Encontra-se aguardando despacho do presidente da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.919, de 5 de abril de 2016, de autoria do deputado federal Diego Garcia, do Partido Humanista da Solidariedade (PHS-PR). Trata-se de uma alteração à lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, com o objetivo de aperfeiçoar a capacidade do Estado brasileiro em identificar e punir as condutas relacionadas ao comércio ilegal de órgãos.
Alterações
A nova lei passa a considerar que o consentimento para a doação de órgãos, tanto para doações em vida quanto após a morte, deve ser dado de livre e espontânea vontade e em estado de lucidez, e não como resultado de coação gerada a partir de situação familiar, social, econômica, política ou de qualquer outro tipo de pressão.
Outra modificação refere-se à obrigatoriedade por parte das instituições realizadoras de transplantes e doações de órgãos (estabelecimento de saúde, público ou privado, e equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde) de enviar anualmente um relatório contendo os nomes dos doadores ao órgão gestor estadual do sistema Único de Saúde. Com a nova lei, esses órgãos também são obrigados a fornecer a lista dos pacientes receptores.
O texto passa a exigir também que no uso de plano de saúde para custear, fora do território brasileiro, operação de transplante de órgãos, ou no caso de pedido de reembolso, deverão ser fornecidos ao órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde o nome do país, da cidade e do hospital onde foi realizado o procedimento, o nome do doador e o nome do cirurgião que realizou a operação.
A seção da lei que trata do crime de extração ilegal de órgãos acrescenta de um terço até a metade da pena para quem: privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado, a fim de retirar órgão, tecido ou parte do corpo humano; ou torturar pessoa que terá órgão, tecido ou parte do corpo humano extraído ilegalmente, nos termos do artigo 1º da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, abrangendo também os casos não ligados a ação governamental.
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Leia na íntegra a justificação para a proposição da lei:
“Por conta do constante desenvolvimento dos meios de comunicação e de locomoção pelo globo, as distâncias não são mais as mesmas, fazendo com que distâncias que, para serem percorridas levavam meses, possam ser alcançadas hoje em algumas horas. É nesse contexto que se insere a atualização proposta à lei nº 9.434/97, pois delitos que antes ficavam restritos a uma localidade, hoje fazem parte de uma cadeia global do crime.
O que está sendo proposto neste projeto não é uma iniciativa isolada, mas parte de um esforço global, para aumentar a pressão sobre o tráfico e o turismo internacional de órgãos. Nesse sentido, a atualização aqui proposta condensa, em uma única lei, os esforços realizados por Israel¹, Espanha² e Taiwan³, que já aprimoraram sua legislação, para enfrentar o comércio ilegal internacional de órgãos, além de trazer ideias apresentadas em projetos de lei semelhantes que tramitam em outros países, como EUA4, Canadá5, França6, entre outros.
As alterações propostas na Lei 9.434 acabarão por aperfeiçoar a capacidade a capacidade de julgar e punir crimes cometidos relacionados com o tráfico de órgãos, em consonância com os tratados: a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes; a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio; e a Declaração de Istambul. O Brasil é signatário de todos eles. O fato desencadeador dessa iniciativa em vários países foi a denúncia de que, no Hospital de Trombose de Sujiatun, na cidade de Shenyang, na província de Liaoning, órgãos de praticantes de Falun Gong estariam sendo extraídos ilegalmente.7
Mas essa não seria a primeira vez que esse tipo de denúncia estaria sendo feita, pois, em 1992, Harry Wu, chinês ativista de direitos humanos, fundou a Laogai Research Foundation, que ajudou a provar que o governo chinês usa órgãos de prisioneiros executados, para realizar transplantes.8
Por conta da denúncia sobre o Hospital de Sujiatun, algumas organizações foram criadas, outras passaram a investigar o tema e indivíduos também começaram a fazer suas pesquisas sobre o assunto, chegando à conclusão de que muitas evidências apontam para a prática de extração forçada de órgãos de seus prisioneiros de consciência e dissidentes políticos, com vistas a abastecer o comércio de transplante de órgãos em seu país. Exemplos de pessoas que investigam a questão: World Organization to Investigate the Persecution of Falun Gong, recentemente lançando relatório que condensou os resultados de seus achados9; Doctors Against Forced Organ Harvesting, que lançou o livro State Organs: Transplant Abuse in China10; David Kilgour (político canadense) e David Matas (advogado canadense), que lançaram o relatório Kilgour Matas11 e o livro Bloody Harvest: Organ Harvesting of Falun Gong Practitioners in China; e Ethan Gutmann (escritor investigativo), que lançou o livro The Slaughter: Mass Killings, Organ Harvesting and China’s Secret Solution to Its Dissident Problem.12
Apesar de, na justificação às alterações na Lei 9.434, usarmos como exemplo a China e o seu obscuro sistema de transplante de órgãos, de forma alguma o projeto objetiva lidar apenas com esse caso. Acontece que esse país se tornou um caso emblemático, como se percebe pela crescente literatura sobre o tema e pela crescente atuação parlamentar ao redor do mundo, de como a extração forçada de órgãos e o sistema clandestino de transplantes está se organizando, de forma a dificultar que sua existência seja confirmada e possa ser posto um fim em seu funcionamento.
Dessa forma, as alterações propostas visam a inserir o Brasil no rol daqueles países que se uniram em um esforço internacional para coibir o tráfico e o turismo de transplante de órgãos e para impedir que iniciativas semelhantes ocorram em outras partes do mundo (pois, como relatado pela CNN13 e pelo Dailymail14, o Estado Islâmico13 14 já estaria atuando no comércio ilegal de órgãos).
Amparado em tais argumentos é que peço o apoio dos nobres Pares para a aprovação deste Projeto de Lei, que tanto contribuirá para a proteção dos direitos fundamentais da população brasileira.”
Deputado Diego Garcia
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¹Israel Transplant Law – Organ Transplant Act, 2008 ·
http://stoporganharvesting.org/docs/IsraelTransplantLaw2008.pdf
²Lei aprovada em 13 de novembro de 2009 deu nova redação ao artigo 156 do Código Penal espanhol · http://stoporganharvesting.org/docs/spanishlawagainsttransplanttourism2010-REVISED.pdf
³Em novembro de 2012, o parlamento taiwanês aprovou uma emenda ao orçamento, relacionada ao custeio público com os gastos pós operatórios de taiwaneses que recebem transplante de órgão no exterior · http://www.dafoh.org/taiwanreactstounethicalorganharvestinginchina/
4Tramitam no Congresso norte-americano: H.R. 5379 de 2014, H. Res. 281 de 2013 e H. Res. 343 de 2015
5Bill C381 de 2009
6Projeto de Lei nº 2797, apresentada em 2010
7http://www.theepochtimes.com/n3/1415678newwitnessconfirmsexistenceofchineseconcentrationca mp/
8http://www.laogai.org/news/12yearslatermargaretthatchersfearaboutchinarealized
9http://www.upholdjustice.org/node/284
10http://www.dafoh.org/ptbr/sobredafoh2/publicacoes/
11http://organharvestinvestigation.net/
12http://endorganpillaging.org/books/
13http://edition.cnn.com/2015/02/18/middleeast/isisorganharvestingclaim/
14http://www.dailymail.co.uk/news/article2880815/BloodmoneyISISsellinghumanorgansharvestedliving-hostagesdeadsoldiersfundterrorMiddleEast.html