O Brasil realizou eleições municipais em todo o território nacional no domingo (6). Em meio a polarização política, a disputa de 2024 é vista também como um termômetro para a decisão de 2026.
São Paulo, a cidade mais rica do continente presenciou um eleitorado dividido — sem que qualquer candidato conquistasse mais do que um terço dos votos. O Rio de Janeiro, cartão postal do país, reelegeu Eduardo Paes (PSD-RJ) em primeiro turno com uma coalizão abrangente.
Em quatro pontos, o que os dados das eleições municipais de 2024 dizem a respeito da política brasileira?
Apesar da presidência, PT mostra dificuldade nas grandes cidades
Apenas dois prefeitos foram eleitos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no primeiro turno em grandes cidades, aquelas com mais de 200 mil eleitores, Margarida Salomão, em Juiz de Fora (MG), e Marília, em Contagem (MG). Em 27 de outubro, outros 13 candidatos do partido disputarão o segundo turno.
São números similares aos que a legenda conseguiu nas últimas eleições municipais desde os escândalos divulgados pela Operação Lava-Jato. Houve um prefeito nas cidades grandes em 2016 e quatro em 2020.
O partido parece não ter recuperado o voto nos municípios desde os julgamentos por corrupção ligados à sigla. Em comparação, em 2000, 25 candidatos petistas foram vencedores nesses centros. Em 2004, foram 23 e em 2008, 28.
Em outra comparação histórica, as eleições de 2024 ocorrem dois anos após o PT assumir a presidência. Neste mesmo cenário, em 2004, o PT foi o partido mais votado na disputa municipal, vencendo o governo de 411 cidades. Desta vez, foram 248 prefeituras, podendo ainda conseguir outras 13 nos locais onde concorre no 2o turno.
Os petistas conseguiram menos da metade das prefeituras do Partido Liberal (PL) de Jair Bolsonaro e ficaram em 9o lugar nacionalmente.
A legenda não conquistou nenhuma capital no primeiro turno. Tampouco, qualquer prefeitura em 6 estados: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá.
PSD, MDB, PP — “Centrão” mostra força em novo cenário político
Após a redemocratização, o país se acostumou a ver PT, PSDB e MDB (Movimento Democrático Brasileiro), ainda com a antiga sigla — PMDB — dominarem a política nacional, com petistas e tucanos revezando a presidência e os estados, balizados pelo MDB no congresso nacional e nas cidades.
As eleições municipais de 2024 continuam a mostrar que as legendas mudaram.
O PSD, liderado por Gilberto Kassab, foi o grande vencedor do primeiro turno da disputa, chegando a 878 prefeituras. É a primeira vez em no mínimo 20 anos que outro partido supera o MDB, que conquistou agora 847, em prefeituras ganhas no primeiro turno. Comparando com 2016, o MDB conquistou 1029 cidades no primeiro turno. O PSD, naquela época, 538.
Mesmo com novas siglas, partidos do chamado “centrão” — que navegam a polarização entre PT e PL — mantiveram-se dominantes.
Atrás de PSD e MDB, o terceiro lugar nacional ficou com o PP (Progressistas), com 743.
PL de Bolsonaro e Valdemar ainda atrai multidões, mas pode precisar de alianças
PSD, MDB e outras legendas do “centrão” são os vencedores gerais do primeiro turno, mas nas cidades com mais de 200 mil eleitores, outro partido chama a atenção. O PL liderou nesta categoria de município, com 10 prefeitos eleitos no primeiro turno e outros 23 em condições de vencer no segundo.
A legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro também teve bom desempenho geral, com 510 prefeitos eleitos.
Pode ser parte de um processo histórico, com direitistas, identificados por muito tempo com o PSDB antes de profundas mudanças na política nacional, migrando para o PL.
Os tucanos, em 2016, conquistaram 28 prefeituras nas grandes cidades, cerca de 800 no total. Tinham ainda a jóia da coroa — elegeram João Dória para a prefeitura de São Paulo no primeiro turno.
Se o PL agora tem bons resultados, o PSDB daquela época é uma potencial fonte de eleitores. Entre as grandes cidades, o PSDB conseguiu agora somente duas prefeituras no primeiro turno de 2024, e apenas 5 candidatos disputam o segundo turno. Em todos os municípios, são 276 prefeitos tucanos eleitos até agora neste ano.
Enquanto isso, apesar do resultado, o Partido Liberal (PL) de Jair Bolsonaro e Valdemar da Costa Neto revela um cenário a ser analisado pela liderança da legenda e por opositores. O partido somou 15,7 milhões de votos para prefeitos no primeiro turno — mas levou menos prefeituras no total do que PSD, MDB, PP e União Brasil. Foi também insuficiente para assegurar um segundo turno na disputa pelo Rio de Janeiro, onde Bolsonaro historicamente encontra apoio.
Enquanto o número é condizente com a liderança nas grandes cidades, traz reflexões sobre a distribuição do eleitorado, e estratégias a serem adotadas para a disputa de 2026.
São Paulo: um polo fragmentado
São Paulo é a maior megalópole do Hemisfério Sul, e um polo continental para finanças, tecnologia e mais. A importante cidade teve votos fragmentados nos dois lados do espectro político. Não só haverá segundo turno, mas nenhum candidato conseguiu garantir sequer um terço do eleitorado.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) liderou a disputa com 29,48% dos votos, seguido pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) com 28,14% e que disputará o segundo turno com Nunes em 27 de outubro. Ambos acompanhados de perto pelo empresário Pablo Marçal (PRTB), que alcançou 28,07% dos votos. A deputada federal Tabata Amaral (PSB) chegou a 9,91%, em 4o lugar.
Com votação expressiva, Pablo Marçal adentrou as eleições tardiamente como um outsider. Apesar de críticas por sua metodologia de campanha, incluindo ter alegadamente falsificado um documento que acusa Guilherme Boulos de ser usuário de cocaína, o impacto de sua campanha é sentido pelo cenário político nacional.
Percebendo falta de convicção de conservadores no prefeito Ricardo Nunes — apoiado por Jair Bolsonaro — Marçal lançou candidatura com apelo à direita, mas sem o endosso do ex-presidente. Sua campanha é um testamento que sugere que a palavra de Bolsonaro não é hegemônica no eleitorado conservador e oferece fato novo a ser monitorado na política nacional.
À esquerda, Amaral também demonstrou não haver unanimidade no nome de Boulos, apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com passado de militância radical. A deputada declarou voto por “convicção” em Boulos no segundo turno.
Marçal diz que apoiará Nunes — com a condição de que o prefeito adote propostas do empresário.