O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, conectou as falas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a um trabalho “mais difícil” da autoridade monetária. Campos Neto concedeu entrevista a jornalistas em São Paulo durante apresentação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado nesta quinta-feira (27).
O documento mostra que o BC aumentou para 2,3% a projeção para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2024. Também prevê que a probabilidade de a inflação brasileira exceder a meta de 3% chega a 28% em 2024, 21% em 2025 e 17% em 2026 – ou seja, diminuirá ao longo do tempo.
Campos Neto relacionou a volatilidade causada por discursos do presidente da República à dificuldade na redução dos juros. “Não é uma opinião minha, é uma constatação. Quando olhamos o movimento de mercado em tempo real com os pronunciamentos [do presidente Lula], o que se mostrou é que em momentos de pronunciamento houve piora em algumas variáveis macroeconômicas e alguns preços de mercado”, especificou.
O BC se beneficia de expectativas positivas por parte dos agentes financeiros, tendo em vista o controle da inflação e outras variáveis macroeconômicas para definir a taxa básica de juros, a Selic. Campos Neto ressaltou que os juros de longo prazo aumentam a percepção de risco no Brasil – o que afasta os investidores.
“O nosso modelo trabalha muito fortemente pelo canal das expectativas. Quando você tem um prêmio [de risco] há uma influência no canal das expectativas, que influencia a potência do canal da política monetária”, explicou Campos Neto. Quando o presidente do BC menciona a expressão “prêmio de risco”, se refere à alta dos juros no médio e longo prazo no mercado financeiro.
Falas de Lula como, por exemplo, a que sugeriu “aumento de arrecadação” a investidores sauditas, elevaram o dólar a R$ 5,43. Para Campos Neto, discursos como este fazem com que o “trabalho fique mais difícil ao longo do tempo” na política monetária. Além disso, o dólar também tem impacto significativo na inflação.
Apesar da alta do dólar, o presidente do BC não enxerga a intervenção no mercado de câmbio como efetiva diante da desvalorização do real. Ele sustenta que a autoridade monetária só intervirá quando houver disfuncionalidade do mercado cambial, visto que o câmbio é flutuante. “Não fazemos intervenção de câmbio visando ou mirando nenhum tipo de nível ou com nenhum preço pré-determinado”, declarou Campos Neto.
Independência do BC é “bobagem”, menosprezou Lula
Neto do economista Roberto Campos, que comandou o Ministério do Planejamento no governo Castelo Branco (1964-1967) e foi um dos idealizadores do Banco Central, Campos Neto é formado em economia pela Universidade da Califórnia (UCLA). Atuou por mais de 26 anos no mercado financeiro. Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e apoiado pelo ex-ministro da Fazenda Paulo Guedes, assumiu a chefia do BC em 28 de fevereiro de 2019.
Em 2021, o Congresso aprovou e o governo sancionou a autonomia operacional da autoridade monetária. A lei estabeleceu mandatos para presidente e diretores com o objetivo de dar independência ao BC. Cada indicado fica no cargo por 4 anos. O mandato de Campos Neto encerra em 31 de dezembro de 2024.
O economista foi ostensivamente criticado por Lula e seus aliados petistas, que enxergavam Campos Neto como opositor político e defensor de Bolsonaro. A primeira crítica pública do chefe do Executivo ocorreu em 18 de janeiro de 2023, no mês em que assumiu o cargo máximo do país. Na ocasião, Lula vociferou que o BC independente é “bobagem” e queria mudar a meta de inflação.
As críticas diminuíram quando o BC começou a cortar os juros, com inflação a 3,16% no acumulado de 12 meses até junho de 2023 e projeção de 4,84% para aquele ano.