O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, absolveu o morador de rua Wagner de Oliveira, de 50 anos, pelos atos de 8 de janeiro de 2023, em decisão monocrática publicada em 2 de setembro. Agora, os demais ministros devem deliberar sobre o caso, que ainda não tem data definida para julgamento.
A ação penal tramitava desde agosto do ano passado e marca a segunda decisão favorável de réus envolvidos nas manifestações consideradas “antidemocráticas”.
No entendimento de Moraes, restam dúvidas sobre a conduta dolosa de Oliveira na manifestação que resultou na prisão de centenas de pessoas, de todas as idades e classes sociais, que não tinham antecedentes criminais, e em condenações de 17 anos de reclusão.
“O Estado de Direito não tolera meras conjecturas e ilações do órgão de acusação para fundamento condenatório em ação penal, pois a prova deve ser robusta e capaz de afastar a odiosa insegurança jurídica, que tornaria inviável a crença nas instituições públicas”, destacou o relator.
O depoimento
Em seu depoimento, Oliveira afirmou que passou um mês nas instalações dos manifestantes no Quartel General (QG) para se alimentar e se abrigar.
No dia da manifestação, segundo seu relato, após almoçar, ele seguiu com a multidão até o Congresso Nacional. Quando o tumulto começou, Oliveira entrou no prédio público para se proteger do gás lacrimogêneo utilizado pela polícia.
Oliveira foi preso dentro do Palácio do Planalto e permaneceu detido por um mês no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. Desde então, ele estava usando tornozeleira eletrônica.
O homem foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de crimes relacionados à associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça com uso de substância inflamável contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.
“Inexiste qualquer elemento probatório que possa, sem dúvida razoável, comprovar a prática dos crimes imputados [pela PGR]”, disse Moraes na decisão assinada na sexta-feira (30).
A defesa de Oliveira ficou a cargo da Defensoria Pública da União (DPU). Em sua argumentação, a defensora Geovana Scatolino destacou a ausência de provas de autoria contra o morador de rua. Ela argumentou que, durante a ação penal, não foram apresentadas evidências, como vídeos, textos ou fotos, que demonstrassem qualquer ação do homem para promover, incentivar ou participar de um golpe de Estado.
“As provas que foram apresentadas na ação penal podem até servir na apuração das ‘fakes news’, do financiamento dos atos, mas não dizem respeito ao acusado”, disse.
Scatolino também destacou deficiências no auto de prisão em flagrante, utilizado como prova no processo.
Assim como os demais advogados que defendem os réus dos eventos de 8 de janeiro, ela ressaltou que os fatos descritos no documento não foram detalhados adequadamente e que todos os envolvidos foram presos e processados como se tivessem agido de forma homogênea e com intenções similares, ignorando as diferenças individuais entre eles. Desta vez, o argumento foi acolhido pelo ministro.
“De fato, apesar da materialidade do delito, no contexto de crimes multitudinários, estar comprovada nos autos, não restou suficientemente demonstrado que o réu Wagner de Oliveira tenha concorrido dolosamente, na qualidade de executor, para a consumação dos delitos ora apreciados”, afirmou Moraes.
De acordo com a investigação, as imagens das câmeras de segurança dos prédios públicos analisadas levaram à conclusão de que Oliveira não participou de ações consideradas criminosas.
Além disso, o DNA do acusado não foi encontrado em nenhum local onde houve invasão ou depredação.
Condenados e absolvidos
No contexto dos eventos de 8 de janeiro, até o momento, o STF condenou 227 pessoas e absolveu apenas duas, ambas na condição de moradores de rua.
Em março, por unanimidade, o STF absolveu o primeiro réu: Geraldo Filipe da Silva, de 28 anos. Ele se apresentou como serralheiro e afirmou viver há três meses nas ruas de Brasília.
No dia da manifestação, Geraldo foi preso em flagrante na Praça dos Três Poderes, acusado de colocar fogo em uma viatura da polícia.
Ele passou 11 meses detido no Complexo Penitenciário da Papuda, onde foi colocado em regime disciplinar, conhecido como “solitária”, em várias ocasiões, após relatos de outros presos de que teria incitado brigas com os demais detentos do 8 de janeiro.