Em entrevista exclusiva ao Epoch Times Brasil concedida pela Sra. Waleska Mendoza, ela nos relatou sobre a vitória emblemática na ação judicial contra a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, ressaltando sobre como os desdobramentos do caso tocaram na forma como o Estado laico e a liberdade de crença e de expressão são entendidos no Brasil.
O que aconteceu?
Conforme indicado pela Sra. Waleska, em 2009 ela exercia uma função de confiança na chefia de um setor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Em todos os documentos que elaborava e assinava, ela adicionava a citação de um verso bíblico. A peculiaridade atraiu a pressão da reitoria e da direção do campus, que pediu que retirasse as frases bíblicas sob a ameaça de ser destituída de sua função de confiança. Após mais um ano sem acatar o pedido, ela perdeu a posição. Convicta de sua lisura, a Sra. Waleska rapidamente reagiu: “Eu contei com a mídia para divulgar a intolerância religiosa sofrida internamente na universidade”.
Em contato com a mídia e através de denúncias à OAB do Mato Grosso do Sul e ao Ministério Público Federal, a Sra. Waleska iniciou sua cruzada contra a perseguição da universidade, que decidiu intensificar suas ações contra ela.
“Em vista da denúncia, o fato de eu ter tornado público a intolerância religiosa, isso fez com que eu respondesse por 3 processos administrativos disciplinares (PAD) aqui na universidade”, relatou Waleska.
O primeiro processo foi uma advertência, onde ela diz não ter tido a oportunidade de defesa escrita nem a garantia do devido processo legal. No segundo foi suspensa por 20 dias, e depois, mais 30 dias. Ela conta que “via que a gravidade da situação estava aumentando”.
Diante da situação, Waleska contatou o professor emérito de direito, Ives Gandra Martins, com quem conversou a respeito de intolerância religiosa na universidade. Nas suas palavras: “Registro meu agradecimento ao doutor Ives Gandra Martins. Doutor Ives Gandra é um jurista renomado no Brasil, mas acima de tudo, ele é um cristão. Ele ouviu o relato dos fatos que estavam [me] atormentando na universidade, e prontamente, ele me deu a orientação para que a gente judicializasse, e acompanhou do início ao fim.”
A ação foi ajuizada em fevereiro de 2012 e seguiu por 11 anos de batalha judicial. A Sra; Waleska relata que estava com um processo administrativo disciplinar (PAD) ativo e que, por diversas questões, foi reconduzido várias vezes, chegando a 8 anos de duração. Ela disse ter sofrido com “um ambiente bastante tóxico no trabalho” e “aquela pressão para que renunciasse à manifestação da liberdade religiosa”.
Waleska destaca, por exemplo, que no acórdão que transitou em julgado, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), escreveu:
“Note-se que o abuso foi tão evidente que a autoridade julgadora, ao mesmo tempo em que determinou o arquivamento do PAD por falta de infrações puníveis, não se fez de rogada e, é de se indignar, consignou, ao final de sua decisão, mais uma ordem para que a autora deixasse de inserir textos bíblicos nos seus comunicados internos, ou seja, prosseguiu na mesma exigência ilegítima em face da servidora, embora o resultado de arquivamento do PAD importe em reconhecer que a conduta da servidora era perfeitamente legítima e que não havia qualquer norma jurídica que pudesse amparar aquela ordem”
O processo acabou sendo favorável à Sra. Waleska, e a UFMS foi condenada a indenizá-la no valor de R$ 50.000,00.
“Agradeço a Deus por essa vitória triunfante. Na primeira instância, todos os meus pedidos foram julgados improcedentes. Eu tive que recorrer ao tribunal regional da terceira região de São Paulo, e lá, finalmente, a apelação foi provida”, disse Waleska ao Epoch Times Brasil.
A Sra. Waleska explicou em sua argumentação sobre a distinção entre laicismo e laicidade: A laicidade tem um fundamento bastante tolerante, o laicismo não aceita o exercício da liberdade religiosa.
“A questão do Estado laico, que foi exatamente no que a universidade fundamentou todas as penalidades aplicadas no processos administrativos… foi que eu estava violando o Estado Laico. (…) A decisão é paradigmática porque porque o acórdão do TRF3 adotou uma concepção de laicidade estatal tolerante. (…) Hoje é uma confusão se o Estado Laico permite ou não permite que o Estado faça manifestações religiosas. (…) Então há uma confusão com relação ao fundamento, a origem, do Estado Laico. A laicidade estatal é uma instituição política criada justamente para garantir o exercício da liberdade religiosa, sem que o Estado aplique penalidades, como eu sofri, por manifestações pacíficas.” .
Ela acrescentou que na Carta Magna, mesmo para servidores públicos, como foi seu caso, não há objeção a que pessoas que têm sua fé em Deus a divulguem — contanto que respeitem os direitos das demais pessoas, não há restrição para o exercício pacífico desse direito fundamental. Como o julgamento pontuou, ela não obrigou ninguém a ler a citação bíblica, nem a aceitar os princípios.
“Aqueles valores que nós defendemos como valores supremos na nossa vida, nós não podemos deixar que pessoas intolerantes restrinjam os exercícios desses direitos. (…) já fiz duas graduações e uma especialização na UFMS. Além de a gente ter o curso, a gente tem que exercitar o direito, isso é fundamental. Então veja: No direito, a gente vê que a Carta Magna, a constituição, elenca vários direitos fundamentais. De nada adianta, se a gente não exercita, não exercer esses direitos. E se nós encontramos oposição, objeção para o exercício desses direitos fundamentais, nós precisamos recorrer ao judiciário.”, Waleska ressaltou, concluindo:
“Só através da decisão judicial que eu tive concretizado o direito fundamental à liberdade de consciência, de crença e de expressão aqui na UFMS. Eu considero essa decisão judicial um verdadeiro paradigma, no âmbito jurídico, para o poder judiciário. Porque vem a concretizar a expressão religiosa que se verifica na maioria esmagadora da população brasileira. Então, na verdade, o poder judiciário, através desse acórdão, está reconhecendo os valores judaico-cristãos que a sociedade brasileira defende.”
Renato Pernambucano contribuiu com esta matéria.
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