Por Felipe Souza, Defesanet
A transferência de 22 líderes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), incluindo seu líder, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, para presídios federais colocou as forças de segurança de São Paulo em alerta. Agentes de segurança pública ficaram alertas com a possibilidade de a facção realizar ataques nas ruas em forma de protesto e represália.
O governador de São Paulo, João Doria, afirmou que a operação de transferência se preparou para conter “qualquer reação por parte do crime organizado”.
Todo esse temor e mobilização ocorrem porque uma operação semelhante de transferência de presos do PCC para a prisão de segurança máxima de Presidente Venceslau em 2006 causou uma onda de guerra velada entre a polícia paulista e a facção.
Na época, 59 agentes de segurança foram mortos em cinco dias e mais de 500 civis foram assassinados nos dez dias seguintes.
Mas quem são essas pessoas que atuam fora dos presídios sob as ordens do PCC? A BBC News Brasil entrevistou especialistas em segurança pública, sociólogos e agentes do sistema penitenciário para entender como funciona o “exército do crime”.
Segundo agentes penitenciários e especialistas em PCC, essas pessoas são recrutadas de diversas formas. As principais são quando internos são “batizados” pela facção ao chegar nos presídios ou fazem dívidas com o crime.
“Quando o preso chega na cadeia, ele facilmente consegue drogas e celular. Se ele não tem dinheiro para pagar, hoje ele não vai ser morto pelo PCC, mas geralmente é transformado em ‘soldado’.
Essa pessoa tem sua dívida perdoada em troca de ficar à disposição para ser recrutada para, por exemplo, matar um agente penitenciário ou policial militar quando estiverem em liberdade. Se recusarem, são mortos pela facção”, disse um funcionário com vasta experiência no sistema penitenciário.
As dívidas e o medo constante fazem com que, segundo agentes penitenciários, esses “recrutas” mantenham um laço com a facção mesmo quando deixam as cadeias. Mas algumas das “missões” passadas pelo PCC, como incendiar ônibus e promover ataques a delegacias ou batalhões, podem ser feitas também pelos próprios membros do PCC em liberdade, mesmo que não tenham dívidas.
Mas é possível que o PCC faça ataques em série?
Autora de livros sobre o PCC e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Violência da USP, Camila Nunes Dias confirma que existe esse processo de recrutamento, mas não acredita que a facção volte a fazer grandes ataques como em 2006.
Segundo ela, o comando considera que aqueles atos não trouxeram tantos benefícios para eles. “Os ataques tiveram uma reação da polícia que acabou sendo muito prejudicial, tanto para o próprio PCC quanto para as pessoas. Desta forma, as reações às transferências recentes não ocorrerão imediatamente porque agora todo mundo (do governo) está voltado para isso.
“Seria absolutamente inadequada e contraproducente uma reação neste momento, já que todas as forças de segurança estão preparadas”, afirmou. Dias declarou que uma das possibilidades é que a facção adote a estratégia usada em 2012, quando mais de cem policiais foram mortos em 11 meses, em ataques executados a conta gotas ao longo do ano.
“O PCC tem demonstrado uma enorme capacidade de adaptação e de responder ao governo de maneiras diferentes. A facção acha importante expressar sua mudança estratégica também para proteger a população que mora nos bairros mais pobres, onde está boa parte de sua base”, afirmou a pesquisadora. Por outro lado, pessoas que convivem diariamente com presos da facção nas penitenciárias do Estado de São Paulo dizem que esse silêncio nas ruas incomoda parte da base do PCC.
Eles afirmam que a massa carcerária sente uma necessidade de fazer grandes demonstrações de poder e violência em oposição a decisões do Estado. Mesmo sem previsão para ataques, nos últimos dois dias diversas correntes de WhatsApp divulgaram notícias falsas sobre ataques promovidos pela facção.
Uma das mensagens dizia que ocorria uma rebelião num presídio no Belém, na zona leste de São Paulo. Outra apontava que um delegado da cidade de Mongaguá, no litoral paulista, dizia que tinha monitorado presos planejando ataques na cidade.
O governo de São Paulo afirmou que ambas as mensagens são falsas. Mas agentes e diretores de presídios — que pediram para não ser identificados — dizem que o respeito ao PCC e outras facções dentro das cadeias se dá principalmente por causa da violência. Quando isso não ocorre, eles perdem seguidores.
Eles citam como exemplo o crescimento das outras 12 facções que atuam no Estado de São Paulo além do PCC, como a Família do Norte, a Amigos dos Amigos (ADA) e o Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC). A maior parte dessas pessoas veio de outros Estados e estão absorvendo integrantes em presídios paulistas.
A pesquisadora Camila Nunes confirma que as bases pressionam por uma onda de violência, mas que esse tipo de comportamento é contido pelas lideranças principalmente por interesses econômicos. Especialistas dizem que o policiamento ostensivo causado pelos ataques em 2006 prejudicou o comércio de drogas em São Paulo durante meses.
“Em 2006, o PCC já tinha uma base no sistema prisional, mas ainda não tinha demonstrado sua presença e capilaridade. Hoje, eu vejo que isso é desnecessário para a sua base porque ela já está consolidada. Até por isso o PCC passou a adotar a estratégia do silêncio, sem chamar a atenção do Estado. Ela é economicamente muito mais adequada para a sua expansão e o lucro”, afirmou.
A pesquisadora diz que a facção trata as ações do governo como um jogo de xadrez. Seus líderes avaliam o que podem ganhar e perder por conta de cada uma das ações tomadas nos presídios e nas ruas.
Eles levam em conta a postura das autoridades, e avaliam se pode haver alguma negociação. “Mas eles têm algo a oferecer? Têm cartas para colocar na mesa? Se tiver, agora é o melhor momento para usá-las?” É fato que eles têm uma rede extensa com muitos jovens dispostos a matar em todas as regiões do país.
A questão é que a estratégia é diferente do Rio, onde eles costumam ir sempre para o tudo ou nada”, afirmou Dias.
Como ocorreu a transferência de líderes do PCC?
Na madrugada de quarta-feira (13), as polícias civil e militar, em conjunto com agentes federais, fizeram uma megaoperação para transferir Marcola e outras 21 pessoas para presídios federais. Eles foram enviados para unidades em Brasília, Rondônia e Rio Grande do Norte.
A megaoperação realizada nos presídios de Presidente Venceslau e Presidente Bernardes, no interior paulista, bloqueou rodovias, fechou aeroportos e envolveu centenas de agentes de segurança. Foram encaminhados para a região policiais da Rota — a tropa de elite da PM paulista —, helicópteros, caminhões da Tropa de Choque e diversos agentes de inteligência da Polícia Civil.
A operação ainda conta com soldados da Força Aérea Brasileira (FAB), Exército Brasileiro, Coordenação de Aviação Operacional e Comando de Operações Táticas da Polícia Federal, além da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Também participam agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O Governo de São Paulo informou que fez as transferências em cumprimento à decisão da Justiça após pedido do Ministério Público (SP). A Promotoria fez a solicitação no dia 28 de novembro de 2018, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
A decisão foi aceita pela Justiça na última semana. Em nota, o governo disse que “o isolamento de lideranças é estratégia necessária para o enfrentamento e o desmantelamento de organizações criminosas.”