A reforma tributária corporativa nos EUA e seu efeito dominó internacional

11/01/2018 22:37 Atualizado: 12/01/2018 22:53

Ao cumprir sua promessa de reforma tributária, o presidente estadunidense Donald Trump provocou sinais de alarme em outros países, preocupados com a forma como os Estados Unidos mais competitivo afetará suas economias.

A revisão fiscal nos EUA é uma oportunidade única que desencadeia o crescimento econômico, de acordo com os republicanos. Eles chamam o código tributário antigo de um sistema complexo, dispendioso e injusto que atende grupos especiais de interesse. Eles afirmam que o novo projeto de lei incentivará mais investimentos e criação de emprego.

“Mais produtos serão feitos nos EUA. Muitas coisas vão acontecer nos EUA”, disse Trump na Casa Branca em 22 de dezembro. “Nós vamos trazer de volta nossas empresas. Elas já começaram a voltar.”

O principal objetivo econômico da gestão Trump é aumentar o crescimento econômico dos EUA, que ficou limitado na faixa de 2% desde a crise financeira de 2008. A administração diz que um maior crescimento pode ser conseguido com a reforma tributária, que reduz a taxa de imposto corporativa de 35% para 21%, um nível competitivo globalmente.

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Os críticos dizem que a reforma tributária não desencadeará o crescimento, pois eles acreditam que as empresas dos EUA provavelmente usarão grande parte dos ganhos com os cortes de impostos para recompensar investidores com recompra de ações e dividendos.

No entanto, as reações em outros países contradizem as preocupações dos críticos.

A China e os principais países europeus estão preocupados com a mudança no cenário de investimento, uma vez que a lei de revisão fiscal tornará os Estados Unidos um país mais atraente para o investimento.

A União Europeia, em particular a Alemanha, deverá perder terreno na competição pelo investimento estrangeiro direto (IED). Os economistas alemães estão alertando que quantidades significativas de novos investimentos e empregos mudarão da Europa para os Estados Unidos.

“O movimento dos EUA desafiará o curso atual da política fiscal europeia e alemã. Sem uma resposta adequada, a Alemanha poderia se tornar um dos perdedores europeus na nova rodada de concorrência fiscal”, afirmou um relatório do Centro de Pesquisa Econômica Europeia (ZEW) e da Universidade de Mannheim na Alemanha.

Tanto a França como a Bélgica anunciaram recentemente cortes acentuados na taxa de imposto de seus níveis atuais para 25%.

Em 15%, a taxa de imposto corporativa alemã é relativamente baixa. No entanto, quando combinado com o imposto de solidariedade e os impostos subnacionais, a taxa total atinge quase 31%, de acordo com a Tax Foundation, um grupo de políticas independente e sem fins lucrativos baseado em Washington.

EUA, Trump, reforma fiscal, impostos - O presidente estadunidense Donald Trump assina a Lei de Reforma e Corte de Impostos no Salão Oval da Casa Branca em Washington, D.C., em 22 de dezembro de 2017 (Brendan Smialowski/AFP/Getty Images)
O presidente estadunidense Donald Trump assina a Lei de Reforma e Corte de Impostos no Salão Oval da Casa Branca em Washington, D.C., em 22 de dezembro de 2017 (Brendan Smialowski/AFP/Getty Images)

O estudo ZEW prevê que as empresas alemãs aumentarão seu investimento nos Estados Unidos após a reforma tributária. Daí os economistas estarem exortando o governo alemão a desenvolver uma estratégia para melhorar a competitividade da Alemanha.

Pequim também vê a revisão fiscal de Trump como uma ameaça significativa. A China está se tornando cada vez menos competitiva em termos de impostos e salários, e Pequim teme que a reforma fiscal faça os Estados Unidos serem mais competitivos. A reforma também fará com que os ativos dos EUA, como ações e imóveis, sejam mais atraentes para compradores estrangeiros novamente. Isso fortalecerá o dólar e punirá indiretamente o yuan, a moeda chinesa.

De acordo com uma reportagem do Wall Street Journal, funcionários chineses já estão trabalhando num plano de contingência para combater as reformas de Trump, aumentando as taxas de juros, apertando os controles de capital e microgerenciando a moeda enquanto intervêm nos mercados de câmbio.

Reforma tributária corporativa

Em comparação com outras nações da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os Estados Unidos tinham com o antigo código fiscal uma maior taxa de imposto corporativa, ou 35%, superando as taxas do Reino Unido, Canadá e Irlanda.

Além disso, os Estados Unidos tinham um imposto de 35% sobre os ganhos estrangeiros repatriados.

O antigo código tributário dos EUA criou assim um forte incentivo para que as corporações americanas movessem suas operações para países de baixa tributação e mantivessem seus ganhos estrangeiros no exterior. As empresas americanas estacionaram quase US$ 2,5 trilhões no exterior, de acordo com estimativas. Trump prevê que este montante seja de US$ 4 trilhões.

A reforma tributária, a ser implementada em 2018, reduz a taxa de imposto corporativa federal para 21%. Quando combinado com a média das taxas de imposto corporativo estadual e local, os impostos totais combinados nos EUA seriam de aproximadamente 26,5%, o que está abaixo da média ponderada atual da OCDE, 31,4%, de acordo com a Tax Foundation.

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Uma taxa de imposto corporativa menor restaurará a vantagem competitiva do país e nivelará o campo de jogo para as empresas dos EUA. Além de baixar as taxas, a reforma fiscal passa de um sistema de tributação mundial, que tributa os rendimentos obtidos em qualquer lugar do mundo, para um sistema territorial, apenas tributação dos rendimentos auferidos dentro do país de origem.

O sistema fiscal mundial existente tributa o rendimento estrangeiro das empresas americanas assim que esses ganhos são repatriados. Em contrapartida, num sistema de tributação territorial, as empresas seriam tributadas apenas por sua renda nos EUA e ficariam isentas de pagar impostos sobre a maioria dos ou todos os seus rendimentos estrangeiros.

Com a transição para o sistema territorial, haverá um imposto único a pagar sobre os lucros que as multinacionais americanas já acumularam no exterior. As taxas de repatriação corporativa seriam de 15,5% em dinheiro e 8% em ativos ilíquidos.

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(Fonte: OECD via NPR)

De acordo com o novo plano, as empresas também poderão deduzir 100% do custo de seus investimentos de capital no ano em que o investimento for realizado. Esta provisão, que será eliminada em cinco anos, deverá impulsionar os investimentos das empresas no curto prazo.

“Eu acho que isso será um dos principais aspectos da lei [de reforma fiscal], francamente. Acho que as pessoas ficarão absolutamente enlouquecidas sobre [o corte de] suas despesas”, disse Trump.

Várias empresas, incluindo a AT&T, Boeing, Sinclair, Wells Fargo e Comcast, congratularam a passagem da lei de reforma tributária pelo Congresso. Elas anunciaram novos investimentos, aumentos salariais e bônus para empregados.

Curva Laffer

Enquanto os republicanos e alguns economistas argumentam que a reforma aumentaria significativamente o crescimento econômico e elevaria os salários, os críticos têm dúvidas sobre os efeitos de crescimento da legislação, dado o grande déficit orçamentário. A teoria é que, à medida que os cortes de impostos levam a um déficit crescente, as taxas de juros aumentam e a quantidade de dinheiro disponível para o investimento na economia diminui.

Os republicanos rejeitam o argumento de que cortes de impostos aumentaria o déficit. Em consonância com a teoria da Curva Laffer, eles acreditam que os cortes de impostos acabarão aumentando as receitas.

EUA, reforma tributária, reforma fiscal, imposto, investimento estrangeiro direto - (Fonte: Tax Foundation)
(Fonte: Tax Foundation)

A Curva Laffer foi desenvolvida pelo economista Arthur Laffer para mostrar a relação entre as taxas de impostos e as receitas fiscais coletadas pelos governos. Laffer argumenta que altas taxas de impostos impedem o investimento empresarial e levam uma empresa a encontrar maneiras de proteger seu capital da tributação. Portanto, elevar as taxas de imposto para além de certo nível é contraproducente para aumentar as receitas fiscais, uma relação retratada pela curva.

De acordo com Kevin Hassett, presidente do Conselho de Assessores Econômicos, os Estados Unidos estão no lado errado da Curva Laffer e podem coletar mais receitas com uma taxa de imposto mais baixa.

A teoria da Curva Laffer tornou-se a pedra angular da política econômica do presidente Ronald Reagan, que resultou num dos maiores cortes de impostos na história. Durante o seu mandato, as receitas fiscais federais aumentaram de US$ 517 bilhões em 1980 para US$ 909 bilhões em 1988.

Código antigo prejudica empresas

Devido em parte ao código tributário antigo, os Estados Unidos perderam cerca de 4.700 empresas e US$ 510 bilhões em ativos comerciais entre 2004 e 2016, de acordo com um estudo divulgado pela empresa de consultoria Ernst & Young em setembro. O código tributário não competitivo contribuiu para o aumento das aquisições estrangeiras de empresas americanas.

A adoção de um sistema territorial e uma taxa de imposto menor revisariam essa tendência e aumentariam as aquisições transfronteiriças por parte das empresas americanas, afirmou o relatório.

As ofertas de fusões e aquisições permitem às empresas acessar novos mercados, novos canais de distribuição e novas tecnologias. Elas também podem fortalecer a contribuição de uma empresa americana para a economia dos EUA.

“À medida que uma empresa multinacional típica dos Estados Unidos expande suas operações no exterior, estima-se que, por cada 100 postos de trabalho adicionados no exterior, 124 empregos adicionais são criados no país pela matriz dos EUA”, afirmou o relatório.

O antigo código tributário também dificulta o investimento estrangeiro direto (IED) nos Estados Unidos, que contribui significativamente para a economia de um país. Ernst & Young estima que o IED interno, o investimento nos Estados Unidos, teria sido 14% maior se a taxa de imposto corporativa dos EUA tivesse sido competitiva.

“Os impostos e outras políticas governamentais nos países anfitriões são determinantes importantes das decisões de investimento das empresas”, afirmou o relatório da Ernst & Young.

“A reforma tributária dos EUA poderia ter um impacto significativo na atratividade dos Estados Unidos para o IED interno.”