A muito discutida compra do WhatsApp pelo Facebook esta semana deveria nos proporcionar uma pausa para reflexão sobre as agendas reais por trás dessas aquisições monopolistas no mundo da tecnologia.
Está claro que, com os usuários do Facebook envelhecendo, o mercado adolescente é algo que deve ser comprado para capturar a próxima geração.
Fica claro também que, da mesma forma que os serviços de mensagens da Microsoft ou Blackberry, esta é uma tentativa do Facebook de monopolizar nossa conversa “livre” na internet num único aplicativo. Isto obviamente contraria o apelo multiplataforma de e-mail ou SMS. Mesmo que o Facebook adie colocar publicidade nesta plataforma de mensagens (por 1 ou 2 anos), ele ainda terá acesso a todos os metadados de conversas adolescentes, tão valiosos para eles na segmentação de sua publicidade para nós no próprio Facebook.
Mas olhemos um pouco mais profundamente e há traços perturbadores das atividades das autointituladas elites neoliberais, uma classe em si mesma continuamente tentando assegurar que o mundo seja executado segundo seus melhores interesses. Os metadados sobre nossos relacionamentos nas redes sociais, tão valiosos para Zuckerberg e seus anunciantes, são, como temos visto recentemente com muita clareza, também extremamente valiosos para as agências de segurança nacional nos EUA e Reino Unido. Isso nos dá uma representação extremamente detalhada que apenas a Big Data pode oferecer sobre a forma, tendências, mudanças e movimentos das sociedades: essas entidades amorfas que neoliberais outrora descartaram como irrelevantes para as necessidades do mercado. Ah, é claro, e a possibilidade de espionar sobre terroristas desagradáveis, como eles continuam nos lembrando.
Podemos ter uma visão ainda mais clara sobre esta última aquisição observando Peter Thiel, um agente por trás de Zuckerberg. O fundador do Paypal transformado em capitalista de risco, Thiel foi o primeiro grande investidor do Facebook em 2004, e ainda faz parte do conselho da empresa.
Como estudante, Thiel foi ensinado pelo filósofo francês René Girard (e agora financia a organização Imitatio que promove a obra de Girard). Girard é famoso por sua afirmação de que todo o comportamento humano é baseado na imitação – sua teoria mimética – e que todo o conflito, bem como as tentativas de amenizá-lo, deriva dessa imitação. Girard atribui status científico objetivo a sua teoria mimética, enquanto ao mesmo tempo baseia tudo em referências bíblicas e interpretações do Novo Testamento.
Como você pode ver a partir deste vídeo de Thiel sobre a influência de Girard em sua vida, o capitalista do Facebook acredita que os seres humanos agem como um “rebanho”, e que seu sucesso vem de adivinhar a mentalidade do rebanho, inovando em espaços distintos aos dos movimentos do rebanho, e assim ficando um passo à frente.
Em face disso, redes sociais como o Facebook e suas recentes aquisições – Instagram e WhatsApp – são lugares onde podemos conversar com a família e amigos e compartilhar fotos de gatinhos e nossos jantares. Mas elas acabam de fato sendo máquinas sinistras de coleta de dados, em que agências governamentais sombrias e elites bilionárias perscrutam as intimidades de nosso comportamento de “rebanho” em suas tentativas de manter o controle social e a vantagem competitiva.
Muitos profissionais de marketing que eu conheço e que lidam com esse tipo de coisa não têm perfis no Facebook, pois sabem o que é feito com seus dados e querem que suas vidas sejam mais privadas do que isso. Todos nós devíamos seguir os seus conselhos – ou talvez apenas continuar nos movendo com o rebanho?
David Kreps é palestrante sênior sobre Sistemas de Informação, Organização e Sociedade na Universidade de Salford (OSUS). Ele recebe financiamento do Fundo Social Europeu, do Programa-Quadro 7 da Comissão Europeia, do Conselho Estratégico de Tecnologia do Reino Unido e do Conselho de Pesquisa de Artes e Humanidades do Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente pelo The Conversation