Quinta-feira (13) tivemos em todo o país comemorações sobre os 50 anos do famoso comício do ex-Presidente João Goulart na Central do Brasil, onde ele apresentou para a população uma série de propostas de reformas, cujo conjunto ficou conhecido como “Reformas de Base”. Embora eu tenha sempre ouvido muito falar disso, principalmente por conta da versão oficial da história de que essas reformas teriam sido uma das principais causas para a destituição do ex-Presidente na Revolução/Golpe de 1964, eu nunca tinha efetivamente me aprofundado nas propostas concretas do documento.
Então eu resolvi pesquisar e achei a mensagem do ex-Presidente ao Congresso Nacional no site do Instituto João Goulart, e fiquei muito surpreso ao constatar que praticamente todas as reformas foram postas em prática, muitas delas durante o próprio Regime Militar. Vamos recapitulá-las:
(i) Reforma universitária: a reforma universitária feita pelos militares através da Lei nº 5540/68 concedeu ampla autonomia para as universidades brasileiras, a ponto de se tornarem, hoje, o principal foco de pensamento de esquerda no Brasil. Coincidência ou não, é justamente o governo petista que mais tem intercedido na universidades brasileiras, principalmente através das regras do CAPES;
(ii) Reforma na divisão de funções administrativas: uma das principais queixas do então Presidente Goulart era o engessamento do Poder Executivo, e nas reformas de base ele propõe o aumento da função legislativa do Executivo com uma abertura e relativização do instituto da Delegação Legislativa. Os militares foram muito além ao restabelecerem o Decreto-Lei, e a nossa “democracia” hoje vê um poder extremo do Executivo sobre o Legislativo, especialmente através das figuras dos mensalões (ou simples indicação de cargos) e Medidas Provisórias;
(iii) Reforma bancária: João Goulart propôs a criação de um Banco Central para controlar a economia e o sistema bancário. Os militares criaram o Banco Central através da Lei nº 4.595/64, ainda no primeiro ano da Revolução/Golpe de 64. O sistema bancário brasileiro foi marcado até metade da década de 90 como um dos mais não-confiáveis e inflacionário, com essa fama voltando recentemente;
(iv) Reforma das telecomunicações: João Goulart pretendeu centralizar todas as decisões relativas a telecomunicações no Brasil em um plano nacional gerido por um órgão federal. Os militares criaram o sistema Telebras exatamente como Jango queria, através da Lei nº 5.792/72. Após as reformas do PSDB, o controle do sistema é feito hoje pela ANATEL;
(v) Crime de sonegação fiscal: uma das reformas pretendidas era a tipificação do crime de sonegação fiscal, o que ocorreu com a edição da Lei no 4.729/65, já no segundo ano do novo Regime;
(vi) Monopólio da importação do petróleo: foi alcançada com a promulgação da Constituição do Regime Militar de 1967;
(vii) Reforma política: o partido de Jango queria uma reforma política que abarcasse o direito de voto aos analfabetos, conseguido com a promulgação da Carta de 1988;
(viii) Reformas administrativas e de diversos códigos: são poucas as Codificações pré-64 que ainda permanecem em vigor no Brasil, e os que ainda persistem possuem mudanças dramáticas (Código Penal e de Processo Penal, por exemplo) ou estão praticamente esvaziados (Código Comercial). O único grande código que ainda persiste atrasado no tempo no Brasil é justamente a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), justamente a mais querida do movimento político de esquerda;
(ix) Reforma agrária: a Constituição de 1988 praticamente enterrou o conceito de direito de propriedade com a sua relativização através da sua função social, que era justamente a principal proposta de João Goulart, havendo uma escalada de conflitos no campo desde então. A reforma agrária hoje é uma indústria controlada pelo governo e por grupos de pressão ligados aos “sem-terra” (mas com cargos políticos) com baixíssima produção agropecuária.
Resta evidente que as Reformas de João Goulart ainda pautam a política brasileira, mas não para o bem. A implementação dessas agendas atrasou e atrasa até hoje o desenvolvimento econômico e social do país, pois é pautada na ideia de que o Estado deve ser o dirigente da economia e da moral da nação, quando são os indivíduos e a sociedade civil organizada e espontânea que devem ser o baluarte do progresso nacional. O resultado é um Estado inchado, aparelhado por políticos e grupos de interesse, burocrático e sem liberdade econômica.
E o mais interessante é ver que grupos tanto de esquerda quanto de direita que estiveram no poder continuaram defendendo e implementando essa agenda sem maiores debates ou considerações. Meu palpite sobre esse fenômeno é que o debate político brasileiro simplesmente não existe e que essas ideias são, até hoje, hegemônicas, refletindo a vontade da sociedade política brasileira. É justamente para mostrar outro caminho que precisamos urgentemente reintroduzir com força no debate político nacional as ideias liberais. A vitória de Jango é a derrota do cidadão brasileiro.
Bernardo Santoro é Mestrando em Direito (UERJ), Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política da Faculdade de Direito da UERJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal
Esse conteúdo foi originalmente publicado no portal do Instituto Liberal