Por José Carlos Oliveira, Agência Câmara Notícias
As alterações na Lei de Incentivo à Cultura (Lei 8.313/91 – Lei Rouanet) foram criticadas durante audiência pública com o ministro da Cidadania, Osmar Terra, na Comissão de Cultura da Câmara nesta quarta-feira (24).
Por meio de uma instrução normativa, o governo federal reduziu de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão o valor máximo de captação por projeto inscrito. Ficam fora desses limites apenas os projetos de restauração de patrimônio tombado, de manutenção de teatros e cinemas em cidades pequenas e os planos anuais de entidades sem fins lucrativos. Dez por cento dos ingressos não poderão custar mais de R$ 50 e outros 20% deverão ser gratuitos, com caráter social, educativo ou de formação.
As estatais também foram orientadas a direcionar parte dos recursos de patrocínio cultural para regiões historicamente menos favorecidas pela lei de incentivo. Na Câmara, o ministro Osmar Terra justificou a medida como necessária para “corrigir erros, distorções e abusos da Lei Rouanet “, evitar a concentração de recursos nas mãos de poucos e estimular novos talentos.
“O mercado cultural brasileiro é muito maior do que a Lei de Incentivo à Cultura. Parece que se não tiver incentivo, vai acabar o mercado cultural. Não vai. Boa parte das peças de teatro, dos eventos musicais e das atividades culturais como um todo são autossustentáveis. Ou vocês acham que um artista famoso precisa da Lei de Incentivo à Cultura?”, perguntou o ministro. Ele explicou que a lei deve ser usada para despertar novos talentos e também para democratizar o acesso à cultura. “Eu sei de espetáculos musicais que pegaram R$ 13 milhões da Lei Rouanet — que cobriu toda a despesa — e cobraram e ganharam R$ 15 milhões na bilheteria, limpos. Precisava dos 13 milhões?”, questionou.
Em vigor desde 1991, a Lei Rouanet permite que pessoas físicas e jurídicas patrocinem projetos culturais em troca de descontos no Imposto de Renda. Em 2017, uma CPI da Câmara apurou irregularidades no uso desses recursos. Na audiência da Comissão de Cultura, vários deputados admitiram a necessidade de mudanças na lei, mas criticaram pontos da instrução normativa do governo.
O vice-presidente da extinta CPI da Lei Rouanet, deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), reclamou que a medida não foi sequer debatida com partidos “parceiros”. Vice-líder do governista PSL, o deputado Alexandre Frota (SP) se queixou do novo teto de R$ 1 milhão na captação de recursos.
“Eu vejo a cultura em um colapso, tanto no teatro quanto nos musicais e no audiovisual, com a Ancine passando por um processo dificílimo. E nós temos um teto de R$ 1 milhão, que inviabiliza uma série de processos culturais, principalmente dos médios produtores”.
Segundo o ministro Osmar Terra, 90% de todos os projetos anteriores estavam nessa faixa ou abaixo de R$ 1 milhão de captação. Mas a justificativa não convenceu o deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), que foi ministro da Cultura no governo Michel Temer.
“Se 90% dos projetos já respeita esse limite, essa medida foi marqueteira para dar resposta ao presidente Bolsonaro e à base dele no Twitter? Ou foi, de fato, uma medida pensada tecnicamente? Nós precisamos conhecer os estudos que levaram a esse limite”, questionou.
Calero também reclamou da captação máxima de R$ 6 milhões para festas populares, que, segundo ele, pode ser suficiente para o “Natal Luz” de Gramado (RS), mas não atende eventos maiores, como o carnaval e o réveillon do Rio de Janeiro.
O deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) chamou atenção para outra mudança na lei: a redução de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões no teto para as empresas aplicarem em cultura por meio da lei de incentivo.
“Isso só dificulta a captação. Não combate a corrupção nem faz com que os pequenos projetos ou iniciantes sejam melhor atendidos”.
Como relator da extinta CPI da Lei Rouanet, Domingos Sávio elaborou um projeto de lei (PL 7619/17) que altera vários pontos da Lei de Incentivo à Cultura. Presidente da Comissão de Cultura e relatora do texto, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) disse que a proposta é consensual e pode ser um contraponto a mudanças que o governo Bolsonaro tem feito na cultura por meio de portarias e instruções normativas.
Ministro da Cultura nos governos Lula e Dilma, Juca Ferreira fez coro com os deputados de esquerda que classificam as novas regras da Lei Rouanet como “perseguição” ao setor cultural.
“Essa demonização é uma construção artificial para justificar essa guerra contra os artistas e a área cultural”.
Deputados de oposição voltaram a reclamar da extinção do Ministério da Cultura e pediram a reativação do Conselho Nacional de Cultura como forma de garantir o controle social do setor. De forma geral, os parlamentares pediram ao ministro da Cidadania o não contingenciamento do Fundo Nacional de Cultura e a elaboração da nova proposta do Plano Nacional de Cultura, já que o atual tem vigência só até o próximo ano.