Após tumulto, Câmara adia votação do projeto “escola sem partido”. Relator mira “doutrinadores”

O projeto é considerado pelo Ministério da Educação (MEC) como uma maneira de intimidar professores e também é considerado inócuo, pela dificuldade de fiscalização e resultados

01/11/2018 00:29 Atualizado: 01/11/2018 00:29

Por Isabella Macedo, Congresso em Foco

Ficou para a próxima semana a votação do conjunto de projetos que ficou conhecido como “Escola Sem Partido” e “Lei da Mordaça” (Projeto de Lei 7180/2014). Uma reunião estava convocada para as 14h30 desta quarta-feira (31), mas foi impedida de seguir adiante após o início da ordem do dia no plenário da Câmara. Um princípio de confusão deu o tom dos debates antes do encerramento (veja fotos e vídeos abaixo).

A matéria seria votada em comissão especial nesta quarta-feira (31), como este site adiantou ontem (terça, 30). Segundo o regimento interno da Câmara, comissões não podem deliberar projetos com o início das discussões no plenário da Casa.

Além disso, desde o início da tarde, pessoas contrárias ao projeto – especialmente jovens – se dirigiram à Câmara para acompanhar a reunião. A entrada no próprio anexo da Câmara e a circulação na Casa foram restritas a servidores e pessoas credenciadas. A Polícia Militar estava em uma das entradas acompanhando a movimentação.

Mais cedo, o Congresso em Foco falou com o relator da matéria (vídeo abaixo), deputado Flavinho (PSC-SP). Ele minimizou mudanças operadas no texto principal e afirma serem poucas e pontuais. A principal alteração, afirmou, é o tamanho do cartaz que deverá ser afixado nas escolas, com seis “deveres do professor”.

Leia a íntegra do parecer.

“O professor não é um deus. Ele não é um senhor absoluto. Quando ele senta na sua cátedra, ele não é o senhor absoluto, ainda que seja no tema que ele é o especialista”, afirmou o deputado.

O novo texto também prevê maior alcance da lei e proibição a determinados termos (leia mais abaixo). Também estabelece que “valores de ordem familiar” têm precedência sobre a educação escolar em relação à educação moral, sexual e religiosa.

Veja o vídeo:

O projeto é considerado pelo Ministério da Educação (MEC) como uma maneira de intimidar professores e também é considerado inócuo, pela dificuldade de fiscalização e resultados. Perguntado, o relator afirmou desconhecer a posição do atual ministro da Educação, Rossieli Soares. O ministro afirmou na tarde de hoje que o Brasil não precisa do Escola Sem Partido.

Em entrevista à Agência Brasil, o ministro afirmou acreditar que não se pode ter partidarização na escola, mas que não é necessária uma lei para isso. “Já é proibido utilizar estruturas públicas, por exemplo, para propaganda política. A discussão da liberdade de cátedra do professor tem que continuar existindo, respeitando as regras que temos. Já existe uma série de leis [sobre isso]”, afirmou Rossieli.

Cartaz

O cartaz determina que os deveres do professor incluem não fazer “propaganda político-partidária” e apresentar questões políticas e socioeconômicas “de forma justa”, com “as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito”.

“Até então o cartaz grande, que seria afixado nas escolas. A gente diminuiu para uma folha A4, tamanho padrão, pelo custo e pela praticidade, para não gerar custos elevados para as escolas”, afirmou o deputado em seu gabinete no início da tarde de hoje.

Um dos exemplos citados pelo relator é a ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1984. Ele defende que, ao tratarem do tema nas escolas, também seja apresentada a versão daqueles que afirmam que não houve ditadura no país.

“Aquele professor vai tratar da questão da ditadura na sala de aula e ele tem de dizer o que pensam aqueles que são contrários e aqueles que pensam que realmente concordam que foi um momento importante, vamos dizer assim, como alguns de extrema-direita dizem. Se o professor tem o equilíbrio ético de apresentar aos alunos essas duas vertentes, não tem nenhum problema falar sobre ditadura na escola”, disse o deputado.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade reconheceu que pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram durante a ditadura militar no país.

O projeto tramita de forma conclusiva na Câmara dos Deputados, ou seja, se for aprovado, poderá ir direto para o Senado sem que o Plenário precise apreciar o texto. Contudo, há a possibilidade de requerimento, assinado por no mínimo 51 deputados, para que o texto vá ao Plenário da Casa.

Mudanças

O novo relatório, apresentado na noite de ontem (veja a íntegra do novo substitutivo) apresenta regras diferentes para escolas públicas e privadas. Segundo o texto, as mudanças seriam aplicadas em dois anos.

Estão mantidas proibições a professores das escolas públicas e privadas da educação básica, como promover suas opiniões, concepções, preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias. Também foi mantida a proibição aos termo “ideologia de gênero”, do termo “gênero” ou “orientação sexual”.

O novo texto também dá maior alcance à lei. Na versão anterior, a lei seria aplicada aos livros didáticos e paradidáticos; às avaliações para o ingresso no ensino superior; às provas de concurso para o ingresso na carreira de professor; e às instituições de ensino superior, respeitada a autonomia didático-científica das universidades. Agora, o novo texto prevê aplicação também às políticas e planos educacionais; aos conteúdos curriculares; e aos projetos pedagógicos das escolas. Se aprovada, a lei passará a valer para todo material didático, e não só aos livros.

Os professores terão ainda que respeitar o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam educação religiosa e moral de acordo com suas próprias convicções.

As escolas religiosas terão regras diferentes. As escolas particulares de orientação confessional e ideologia específicas poderão veicular e promover os conteúdos de cunho religioso, moral e ideológico autorizados contratualmente pelos pais ou responsáveis pelos estudantes.