Por Jan Jekielek, Epoch Times
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, conversou com o Epoch Times neste episódio do American Thought Leaders.
Em outubro do ano passado, o Brasil adotou uma posição decisiva contra o socialismo com a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Em nossa entrevista, Araújo fala sobre a necessidade de defender a alma do Ocidente — sua liberdade — e por que acredita que se trata fundamentalmente de uma batalha interna. Também conversamos sobre se a incorporação à OTAN está no horizonte para o Brasil e por que a nação sul-americana está tão interessada em fazer parcerias com os Estados Unidos. Também discutimos a situação na Venezuela e a abordagem do Brasil quanto à China, o maior parceiro comercial do país sul-americano.
Jan Jekielek: Houve apenas uma conferência de imprensa conjunta entre o presidente Bolsonaro e o presidente Trump e uma das coisas que notei que eles falaram foi sobre este novo capítulo na cooperação EUA-Brasil. Eu queria saber se você pode elaborar um pouco para o nosso público. Tenho certeza de que você foi crucial nesse esforço.
Ernesto Araújo: Obrigado. Sim, estamos muito animados com a oportunidade de estar aqui e voltar para onde deveríamos estar há muito tempo, com um forte relacionamento com os Estados Unidos. É natural para o Brasil se queremos uma economia mais aberta, uma sociedade mais aberta. Somos uma sociedade aberta, como os Estados Unidos, com os nossos desafios.
Então, nós brasileiros nos identificamos muito com os Estados Unidos. É natural para os brasileiros devido à cultura, à compreensão sobre liberdade, instituições etc. E essa conexão natural foi negada pelos governos brasileiros por um longo tempo por razões ideológicas. Tudo que era natural em relação ao Brasil e aos Estados Unidos, foi sufocado pelo interesse de manter essas oportunidades desperdiçadas, em termos de economia, cooperação em defesa, segurança. Parecia que qualquer iniciativa era boa até você ter os Estados Unidos como parceiro, aí ficava ruim. As coisas não eram julgadas pela qualidade, mas pelo fato de os Estados Unidos estarem envolvidos ou não.
Estamos voltando agora para a tradição da política externa brasileira do início do século XX. Naquela época, a ideia de que para o Brasil ser um grande player no mundo deveria se conectar com os Estados Unidos, isso era muito claro. E talvez por três quartos do século XX, quando os Estados Unidos foram o principal parceiro comercial do Brasil, e um sócio de uma forma geral, foi um incrível período de crescimento para o Brasil. O Brasil foi o país que mais cresceu no mundo, mais do que o Japão nesse período, basicamente de 1900 a 1975, mais ou menos.
Então, más opções, más associações — não ruins, outros parceiros são bons — mas esse pilar que deveria ser o fato de ter os Estados Unidos como parceiro foi negligenciado e, coincidentemente ou não, o Brasil começou a estagnar e a economia começou a não gerar empregos, a não produzir crescimento, e além disso a sociedade brasileira começou a perder a fé em suas instituições, etc. Agora estamos tentando nos reconectar, então essa nova era é, em certo sentido, a de retornar ao sentimento espontâneo dos brasileiros de irmandade com os Estados Unidos, e essa é uma associação que pode realmente produzir resultados.
Jan Jekielek: Sim, é muito interessante, e na declaração conjunta que saiu após a conferência de imprensa, o presidente Trump mencionou que o Brasil seria um importante parceiro não pertencente à OTAN, mas na conferência de imprensa ele sugeriu “talvez um parceiro da OTAN”. Qual a sua opinião sobre isso?
Ernesto Araújo: Sim, estamos quebrando muitos tabus e muitas ideias que limitam nosso campo de ação. O Brasil é um país ocidental, temos uma composição diferente em nossa sociedade, nossa história é diferente — cada país tem uma história diferente — mas o principal pilar de nossa cultura e sociedade é a tradição ocidental. E o Ocidente basicamente tem duas instituições que o formam: a OTAN, no lado militar, e a OCDE, no lado econômico. Então, basicamente o que estamos fazendo é dizer que o Brasil quer se identificar como país ocidental, o que significa que queremos nos aproximar da OTAN e nos aproximar da OCDE, queremos nos juntar à OCDE e o presidente Trump apoia nossa nomeação para isso, e também apoia o nosso desejo de nos aproximarmos da OTAN.
Seria um sinal de uma mudança no mapa geopolítico porque, naturalmente, a OTAN é o produto dos anos 1940-1950, mas as coisas mudaram e agora temos, em nossa região, por exemplo, na América do Sul, desafios que não existiam, especialmente o desafio que a Venezuela representa. Talvez devêssemos falar um pouco sobre isso, mas precisamos criar as condições para uma região permanentemente democrática na América do Sul. Essa é uma opção clara para o Brasil e para a maioria dos países sul-americanos. Esse é um aspecto que, basicamente, não existia antes, esse forte desejo de democracia e liberdade que deve tomar forma na América do Sul. E especialmente para o Brasil, queremos que seja um pilar de uma região estável, em torno de princípios democráticos, em torno de nações fortes. Basicamente, o que os europeus conseguiram nos anos 50 com a OTAN, essa sensação de estabilidade, esse senso de pertencimento, como uma espécie de aliança, pode-se dizer. Voltando ao ponto em que algumas coisas são naturais e nos foram negadas por más escolhas, a OTAN — não a OTAN, mas a aliança ocidental — precisa de um eixo norte-sul. Eles têm um eixo oeste-leste, EUA-Europa, mas por que não o Brasil no sul?
Jan Jekielek: Vocês falaram sobre isso?
Ernesto Araújo: Sim. Alguns vão pensar que é ousado, bem, é ousado, mas faz sentido, porque é uma questão de como nos vemos. Por muito tempo, a política externa do Brasil gostava de ver o Brasil — o Brasil não era — mas gostava de ver o Brasil como um país sem conexão com a aliança ocidental, ou o via como muito problemático, não se sentiam seguros, sempre pensaram que qualquer relacionamento com um país como os Estados Unidos significa que somos subordinados ou que estamos fazendo o que os Estados Unidos querem, e não é nada disso. Mas essa era a imagem que estávamos transmitindo, uma imagem ruim.
Agora queremos nos olhar no espelho e dizer: o que somos nós? Somos um país grande, um país orgulhoso de si mesmo, um país que precisa reivindicar-se no mundo, pela liberdade, pela democracia, para que esses valores ocidentais voltem a esse ponto. Isso é o que realmente somos, nós mudamos o espelho. Por muito tempo tivemos um espelho que distorcia o Brasil, que mostrava uma imagem que não era a da sociedade brasileira. Agora, basicamente, tentamos ficar de frente a um espelho correto, um espelho que nos mostra com uma imagem real, “Isso é o Brasil”. E vendo a nossa imagem correta, vemos que é natural, por exemplo, abordar a OTAN e talvez ingressar na OTAN.
Jan Jekielek: Muito interessante. Também notei que eles concordaram em remover o status especial com a OMC. Fiquei surpreso quando olhei para a OCDE e isso é realmente o Brasil tomando uma posição de “vamos levantar, vamos resolver as coisas sozinhos”. Você interpreta dessa maneira?
Ernesto Araújo: Sim, exato, exato. Faz parte da mesma reconexão com a nossa identidade, com a forma como nos percebemos como um player importante, porque queremos ser um participante global, mas também queremos ser vistos como um pequeno país, um país que precisa de tratamento especial. É claro que temos desafios diferentes de outros países que talvez sejam mais desenvolvidos, mas esse tipo de tratamento diferente é totalmente obsoleto, não resultou no que deveria ser, porque deveria produzir desenvolvimento, então a ideia de ser um país em desenvolvimento significa que um dia você será desenvolvido, mas isso nunca acontece, você está se desenvolvendo para sempre, isso não faz sentido. Bem, vamos esquecer isso. Basicamente, estou exagerando um pouco, o conceito de desenvolvimento ainda é importante, mas vamos eliminar esse tipo de jogo de palavras, vamos lidar com a realidade. A realidade é que o Brasil pode ser um player importante, pode sentar à mesa na OMC com os Estados Unidos, com a Europa, com o Japão, com outros, para tentar redesenhar a OMC de acordo com a nova realidade do mundo econômico, segundo nossa nova realidade. E se o conceito de tratamento diferenciado representa uma barreira para isso, devemos eliminá-lo.
Jan Jekielek: Muito interessante, e de fato, e sobre o mesmo assunto, na noite passada, o presidente Bolsonaro em uma entrevista à Fox News mencionou que ele está incentivando os Estados Unidos a basicamente manter sua atual política de imigração. O que eu entendi é que é preciso ter fronteiras seguras. Algo que ele disse foi muito interessante, ele disse que, em grande medida, devemos nossa democracia no hemisfério sul aos Estados Unidos. Eu achei fascinante. Se você concorda, você pode elaborar um pouco?
Ernesto Araújo: É interessante, nós estávamos falando sobre isso no carro hoje, voltando da Casa Branca. Não, foi quando estávamos entrando no Cemitério de Arlington, vendo aquela imagem forte de tantos soldados enterrados lá. O presidente nos disse, para quem estava no carro, “Imaginem como seria o mundo sem os Estados Unidos” Por toda a participação em todas as guerras do mundo, a reconstrução do mundo após a Segunda Guerra Mundial.
E mais do que isso, mais do que a dimensão puramente econômica ou militar, creio eu, a dimensão espiritual desde o início da república, desde o século XVIII, os Estados Unidos foram uma inspiração de independência, de uma nação construída sobre valores e, ao mesmo tempo, sobre uma forte identidade nacional, mas com liberdade, com a famosa busca da felicidade, que é um conceito incrível que muitas vezes é esquecido. Isso é parte dele. Não é só a questão de… quando vejo tudo o que se publica, ou não tudo, mas os artigos predominantes das relações internacionais, basicamente eles analisam o mundo com base na segurança e na economia. E eu vejo que não conseguem analisar essa dimensão intangível espiritual, que talvez seja ainda mais importante porque os seres humanos naturalmente anseiam pela liberdade, eu estou falando como na Declaração da Independência, mas as pessoas naturalmente anseiam por liberdade, e quando olham para o mundo, quem é o campeão da liberdade? Tem sido sempre os Estados Unidos, não podemos negar isso. Nós não podemos colocar os Estados Unidos junto com outros países que não tiveram o mesmo papel apenas para dizer que “temos que tratar todos da mesma forma”, não, essa é a realidade.
Acho que devemos voltar muito a essa questão do pensamento predominante focado nas palavras, sem olhar para a realidade. E o politicamente correto se trata basicamente disso, eles só se importam com o jogo de palavras. Então a realidade é que os Estados Unidos são essenciais para a liberdade mas por que isso não pode ser dito? O presidente diz coisas que são reais. É por isso que as pessoas votaram nele.
Jan Jekielek: Fascinante. Isso me lembra de seu artigo, “Trump no Ocidente”, que eu acho que desempenhou um papel na posição de hoje do atual governo. E estou muito curioso, você esteve antes no governo do Brasil, nesses governos, digamos, mais socialistas. Você estava se escondendo como conservador o tempo todo ou teve uma epifania? Como foi a mudança para você, o que fez você escrever este artigo que na época provocou muita polêmica?
Ernesto Araújo: Sim. Sou oficial de carreira. Eu tive que trabalhar, digamos, com governos social-democratas, governos socialistas, nestes anos. Durante muito tempo encontrei o meu lugar nas negociações comerciais porque pensava que era um setor em que algo pode ser feito para o país, para o crescimento, independentemente da ideologia, porque o comércio tende a ter a sua própria racionalidade. E confesso que durante algum tempo acreditei numa espécie de nacionalismo econômico, que era bastante protecionista, porque, penso eu, enganado por coisas que leio — ninguém é perfeito — achei que era preciso uma espécie de proteção de seus mercados para preservar um espaço para políticas, de modo que o governo tem políticas de desenvolvimento, essa era basicamente a ideia. E que os acordos econômicos eram necessários para basicamente proteger a capacidade de fazer isso. Mas o que aconteceu no Brasil é que esse espaço para a política foi usado para corrupção.
Jan Jekielek: Entendo.
Ernesto Araújo: E então eu e outras pessoas começamos a perceber, vamos, estamos negociando para manter o mercado fechado, mas não fechado para que o governo implemente políticas fortes, mas para que, basicamente, não tenhamos interferências externas em um sistema corrupto, que basicamente estava colocando dinheiro da economia produtiva em partidos políticos e seus membros. Isso foi parte de como comecei a abrir os olhos, assim como muitas pessoas na sociedade brasileira. E também, cada vez mais, sentiam que toda essa dimensão espiritual fazia falta extensivamente na política externa e outras ideias. E cada vez mais eles perguntavam, qual é o significado do que estamos fazendo? E acho que a dimensão espiritual não deveria ficar só na igreja. Não apenas no domingo de manhã… as pessoas são seres espirituais não só no domingo de manhã, eles são seres espirituais 24 horas por dia em tudo o que fazem. E se não…
Jan Jekielek: … Esperamos que sejam.
Ernesto Araújo: Exatamente, esperamos que sim. E se você não incluir esse tipo de dimensão transcendental ou vertical, como gosto de chamá-la, no seu trabalho, no que você faz, neste caso, na diplomacia, é uma maneira muito pobre de viver, de trabalhar. No passado, na imprensa brasileira, quando se falava de coisas desse tipo, as pessoas diziam: ‘Você é um fanático’. Este é um mundo louco, se você fala sobre Deus, você é um fanático. Enfim. Então comecei a sentir o desejo de algum tipo de projeto político que englobasse essas diferentes dimensões, a dimensão da racionalidade econômica que eu via faltando naquele projeto econômico nacionalista, e esse tipo, essa parte de dimensão inspiradora em nosso trabalho. E de repente, Bolsonaro estava lá, e havia esse barco para o qual você podia saltar, porque para os brasileiros com essa tendência mais conservadora, não havia uma opção política no Brasil há muito tempo.
Jan Jekielek: Seis anos atrás, foi o primeiro partido conservador…
Ernesto Araújo: Exatamente. Não existia. Então, bem, vamos fazer o que podemos, mas de repente apareceu um projeto político viável. By the way, quando comecei a escrever sobre isso, Bolsonaro tinha cerca de 6% nas pesquisas das eleições.
Jan Jekielek: Não foi para conseguir o trabalho, como dizem algumas pessoas.
Ernesto Araújo: Não, não. Eu estava animado porque era diferente, ao mesmo tempo conectado com pessoas reais, com pessoas trabalhadoras. E ele também acendeu uma atmosfera dessa dimensão espiritual, porque ele é um homem que fala de Deus, que fala abertamente de sua fé na esfera pública. Então, eu estava animado e, ao mesmo tempo, é claro, o fenômeno Trump aqui, que mudou as regras do jogo para pessoas que queriam algo diferente na política e na política internacional. Isso foi essencial. O primeiro veículo desses pensamentos foi, evidentemente, Trump e sua vitória eleitoral. E isso me impeliu o que significava para o mundo, o que significava retornar à nação como um pilar da vida social, o que significava para essa combinação de valores conservadores com uma economia aberta, que é completamente mal interpretada como algo contra a globalização. Não é assim. É só considerar que a globalização tem uma alma, e que a economia deve ter uma alma, porque as pessoas têm uma alma.
Jan Jekielek: muito interessante.
Ernesto Araújo: Então, Trump no mundo, abrindo novas avenidas, e Bolsonaro no Brasil mostrando que havia uma maneira de progredir também no Brasil.
Jan Jekielek: Tenho aqui uma citação do artigo que você escreveu. Vou ler e fazer uma pergunta. Você escreveu: “O inimigo do Ocidente…” — e isso é graças ao Center for Security Policy a que traduziu muito bem — “O inimigo do Ocidente não é a Rússia, a China, nem é um Estado inimigo, mas principalmente um inimigo interno: o abandono da identidade própria. E um inimigo externo, o islamismo radical, que por sua vez depende do primeiro, porque o islamismo só é uma ameaça porque encontra o Ocidente espiritualmente fraco e desconectado de si mesmo. Não há uma lógica ‘nós contra eles’, ao contrário do que os detratores de Trump gostam de dizer, por outro lado, existe uma lógica de ‘nós buscando reivindicar’”. Eu gostaria de saber mais sobre o processo que você acha que está realmente acontecendo nos Estados Unidos agora. Você acha que isso está acontecendo também no Brasil?
Ernesto Araújo: Eu acho que sim. Claro, nos Estados Unidos eu tenho a impressão de que o clima político é tão corrosivo que pode ser uma razão para isso, não que o impulso tenha sido perdido, mas que esteja suspenso. Ou seja, é normal que isso ocorra em movimentos políticos.
Jan Jekielek: Então no Brasil não é tão corrosivo?
Ernesto Araújo: É sim. Talvez um pouco menos. Ainda estamos em um estágio inicial em que ainda achamos que podemos, digamos, preservar… acho que aqui nos Estados Unidos, Trump e seu movimento, o presidente Trump e não necessariamente o Partido Republicano, mas o movimento em torno de Trump, ainda mantém o eixo principal desse tipo de abordagem. Mas talvez tenha sido tão desafiador que é difícil ver, as pessoas tendem a ver mais a crítica. No Brasil, estamos certamente no início do processo, mas já estamos tendo esse tipo de desafio. Eu comecei a frase, querendo dizer que era diferente, mas na realidade é muito similar. Agora que penso nisso, percebo. Eu acho muito parecido.
A inércia nos levaria a um mundo de normalização, e retornaríamos à correção política e voltaríamos a uma abordagem tecnocrática do governo. É difícil, temos que lutar todos os dias para manter as ideias em funcionamento e manter essa disposição, esse compromisso de romper com esse tipo de sistema de pensamento limitador e sufocante. Porque é muito difícil romper com sistemas de pensamento, muito difícil. Se você não faz nada, as coisas se rearranjam do jeito antigo. Eu acho que é o que acontece. É muito cansativo. Faz apenas dois meses e meio no governo, é cansativo, devemos… e fazemos isso, totalmente, não estou cansado, é cansativo e vamos lutar o máximo que pudermos. E acho que vamos ganhar, assim como creio que esse movimento aqui vai ganhar, mudando, recuperando a percepção das pessoas sobre o que deveria ser, como a nação faz sentido, por exemplo, e que valores conservadores são necessários para uma economia liberal. Mas é uma batalha difícil.
Jan Jekielek: Claro, mas você repetiu a palavra ‘alma’ várias vezes enquanto falava, e é como recuperar a alma da nação.
Ernesto Araújo: Sim, é isso, exatamente. Eu vejo isso como uma espécie de desafios universais, ver o mundo não como uma batalha entre diferentes países, mas como uma batalha entre diferentes ideias, diferentes entendimentos sobre o ser humano, e estes se refletem diferentemente em diferentes países, alguns países defendem mais certos valores, outros defendem outros valores. Mas para ver o mundo como uma competição, a competição tradicional entre grandes potências, entre os Estados Unidos e a China, ou a Rússia e a Europa, ou qualquer outra coisa, está errada, porque a batalha é interna, entre, digamos, uma visão materialista do ser humano e uma visão mais espiritual.
Jan Jekielek: Fascinante. Então, o Brasil não é o único país que se movimentou em uma direção conservadora na América do Sul. Eu me pergunto se o Brasil já está fazendo algo, nesse curto período, para apoiar esses outros países.
Ernesto Araújo: Sim, estamos nos coordenando bem. Há algo no ar, no momento, na América do Sul, em torno de princípios conservadores e uma política externa, uma coordenação que reflete isso. E hoje, a reflexão mais importante sobre esses princípios são nossas ações com relação à Venezuela e o fato de que Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai estão muito empenhados em pressionar por uma democracia real na Venezuela. De uma maneira totalmente diferente de como foi feito no passado. Até recentemente, as pessoas diziam: “Devemos apoiar a democracia, então vamos fazer uma declaração dizendo que estamos preocupados com os eventos na Venezuela e que pedimos o diálogo entre as partes. Bem, vamos para casa”. Agora realmente sentimos que devemos lutar pela democracia na região e que devemos ajudar o povo venezuelano a recuperar a democracia.
E isso não é um caso apenas venezuelano, é uma questão regional, talvez global. A luta entre nações democráticas e princípios socialistas. Não princípios, mas regimes socialistas. Então, temos um senso de dever e um senso de vocação nesse tipo de ação. E não é só o Brasil, eu estive em muitas reuniões para coordenar ações na Venezuela entre esses países. E há sempre aquela eletricidade no ar, e as pessoas dizem que as coisas que eles sentem não são retóricas, isto é, nós devemos fazer alguma coisa, devemos agir pela democracia na região.
Mas o novo Brasil com Bolsonaro é o ponto de virada, porque temos o peso de transformar esse tipo de atmosfera, de capturar essa energia e transformá-la em ação. Os outros países são muito importantes, nossos parceiros, mas sem o Brasil… ou seja, eles reconhecem, estavam esperando. É interessante porque a reunião chave do Grupo de Lima, que coordena as ações referentes à Venezuela, estava marcada para o dia 4 de janeiro, Bolsonaro assumiu o cargo em 1º de janeiro. Então eles queriam ver como seria o novo Brasil. E nós chegamos lá, então mostramos que estamos falando sério, que isso não é um jogo de palavras. Não quer dizer que “estamos preocupados, pedimos diálogo”. Nós queremos agir. Há uma tendência na região para valores conservadores, mas acho que só o Brasil está claramente articulado e traduz isso em ação.
Jan Jekielek: muito interessante. Então a China, que definitivamente não é uma democracia, é também o maior parceiro comercial do Brasil. É também o maior importador de petróleo brasileiro. E os Estados Unidos e muitos outros países têm sérias preocupações de segurança e comércio relacionadas à China, por exemplo, com a participação da Huawei no desenvolvimento de 5G e o seu potencial de espionagem, e esse tipo de coisa. Como o Brasil está pensando em lidar com isso?
Ernesto Araújo: Nós realmente precisamos dos mercados chineses, especialmente para nossos setores agrícola e de mineração. Nossos principais produtos de exportação para a China são soja e minério de ferro. Com isso, vemos que é um relacionamento baseado em matérias-primas, o que é bom. Muitos setores dependem muito disso. E nós queremos manter esse tipo de comércio. Mas precisamos diversificá-lo e precisamos ter mais acesso aos mercados chineses para produtos de alta qualidade, por assim dizer. Precisamos aprender a tirar o máximo proveito de cada relacionamento.
E é claro que quando falamos de desenvolvimento tecnológico e inovação, por exemplo, parcerias com os Estados Unidos tendem a ser mais produtivas. Isso não significa que não possam ser produtivas com a China.
Na verdade, estamos tentando trabalhar mais na inovação com a China e os países do BRICS. Mas o natural é que as empresas americanas que investem no Brasil, assim como as europeias, tradicionalmente trazem tecnologia e começam a desenvolver novos produtos e inovar no Brasil. E isso é essencial para a competitividade do país, para nossa capacidade de fabricação. Cada setor é importante, mas o Brasil precisa manter a diversidade de sua economia e não concentrá-la demais.
O que aconteceu é que temos que desenvolver uma estratégia que faça sentido. E até agora, basicamente, no nosso relacionamento com a China, não tínhamos uma estratégia. E a China tem claramente uma estratégia, de acordo com seus interesses, o que está tudo bem. Mas o Brasil tem sido um país que permite que as coisas aconteçam e nós seguimos o fluxo, e isso é algo que não queremos mais. Queremos estruturar nosso relacionamento com a China e com qualquer outro país de acordo com nossos interesses, de acordo com o que pode ser extraído dos diferentes relacionamentos. Então, é uma questão de pensar estrategicamente. Devia ser óbvio, mas não foi. Não tem sido óbvio no Brasil há muito tempo.
Jan Jekielek: Então, se entendi bem, a China ainda é um mercado extremamente importante, mas eles vão ficar de olhos bem abertos.
Ernesto Araújo: Sim. E então, a questão da tecnologia que você mencionou será claramente um dos maiores problemas do mundo nos próximos anos — e também agora. E você tem que estudar isso muito bem e não apenas seguir a corrente, não apenas deixar as coisas acontecerem com você. Isto é, ser um jogador ativo. Esse é o tipo de mentalidade que precisamos mudar: a mentalidade de que o Brasil é um país que não pode influenciar o mundo, e que simplesmente temos que aceitá-lo. ‘Oh, está aí, está acontecendo, vamos lá.’ Muitos países, penso eu, têm sido assim nos últimos 15 a 20 anos. Não só em relação à China, mas com respeito a todos os aspectos da… os Estados Unidos eram claramente assim antes de Trump. ‘Oh, está caindo. Os Estados Unidos estão caindo. Não há nada que possamos fazer sobre isso. Vamos tentar fazer algo sobre isso, essa é a mensagem de Trump. O mesmo acontece no Brasil. ‘Oh, o Brasil não pode influenciar em nada’. Nós podemos sim. Isto é, vamos tentar. Pelo menos vamos tentar. Talvez não possamos. Mas, isso é … Voltando a isso, é natural que um ser humano tente fazer as coisas e lute. Não lutar, isto é, no bom sentido de lutar por certas coisas. E nossa política externa era uma política externa que só aceitava o mundo como era e não tentava interferir em nada, apenas copiava as resoluções das Nações Unidas e as traduzia. Então é basicamente isso. As pessoas nos chamam de fanáticos ou me chamam de fanático. Se tentar fazer alguma coisa é ser fanático, então eu sou.
Jan Jekielek: Talvez. Primeiro, a razão pela qual estou curioso é que, no The Epoch Times, estivemos reportando, digamos, operações de influência chinesas por décadas. Algo que a Austrália, por exemplo, está vendo, o que foi revelado sobre como a China afetou o governo australiano. E ouvimos que há muitos parlamentares que estão viajando com todas as despesas pagas pela Huawei para a China. Nós estamos assistindo isso. E tenho certeza de que muitas pessoas ficarão felizes em saber que o Brasil está entrando em tudo isso com os olhos arregalados.
Ernesto Araújo: Sim, e novamente, acho que é um crédito para… algo que os chineses, a China, sabem fazer, que é explorar suas vantagens. Deveríamos explorar nossas vantagens também. Não estou criticando você por isso, é só que queremos fazer coisas assim. Mas, claro, se você comparar os grandes atores -China e EE. UU.- No nosso mercado, a diferença é que basicamente as nossas relações econômicas, no caso da EE. UU, eles estão com empresas individuais, que podem ter suas estratégias, mas eles têm que responder aos seus acionistas e à sua estrutura individual, então eles se movem de uma certa maneira. E eles fazem, eles fazem lobby, é claro, de uma certa maneira. Os chineses, é claro, são mais coordenados, coordenados centralmente, de modo que se movimentariam de uma maneira diferente, de uma maneira muito poderosa. E eles estão certos, eles estão protegendo seus interesses. E devemos aprender a reagir de maneira diferente e proteger nossos próprios interesses.
Jan Jekielek: Entendido. Eu estava falando um pouco sobre como algumas pessoas podem descrevê-lo como um fanático ou algo assim. A palavra, o termo “extrema direita”, foi usada arbitrariamente. Como você responde a isso? Eu não penso assim por causa da nossa conversa hoje. Eu adoraria que você falasse sobre isso, sobre esse tipo de acusação.
Ernesto Araújo: É o fenômeno dos rótulos. Esta abordagem que basicamente a esquerda e o marxismo cultural desenvolveu, que é muito eficaz para os seus propósitos, que é criar conceitos que se afastam da realidade. Trata-se de brincar com as palavras, seu argumento é sobre jogar com as palavras ou não lidar com… Eu acho que a linguagem é um instrumento incrível para entender a realidade, mas não é isso que faz a esquerda, que faz o marxismo cultural.
Jan Jekielek: Então eles são injustos, você acha que são acusações injustas.
Ernesto Araújo: Sim, claro. O que as pessoas querem quando usam essas palavras é impedir o debate. Alguém tem certas ideias. Mas então você o chama de fascista, racista ou o que seja, é como aqui, com Trump. Tradicionalmente, a discussão para por aí.
Jan Jekielek: O rótulo está colocado.
Ernesto Araújo: Quando um rótulo é colocado, não há discussão. É o que essas pessoas querem. Elas são grandes impeditivos ao pensamento, essas palavras, racistas, xenófobo, fascista, extrema-direita, fanáticos e tudo isso, fundamentalista.
Jan Jekielek: Em vez de discutir as políticas reais?
Ernesto Araújo: Sim. E eu acho que a abordagem enérgica e corajosa do presidente Trump está começando a romper isso, porque antes dele alguém chegava e expunha algumas ideias sobre como a sociedade deve funcionar, por exemplo, dizer que a sociedade deve ter alguma coesão, o que eu acho que está certo, e então: “Racista!”, e então “não, eu não sou racista”, e então o debate seria sobre isso. E você esquece o problema real, e Trump não aceita dessa forma. Continua tentando discutir o assunto. E é isso que estamos tentando aprender a fazer. E as pessoas, a imprensa, porque é isso que elas fazem. Elas não sabem fazer outra coisa. Elas só sabem lançar rótulos para bloquear o debate, parar comandar o discurso, controlar o discurso sufocando-o. Temos que aprender, estamos tentando aprender a continuar debatendo. E não sermos bloqueados. Porque a primeira coisa, a coisa natural quando eles te chamam de algo ruim é, começar a olhar para si mesmo e dizer: ‘Oh, o que estou fazendo? Eu sou mesmo fanático?’ E não, você não pode fazer isso. Nós temos que ok, vamos evitar isso… e ‘não, essas são as minhas ideias. Vamos falar de ideias. Vamos discutir ideias e não palavras.
Jan Jekielek: Alguns meses após o início do mandato de Bolsonaro, vocês conseguiram fazer mais debates?
Ernesto Araújo: Eu acho que sim. Acho que estamos abrindo a janela de Overton e esticando-a um pouco. Coisas que antes não eram debatidas agora estão em debate, e as pessoas dizem as piores coisas sobre nós, mas pelo menos estão debatendo as coisas que achamos que deveriam ser discutidas.
Jan Jekielek: Que é, suponho, sobre o coração e a alma da nação, que é a sua tese.
Ernesto Araújo: Sim. Coisas que não deveriam estar aí agora estão aí. E está muito claro, na minha opinião, que a política externa nunca foi, nunca teve uma presença no debate público que tem agora no Brasil devido aos nossos esforços para introduzir questões que as pessoas querem discutir, e que a imprensa e o pensamento dominante não queriam que fossem discutidos, como a ideia de nação, de alma, da dimensão espiritual do ser humano. E algumas pessoas estão com medo, “você não deveria falar sobre isso”. Mas pelo menos essas ideias começam agora a aparecer, e minha esperança é que algum dia as pessoas comecem a debater filosoficamente, de maneira civilizada e não jogando adjetivos em você.
Esta entrevista foi editada para maior clareza e brevidade
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