Muitos observadores veem Xi Jinping, o secretário-geral do Partido Comunista Chinês, alternadamente ofendendo esquerdistas, direitistas e príncipes (os descendentes da geração fundadora da China comunista) e acreditam que ele ainda procura encontrar seu caminho. Esses observadores entendem mal a posição de Xi, que é de fato independente e superior a essas facções.
O Partido Comunista Chinês sempre reprimiu fortemente os liberais (conhecidos como “direitistas” na China), que defendem o constitucionalismo e a democracia. Quando Xi os suprimiu, se eles ficaram chateados ou não era irrelevante.
Os esquerdistas têm uma história de recorrerem a quaisquer meios pelos próprios interesses. Nos últimos anos, quando eles foram longe demais para o gosto do Partido Comunista Chinês, as autoridades os reprimiram. Mas os esquerdistas não viram isso como ofensivo. Eles apenas se ajustaram e se abstiveram de dizer coisas que as autoridades não querem ouvir, para que pudessem fazer um retorno.
Agora, embora o ex-membro do Politburo e líder esquerdista Bo Xilai tenha sido preso, o website do movimento político Utopia ainda está funcionando. E enquanto os esquerdistas continuam criticando os valores universais, a democracia constitucional com capital estrangeiro e outras forças anti-China; eles continuarão a sentir que são de alguma forma úteis e tomarão a iniciativa de se aproximar de Xi Jinping.
Em verdade, apenas o apoio dos príncipes importa, pois eles poderiam realmente afetar a política de Pequim. Quando os fundadores da República Popular da China (RPC) estavam vivos, em alguns períodos críticos, eles poderiam até mesmo influenciar as escolhas políticas das mais altas autoridades, como em 1978.
No entanto, se os príncipes – a segunda geração vermelha, a qual os príncipes e descendentes dos anciãos de alto escalão pertencem – apoiam ou não Xi Jinping, isso não importa mais. A recente conferência que marca o centenário de nascimento do pai de Xi Jinping, Xi Zhongxun, considerada um divisor de águas, provou isso.
Xi ascendente
Os descendentes da elite chinesa mostraram sua submissão ao secretário-geral ao participar do evento, mesmo que alguns se sentissem insatisfeitos.
Xi Zhongxun foi um líder-chave durante a Revolução Cultural. A comemoração dos 100 anos de sua data de nascimento foi organizada por Xi Jinping pessoalmente, por isso incluía tanto as esferas públicas e privadas.
Os participantes do evento no Grande Salão de Pequim naturalmente vinham dos altos níveis da sociedade. Vários filhos de estadistas seniores (inclusive os aliados de Bo Xilai) participaram da celebração, para mostrar sua fidelidade ao novo monarca. Os descendentes da elite chinesa que não foram convidados ficaram desapontados.
Por meio desta celebração, Xi Jinping demonstrou que possui a autoridade sólida e inegável que nem os ex-líderes Jiang Zemin e Hu Jintao tiveram. A ditadura pessoal de Xi Jinping substituiu a era da “liderança coletiva” de seu antecessor Hu Jintao.
Entre os descendentes da elite chinesa, Xi é considerado um dos mais jovens. Em poucos anos, estes descendentes da elite, que ainda servem no governo ou Exército, terão passado dos 70 anos. A influência deste círculo enfraquece cada vez mais à medida que se aposentam ou morrem.
A terceira geração vermelha está apenas começando na política nos escritórios de condado e subindo. Eles ainda têm um longo caminho a percorrer em relação aos níveis provincial e ministerial na hierarquia política.
Se a segunda geração quer que a terceira geração os suceda sem problemas e continue a ter influência política, eles definitivamente não podem antagonizar Xi Jinping e deve humildemente servi-lo como um representante dos descendentes de funcionários de alto escalão.
Mentalidade principesca
A ênfase principal da bandeira-slogan de Xi, chamada de ‘Sonho Chinês’, ainda é que o país enriqueça e que as forças armadas se tornem mais fortes – é o mesmo que no tempo de Mao.
Xi espera limpar a “poluição espiritual” e unificar a opinião pública, segundo o “estilo de Mao” de pensar. O “Sonho Chinês” também é dirigido contra a ideologia ocidental para ajudar a manter a ditadura de partido único.
A campanha anticorrupção de Xi Jinping visa a corrupção séria na burocracia. Tudo isso deixa um ponto claro: Xi Jinping deseja usar o regime de ferro de Mao para proteger a China do capitalismo de compadrio.
No entanto, os príncipes acreditam que devem ter o direito de desfrutar da riqueza do capitalismo de compadrio, mas que os burocratas com histórico civil não devem. Embora os jornais do Partido Comunista Chinês e outros porta-vozes não revelem essa atitude, isso se tornou muito evidente no segundo mandato de Hu Jintao e Wen Jiabao, quando os descendentes da elite chinesa se tornaram muito ativos na política de Pequim.
Em março e abril de 2010, o Financial Times britânico publicou sucessivamente vários artigos sobre os príncipes da China, incluindo “Veteranos de sangue quente versus arrivistas implacáveis”.
Uma seção no último destacou o conflito entre os novos e antigos príncipes: “O termo ‘príncipe’ foi cunhado para se referir especificamente aos filhos de altos líderes da revolução comunista na China – os veteranos que se juntaram a Mao Tsé-tung na lendária Longa Marcha ou que eram membros do círculo interno no momento da vitória comunista de 1949.”
“Hoje, isso é usado mais amplamente para incluir os descendentes das gerações posteriores de líderes tecnocratas [as duas gerações de Jiang Zemin e Hu Jintao], mas uma distinção permanece entre eles e as verdadeiras famílias de ‘revolucionários de sangue vermelho’… especialmente porque há um precedente recente de líderes seniores reprimirem as atividades empresariais de filhos de seus predecessores.”
“Quando ele consolidava seu poder no início de 1990, o ex-líder chinês Jiang Zemin fechou empresas e prendeu uma série de executivos com laços estreitos com os filhos de Deng Xiaoping.”
O artigo também observou: “A velha realeza revolucionária, como a família de Deng Xiaoping, ainda é intocável e considera que este país lhes pertencente sem sombra de dúvida.”
O repórter afirmou que a informação foi fornecida por fontes do círculo interno em Pequim. Eu acredito, porque somente pessoas neste círculo desprezam as autoridades nascidas como tecnocratas tão intensamente.
Evidências dessa querela são encontradas observando-se os convidados da recente comemoração do centenário. Muitos descendentes de famílias revolucionárias estiveram presentes, incluindo a viúva e o filho de Gao Gang, que foi expurgado por Mao há muito tempo.
Xi Jinping tem uma sensação de afinidade com eles. Por outro lado, nenhuma mídia informou sobre novos príncipes receberem convite para a atividade. Se houvesse, a mídia de Hong Kong não teria perdido isso.
O Semanário Popular do Sul publicou uma entrevista em 6 de novembro com o filho do marechal Chen Yi, Chen Xiaolu, e com a filha de Ma Wenrui, Ma Xiaoli, que nos últimos anos se tornou uma representante ativa da prole da elite da China devido a seus laços estreitos com a família de Xi Jinping.
Aqueles que o Financial Times chamou de “novos príncipes”, Ma Xiaoli se referida como a “segunda geração de oficiais”, dizendo: “Nós não somos como eles; uma linha deve ser traçada!” “A maioria dos descendentes da elite chinesa têm pouco poder ou dinheiro!” “Nós também odiamos a corrupção e os selvagens e arrogantes oficiais da segunda geração. Não podemos deixar essas pessoas arruinarem o Partido Comunista.”
Missão de Xi
Ao compreender a mentalidade da prole da elite chinesa, entende-se que a missão de Xi Jinping é preservar a ditadura de partido único. Suas campanhas anticorrupção têm como alvo principal a burocracia e são necessárias para manter a capacidade do Partido Comunista Chinês (PCC) de governar.
O PCC fez isso antes. Mesmo nos últimos 10 anos ou mais, ele demitiu dezenas de funcionários provinciais e ministeriais de origem civil, alguns até mesmo provenientes de famílias empobrecidas.
Quanto à crença do mundo exterior que Xi está oscilando para trás e para frente entre esquerdistas e direitistas, esta observação é superficial. Eu acredito que este é a forma de Xi advertir as diferentes facções políticas que apenas ele decidirá o futuro caminho político da China, que ele sabe o que está fazendo e que ninguém deve tentar influenciá-lo.
No entanto, a política de Pequim afeta apenas funcionários de alto escalão. Afinal de contas, os governos locais são administrados por funcionários com origens civis e esses burocratas não sentem que o PCC é sua própria carne e sangue como a elite chinesa sente. Eles entraram no PCC por seus próprios interesses, tornando-se “oficiais nus”, ou seja, fazendo muito dinheiro e enviando suas famílias e fortunas para o estrangeiro. Como Xi Jinping conseguirá conduzir este comboio político extremamente corrupto é um grande problema.
O verdadeiro inimigo de Xi, de fato, é o sistema político que produz funcionários corruptos incessantemente. E este sistema político é o regime vermelho que ele e os descendentes da elite se esforçam para proteger a todo custo. Não há qualquer maneira de Xi Jinping alterar o funcionamento desta enorme máquina burocrática tentando preservá-la. Em última instância, ele é apenas um servo do sistema político.
He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea