O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, cassou decisão da Justiça Federal que condenava a União a pagar indenização de R$ 20 mil ao advogado e ex-deputado estadual Homero Marchese (Republicanos). Além disso, o ministro determinou que a conduta do juiz federal José Jácomo Gimenes seja objeto de apuração do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A condenação anulada por Moraes foi proferida na 1.ª Vara da Justiça Federal de Maringá (PR), na qual Gimenes é magistrado. Na decisão, o juiz determinou que a União pagasse o referido valor como indenização por danos morais a Marchese, devido a “erro procedimental” cometido pelo ministro do STF.
O erro envolveu a permanência do bloqueio do perfil no Instagram, no X (antigo Twitter) e Facebook de Marchese por seis meses, sem justificativa ou comunicação prévia ao ex-parlamentar. O juiz federal condenou o atraso no desbloqueio, que aconteceu apenas em maio de 2023. Na avaliação de Gimenes, o ex-deputado teve suas contas em redes sociais excluídas injustamente pelo STF no inquérito que tenta imputar “crime de fake news” a políticos, empresários e artistas – e tem Moraes como relator.
Para o magistrado da 1.ª Vara de Maringá, a indenização por dano moral é assegurada pela Constituição Federal e representa uma compensação, ainda que pequena, pela tristeza e dor injustamente infligidas contra quem foi cometido o ato ilícito.
“No caso dos autos, o dano moral restou evidenciado. O autor é pessoa política, com ampla rede de comunicação com milhares de simpatizantes. Com o atraso de quase seis meses, sofreu grande perda de comunicação, transtornos, constrangimentos e frustração consideráveis, situação que poderia ter sido resolvida com o imediato desbloqueio desde 24/12/2022″, explicou Gimenes na decisão anulada.
Anulação de Moraes foi baseada em pedido da AGU
O ministro do STF acolheu solicitação da Advocacia-Geral da União (AGU) para que a decisão que beneficia Marchese fosse cassada. O advogado-geral da União substituto, Flávio José Roman, número dois do órgão, acionou a Corte máxima com o argumento de que “críticas e desavenças” em decisões judiciais de primeiro grau “interferem diretamente” na condução do inquérito de Moraes, “desafiando as competências” do STF.
Ao justificar sua decisão, Moraes citou a AGU e alegou ser inadmissível e “impensável” que uma sentença coloque em dúvida a “legitimidade” na condução do inquérito que determinou o bloqueio das redes do então deputado.
“Ao qualificar e julgar as deliberações que compete exclusivamente a este supremo tribunal, no âmbito de inquérito em curso, o Juízo de primeira instância desafia não só a competência deste tribunal como também o modo de condução de processo que tramita na corte, circunstância essa que acarreta inequívoco prejuízo às investigações em curso”. (…)
“Fácil perceber que o objeto principal da demanda judicial proposta é questionar, ao fim, a legitimidade de atos conduzidos em processo ainda em andamento, o que não pode ser admitido. É impensável afirmar que decisão proferida em âmbito de Juizado Especial possa julgar o modo de condução e a legitimidade de atos judiciais tomados em processo em regular trâmite neste Supremo Tribunal”. (…)
“Determino, por consequência, a imediata extinção do referido processo, com remessa integral dos autos ao Corregedor Nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, para as providências cabíveis em relação ao magistrado José Jácomo Gimenes”.
(Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal)
Marchese denuncia “novo rei” e “regime totalitário”
Homero Marchese, que é professor de Direito Processual Civil e Direito Administrativo e também foi servidor concursado do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), não se surpreendeu com a decisão. Segundo ele, a atuação do STF em casos como este tem sido “muito previsível, como se seguisse o roteiro de um regime totalitário”.
Marchese apontou que a sentença de Gimenes em nenhum momento usurpa qualquer competência do Supremo, mas tão somente reconhece um erro judicial, como tantos outros reconhecidos cotidianamente pelo Judiciário brasileiro (prisão de homônimo, penhora de bem de terceiro, etc.).
Ao jornal Gazeta do Povo, o ex-deputado criticou e ironizou a situação, citando elementos históricos e conceitos jurídicos. “Aprendemos nos bancos da Faculdade que na origem do Direito Administrativo não havia responsabilização do Estado por atos de seus agentes. ‘The king can do no wrong’ [‘o rei não pode errar’, em tradução livre], se dizia. Isso foi completamente superado com o tempo, mas foi restabelecido no século XXI no Brasil, e por um novo rei”, ironizou Marchese.