Estatal chinesa interessada na Avibras foi listada como “ameaça nacional” pelos EUA

Por Marcos Schotgues e Matheus Andrade
17/06/2024 19:18 Atualizado: 17/06/2024 19:23

A notícia de que uma estatal chinesa poderia adquirir 49% das ações da Avibras, principal empresa de defesa pesada do Brasil, foi questionada porque a compra poderia levar a companhia a perder o status de “Empresa Estratégica de Defesa” — prejudicando sua capacidade de cumprir com certas licitações e contratos.

O histórico da compradora mostra que as preocupações podem ir além.

A China North Industries Corporation (Norinco) foi listada pelos EUA anteriormente como parte de uma emergência de segurança nacional, listada entre empresas utilizadas pelo regime do Partido Comunista Chinês (PCCh) como parte de seu aparato militar e na facilitação de violações de direitos humanos.

Espionagem e ameaça “contra os Estados Unidos”

Em 12 de novembro de 2020, o presidente Donald Trump emitiu a ordem executiva 13959, que estabelecia sanções contra empresas chinesas. A ordem destacava:

“Eu, DONALD J. TRUMP, Presidente dos Estados Unidos da América, considero que a República Popular da China (RPC) está explorando cada vez mais o capital dos Estados Unidos para financiar e possibilitar o desenvolvimento e modernização de seus aparatos militares, de inteligência e de segurança, o que continua a permitir que a RPC ameace diretamente o território dos Estados Unidos e as forças dos Estados Unidos no exterior, incluindo o desenvolvimento e a implantação de armas de destruição em massa, armas convencionais avançadas e ações cibernéticas maliciosas contra os Estados Unidos e seu povo.”

“Por meio da estratégia nacional da Military-Civil Fusion (MCF), a RPC aumenta o tamanho do complexo militar-industrial do país, obrigando empresas civis chinesas a apoiarem suas atividades militares e de inteligência. Essas empresas, embora permaneçam ostensivamente privadas e civis, apoiam diretamente os aparatos militares, de inteligência e de segurança da RPC e auxiliam em seu desenvolvimento e modernização.”

Este documento delineou uma série de restrições impostas a empresas chinesas que estão ligadas às atividades militares e de vigilância, afirmando que “essas empresas aumentam o risco de contribuir para a modernização do Exército de Libertação Popular (ELP) e ameaçam a segurança dos EUA” .

A ordem executiva específica que certos investimentos em empresas chinesas são prejudiciais à segurança nacional dos EUA, e listava empresas a quem restrições de investimento se aplicavam.

Em 3 de junho de 2021, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, emitiu uma nova medida, a ordem executiva 14032, adicionando a Norinco, originalmente não listada pelo governo Trump, à lista.

A ordem menciona que o Departamento do Tesouro dos EUA, através do Office of Foreign Assets Control (OFAC) — agência governamental que lida com ativos no exterior —, tem uma lista de empresas sancionadas que inclui a Norinco. Estas medidas visam impedir que o capital americano financie o complexo militar-industrial chinês, diretamente envolvido em violações de direitos humanos e em atividades de vigilância repressiva.

Biden pontua, na medida que adiciona a Norinco à lista negra de empresas destas ordens executivas:

“…considero que o uso da tecnologia de vigilância chinesa fora da RPC e o desenvolvimento ou o uso da tecnologia de vigilância chinesa para facilitar a repressão ou o violação grave de direitos humanos constituem ameaças incomuns e extraordinárias, que têm sua origem, no todo ou em parte substancial, fora dos Estados Unidos, à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos, e, por meio deste, amplio o escopo da emergência nacional declarada na Ordem Executiva 13959 para tratar dessas ameaças.”

Fusão Civil-Militar

Um documento publicado pelo governo americano destaca a necessidade de se proteger contra a Fusão Civil-Militar (MCF, na sigla em inglês). Segundo o documento, a “MCF é a estratégia do PCCh para desenvolver o Exército de Libertação Popular (ELP) em uma ‘força militar de classe mundial’ até 2049. Sob o MCF, o PCCh está reorganizando sistematicamente a empresa de ciência e tecnologia chinesa para garantir que as inovações avancem simultaneamente o desenvolvimento econômico e militar”. 

A Fusão Civil-Militar torna todas as empresas sediadas na China propriedade do PCCh, garantindo que a utilização dos dados coletados, tecnologia e alcance destas empresas possam ser utilizados conforme as necessidades do regime chinês.

Em uma carta para as duas câmaras do parlamento americano, o governo dos EUA diz que as empresas que participam da MCF “facilitam, direta ou indiretamente, a vigilância em massa” e colaboram com o aparato militar da República Popular da China.

Avibras — “referência mundial” em artilharia sob risco

A presença de uma empresa chinesa que responde ao Estado — e ao Partido Comunista — da China traz preocupações sobre espionagem industrial e a transferência de tecnologia sensível para o regime chinês.

Um relatório do FBI de 2019 aponta que “o custo anual para a economia dos EUA de produtos falsificados, software pirata e roubo de segredos comerciais está entre US$225 bilhões e US$600 bilhões de dólares”.

“A China é o principal infrator de propriedade intelectual do mundo e usa suas leis e regulamentações para intelectual e usa suas leis e regulamentações para colocar empresas estrangeiras em desvantagem e suas próprias empresas em em uma vantagem”, segue o relatório.

Em 2021 o diretor do FBI, Christopher Wray, disse que uma nova investigação envolvendo a China é aberta a cada 12 horas. 

A Avibras é conhecida por seu sistema de lançamento de foguetes ASTROS, um dos mais avançados no mundo. 

Segundo a empresa, o ASTROS “é o único Sistema capaz de lançar foguetes, foguetes guiados, mísseis balísticos e mísseis de cruzeiro táticos, de diferentes calibres, a partir de uma mesma plataforma a distâncias entre 9 e 300 quilômetros” e uma “referência mundial em sua classe”.

O Partido Comunista Chinês tem ameaçado o uso de força para trazer a ilha autogovernada de Taiwan sob seu controle — debate central quanto à estabilidade da Ásia e do planeta. A ilha fica a cerca de 180 quilômetros da costa da China, colocando-a, supostamente, sob o alcance do ASTROS, um sistema versátil para um conflito de alta intensidade envolvendo a ilha.