercept apenas confirmam aquilo que quase todos já sabiam: Moro agiu politicamente na Lava-Jato. O vazamento criminoso realizado pelo juiz em 2016 dos áudios de conversas particulares entre Dilma e Lula, somado à condução coercitiva despropositada do ex-presidente e à notória seletividade dos atos investigados, entre tantos outros episódios vergonhosos, não deixam dúvidas sobre os propósitos do inquisidor.
Moro instrumentalizou seus ofícios para tirar Lula da corrida presidencial e favorecer Jair Bolsonaro, segundo colocado nas pesquisas. Auferiu, por conta disso, contrapartida direta ao ser indicado para o cargo de Ministro da Justiça. Ao lado dos inúmeros abusos necessários para atingir esse objetivo, suficientemente expostos nos vazamentos do Intercept, foi preciso criar um cenário de espetacularização em torno da Operação Lava-Jato, justamente para ofuscar os absurdos ocorridos ao longo de seus capítulos cinematograficamente batizados.
O Intercept trouxe à tona demonstrações de que a parcialidade de Moro nos processos da Lava-Jato não era uma covardia “apenas” porque jogava um jogo de cartas marcadas, “apenas” porque usava o peso na máquina estatal para extrair confissões, ou “apenas” porque fez política sem ter sido escolhido para isso. Moro foi covarde, inclusive, ao escolher suas vítimas – quis poupar, a exemplo disso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de suas investigações para não “melindrar o apoio de alguém que é importante”, em suas palavras.
Hoje conhecemos quais são os destinos reservados aos atalhos tentados na longa e árdua estrada do fortalecimento de nossas instituições. Sabemos que o desrespeito aos pactos constitucionais fere duramente o tecido de nossa combalida democracia, e que ela costuma morrer antes que consigamos estancar a sangria dos medos presentes em nosso cotidiano: do desemprego, da inflação, da fome, do favoritismo, da exclusão, do racismo, do feminicídio, do machismo, da homofobia e de qualquer forma de exploração e de opressão.
Por isso, o Centro Acadêmico XI de Agosto, que desde logo se colocou contra os abusos irresponsáveis cometidos pela Lava-Jato, agora, a luz dos vazamentos do Intercept, lança esse abaixo-assinado reivindicando (i) a renúncia imediata do Ministro da Justiça Sérgio Moro, (ii) a nulidade dos processos conduzidos na Lava-Jato e, por consequência, (iii) liberdade imediata para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de que seja submetido a um julgamento justo, seguida a regularidade procedimental e obedecidos os parâmetros constitucionais.
Entendemos que essas ações não resolverão todos os enormes e graves problemas do país da noite para o dia, mas, ainda assim, constituem um exercício corajoso de lucidez em meio ao caos e ao obscurantismo. Em outras palavras, lançamos este apelo em nome da razoabilidade e da luta pelas garantias democráticas.
(Centro Acadêmico XI de Agosto)
Declaram apoio ao Manifesto desse abaixo-assinado:
Juarez Cirino dos Santos – Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC), Conselheiro Estadual Titular da OAB, advogado criminal militante e professor aposentado de Direito Penal da UFPR.
José Eduardo Cardozo – Ex-Ministro da Justiça e Advogado-Geral da União durante o governo Dilma Rousseff, advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Carol Proner – Membro da Secretaria Internacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Co-Diretora do Programa Máster-Doutorado Oficial da União Européia, Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e professora de Direito Internacional da UFRJ.
Sérgio Salomão Shecaira – Ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e penitenciária e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), membro do Conselho de Direção da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), secretário adjunto para a América Latina da Sociéte Internacionale de Défense Sociale e professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Maurício Stegemann Dieter – Coordenador do CPECC (Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais, da Universidade de São Paulo), Professor Doutor de Criminologia e Direito Penal da Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Professor convidado do Programa de Doutorado em Ciências Penais da Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales da Universidad San Carlos de Guatemala, do Programa de Mestrado da Universidad Autónoma Latinoamericana, em Medellín, Colômbia, e da Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Westminster em Londres.
Valdete Souto Severo – Presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), professora, coordenadora e diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS.
Alamiro Velludo Salvador Netto – Ex-Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP/MJ). Ex-Presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo (OAB/SP) e Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Ari Marcelo Solon – Livre-docente, doutor e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), instituição da qual é atualmente professor. Membro do Instituto Brasileiro de Filosofia.
Jorge Luiz Souto Maior – Professor e Ex-chefe do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP. Coordenador, desde 2013, do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC-USP.
Gilberto Bercovici – Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário).
José Augusto Fontoura Costa – Professor e Chefe do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Universidade de São Paulo (USP).