O Banco dos BRICS, o conflito entre Israel e Hamas, o avião abatido na Ucrânia, a tentativa do governo Dilma Rousseff de solapar a Constituição e criar os Conselhos Populares. São notícias dos últimos dias que, ainda que aparentemente desconexas, servem para ilustrar o momento político em que vivemos, provavelmente um dos mais instáveis dos últimos dez anos.
Depois da desintegração do bloco soviético, a ideia de que o comunismo e o conflito político ideológico entre blocos tiveram fim com a queda do Muro de Berlim foi amplamente difundida pela mídia e pelos meios acadêmicos. O pragmatismo se tornou palavra de ordem tanto nos meios políticos domésticos quanto no cenário global. Qualquer objeção a essa noção de mundo sem fantasmas era, e de certa forma ainda é, rapidamente contestada pelos otimistas que pregam que a conciliação e a cooperação resolverão todas as diferenças entre os atores do sistema internacional.
Essa movimentação pode ser percebida pelas ações dos países governados por partidos socialistas e com democracias frágeis ou ditaduras, que se articulam em varias frentes em prol de uma agenda comum. Em toda a parte, grupos e países se organizam de acordo com a lógica ideológica da Guerra Fria.
Mas por que isso, passados mais de 20 anos da reunificação da Alemanha e do fim do Bloco Soviético? O comunismo e ideologias afins não haviam desaparecido depois da desintegração da URSS?
A verdade é que os comunistas nunca saíram do poder. Quem desintegrou a União Soviética foram os próprios membros do Partido, pois aquela estrutura havia se esgotado e a melhor saída, caso pretendessem permanecer no poder, seria acabar com o monstro soviético e renovar o aparato do Estado. As antigas lideranças retalharam o maquinário do Estado entre si e a antiga ditadura deu lugar a uma bilionária oligarquia política. O atual primeiro ministro Vladimir Putin, por exemplo, foi membro da KGB. Roman Abramovich e Boris Berezovsky são dois dos vários nomes que cresceram na esteira das privatizações para compadres da Perestroika. E se observarmos o fato de que todos os nomes do atual governo russo estão no poder desde os anos 90 e são todos remanescentes do governo soviético, a conclusão óbvia é de que quem caiu foi o Estado Soviético, e não os comunistas.
Os demais países que hoje desafiam a hegemonia dos países desenvolvidos também têm suas bases fundamentadas na ideologia socialista. Ou são regimes totalitários remanescentes do século passado como Cuba, Angola e China ou são aspirantes como Venezuela, Argentina e Bolívia. E por mais distintos que pareçam, eles parecem firmes no propósito de retomar o enfrentamento ao capitalismo – com outro nome, é claro.
Uma das armas é o Banco dos BRICS, e a tentativa é clara: fazer frente ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse novo fundo que surgiu com o objetivo de ceder empréstimos para nações em desenvolvimento com condições mais flexíveis do que o FMI não passa de um canal oficial para financiar ditaduras pelo mundo. Com uma instituição dessas, o governo brasileiro não precisará mobilizar recursos do BNDES para esses governos autoritários, basta apenas liberar um empréstimo. A Rússia não precisará se expor ao mundo quando financiar algum governo, já que pode liberar recursos de um fundo oficial aparentemente complementar ao FMI.
Como citado anteriormente, o caso do avião da Malaysia Airlines abatido na Ucrânia também se insere nesse segundo ato da Guerra Fria: o avião foi derrubado por rebeldes separatistas pró-Rússia. O presidente Vladimir Putin nega, mas todos sabem que os grupos separatistas só surgiram depois da queda do presidente Viktor Yanukovich, com uma reação violenta à tentativa dos ucranianos de se livrarem do jugo de Moscou e se integrarem à Europa Ocidental. É de domínio público que os rebeldes recebem apoio financeiro e logístico da Rússia. O governo americano afirmou, inclusive, ter provas de que o voo MH17 foi derrubado utilizando o sistema Buk, um sistema tão sofisticado que não pode ser obra exclusiva de grupos rebeldes, uma vez que demanda treinamentos militares e consideráveis gastos financeiros. Considerando que a Rússia já sofre sanções econômicas por parte de Estados Unidos e Europa, é quase certo que o governo de Putin terá que arcar com novas punições.
E é justamente o autoritário Putin, o homem que planeja resgatar as glórias da Mãe Rússia baseado nos preceitos do Eurasianismo, um dos maiores entusiastas do projeto bolivariano em andamento na América Latina. O russo vê com bons olhos a tentativa do Foro de São Paulo de implementar um governo de inspiração socialista governado a partir de Havana. E na mesma região, a presidente Dilma Rousseff tenta recriar os conselhos populares no Brasil, uma espécie de soviete tupiniquim.
Ignorar a movimentação desses governos no sentido de implementar a agenda socialista não é só subestimar um grupo obstinado e com objetivos bem definidos como também se trata de ignorar o fato de que, por vezes, alguns fatos são reproduzidos pela história em outras circunstâncias. Dentre os homens que hoje se articulam em prol dos países pobres temos gente como Nicolás Maduro, sucessor de Chávez e inimigo das liberdades individuais, Evo Morales, que fez o relógio andar para trás e que reduziu a idade do trabalho infantil na Bolívia para dez anos ou José Eduardo Santos, presidente de Angola há quase 35 anos e por coincidência pai da mulher mais rica da África. Esse bloco poderoso que emergiu nos países em desenvolvimento e que leva a ideologia como guia para suas ações no cenário global tem tudo para resgatar novamente a Cortina de Ferro, porém desta vez ela não se restringirá à Europa: ela ocupa quase a metade do globo. Uma nova era de incertezas se descortina para o homem do século XXI.
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