O consumo crescente de alimentos ultraprocessados está afetando significativamente a saúde dos brasileiros e impondo uma carga pesada sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre a economia do país.
De acordo com dois relatórios (1 e 2) elaborados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a pedido da ACT Promoção da Saúde e da Vital Strategies, os impactos financeiros e de saúde atribuíveis ao consumo desses produtos alimentícios ultrapassam R$ 10 bilhões anualmente.
As consequências não se limitam apenas aos custos financeiros, mas também incluem a perda de vidas humanas e a degradação da qualidade de vida da população.
Mais de 57 mil mortes prematuras por ano
Os alimentos ultraprocessados, como bebidas adoçadas, salgadinhos industrializados e alimentos prontos congelados, estão fortemente associados ao aumento do risco de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão, obesidade e doenças cardiovasculares.
O primeiro relatório, intitulado Estimação dos Custos da Mortalidade Prematura por Todas as Causas Atribuíveis ao Consumo de Produtos Ultraprocessados no Brasil, revela que, em 2019, aproximadamente 57 mil mortes foram atribuídas ao consumo desses produtos, correspondendo a 10,5% de todas as mortes no país naquele ano.
As regiões Sudeste e Sul foram as mais afetadas. No Sudeste, cerca de 28 mil mortes prematuras ocorreram devido ao consumo de ultraprocessados. A região Sul apresentou a maior fração atribuível, com 12,1% das mortes ligadas a esses produtos.
Em termos absolutos, o estado de São Paulo registrou o maior número de mortes atribuíveis, com aproximadamente 15 mil óbitos.
A mortalidade atribuível não se distribui de forma equitativa entre as regiões do país. Enquanto a região Norte apresentou uma fração atribuível de 8,9%, a região Sul ultrapassou a média nacional, com 12,1%.
Prejuízo bilionário para a economia
Além das mortes, os custos indiretos associados à mortalidade prematura também são enormes.
Segundo o primeiro relatório, os prejuízos alcançam R$ 9,2 bilhões por ano, somando perdas relacionadas à produtividade decorrente da retirada prematura de trabalhadores do mercado por conta de óbitos evitáveis.
Esses valores são estimados com base no Método de Capital Humano, que considera o salário médio da população empregada e outros fatores como idade de aposentadoria e taxa de emprego.
Os impactos são maiores entre homens, que representam cerca de R$ 6,6 bilhões das perdas estimadas, em função da maior participação na força de trabalho e da idade de aposentadoria mais elevada.
As regiões Sudeste e Sul, com maior concentração populacional e de consumo de ultraprocessados, também concentram os maiores custos indiretos: mais de R$ 4,5 bilhões no Sudeste e aproximadamente R$ 1,6 bilhão no Sul.
Custos diretos: fardo ao sistema de saúde
O segundo relatório, chamado Estimação dos Custos Diretos e Indiretos da Obesidade, Diabetes e Hipertensão Atribuíveis ao Consumo de Produtos Alimentícios Ultraprocessados na População Adulta do Brasil, foca nos custos diretos e indiretos das doenças crônicas não transmissíveis associadas ao consumo de ultraprocessados.
Em 2019, os custos diretos ao SUS totalizaram R$ 933,5 milhões, principalmente com tratamento de diabetes, hipertensão e obesidade.
Desse montante, R$ 205,9 milhões foram atribuídos diretamente ao tratamento da obesidade e doenças relacionadas, como hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e diversos tipos de câncer.
O diabetes também foi responsável por uma parcela significativa dos custos, totalizando R$ 384,5 milhões. Esses custos incluem hospitalizações, procedimentos ambulatoriais e medicamentos fornecidos pelo Programa Farmácia Popular.
Os custos indiretos dessas doenças, que consideram absenteísmo e licenças previdenciárias, alcançaram R$ 263,2 milhões, com a obesidade contribuindo com quase metade desse valor.
As perdas em produtividade devido à retirada de indivíduos da força de trabalho por aposentadorias precoces e licenças médicas impactam significativamente a economia brasileira.
O peso da obesidade e da hipertensão
Os custos atribuíveis ao consumo de ultraprocessados são particularmente elevados quando analisamos a obesidade e a hipertensão.
A hipertensão foi responsável por custos diretos de R$ 343 milhões anuais ao SUS, sendo maior entre homens, devido ao maior número de hospitalizações e maior incidência de doenças relacionadas, como doenças isquêmicas do coração e doenças cerebrovasculares.
Os custos indiretos da hipertensão atingiram R$ 94,8 milhões, incluindo absenteísmo e licenças por doenças associadas.
A obesidade teve um custo estimado de R$ 333,3 milhões em 2019, considerando tanto os custos diretos quanto os indiretos.
As mulheres foram mais afetadas, tanto em termos de custos diretos (maior prevalência de hospitalizações e tratamentos) quanto indiretos (absenteísmo e licenças médicas).
Esses números refletem também a maior prevalência de obesidade entre mulheres em comparação aos homens.
Necessidade urgente de políticas públicas
Os dois relatórios evidenciam a urgência da adoção de políticas públicas que enfrentem o consumo de produtos ultraprocessados no Brasil.
As estratégias propostas incluem a majoração da tributação desses produtos, a regulação mais estrita sobre o marketing voltado para crianças, a rotulagem nutricional mais clara e campanhas de conscientização sobre os riscos associados ao consumo desses alimentos.
Uma das ações recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é o imposto seletivo sobre bebidas adoçadas e alimentos ultraprocessados, que poderia ajudar a reduzir o consumo e os impactos negativos à saúde.
O aumento da arrecadação poderia, inclusive, ser utilizado para reforçar o financiamento do SUS e outras iniciativas de promoção da saúde.
“Esses dados são um alerta para a urgência de medidas concretas que limitem o consumo de ultraprocessados no país. Os custos econômicos e as vidas perdidas poderiam ser evitados com políticas públicas mais eficazes”, afirma Eduardo Nilson, pesquisador da Fiocruz e um dos principais responsáveis pelos estudos.
Caminho para uma alimentação saudável
Para reduzir o consumo de ultraprocessados, os especialistas defendem a criação de incentivos fiscais para a produção e o consumo de alimentos in natura e minimamente processados.
Além disso, é fundamental que o governo invista em educação alimentar e nutricional, com foco em escolas, a fim de reverter as tendências crescentes de consumo desses produtos entre as gerações mais jovens.
Os relatórios também sugerem que o fortalecimento das políticas de promoção da saúde pública deve ser prioridade.
Estratégias como a rotulagem clara na parte frontal das embalagens dos produtos, alertando sobre os riscos à saúde, e a proibição de propaganda infantil de produtos ultraprocessados são passos importantes para reduzir a influência desses alimentos na dieta dos brasileiros.
O Brasil enfrenta um desafio significativo diante do impacto crescente dos ultraprocessados.
Segundo o relatório, é urgente reduzir o consumo desses alimentos para proteger a saúde da população e evitar prejuízos bilionários ao país.