Nos últimos meses, as autoridades chinesas têm atacado com força o que chamam de “rumores” e aqueles que os propagam na internet. Rumores são uma ameaça à estabilidade social, dizem os funcionários da censura e propaganda do Partido Comunista Chinês (PCC), por meio dos vários jornais, websites e emissoras de televisão que controlam.
Mas e se os próprios porta-vozes do regime chinês são culpados de espalhar boatos, da mesma forma como acusam os outros?
Xia Yeliang, um professor de economia na prestigiada Universidade de Pequim, na capital da China, disse que estava preparado para colocar a ideia à prova, numa postagem recente em sua conta de microblogue.
Hu Xijin, o editor-chefe do Global Times, um jornal estatal nacionalista, havia afirmado num editorial que Xia Yeliang falhou em passar numa avaliação de ensino no ano passado (acrescentando também que “as crenças políticas liberais” de Xia eram “muito extremistas”).
Xia, na verdade, passou na avaliação. Ele disse que a sugestão de Hu de que ele não se qualificaria era “um boato malicioso e difamação” e afirmou que um processo judicial não estaria fora de questão.
Em particular, o editorial do Global Times foi compartilhado mais de 500 vezes e visualizado por mais de 5 mil internautas. Estes dados numéricos são importantes, porque o Supremo Tribunal Popular e a Suprema Procuradoria Popular emitiram uma interpretação judicial recentemente, estipulando que as pessoas serão processadas por difamação se seus rumores publicados online forem compartilhados ou visualizados tantas vezes.
Os internautas foram rápidos em se manifestar em defesa de Xia, argumentando que, sob as novas diretrizes do PCC, seu jornal porta-voz, o Global Times, deveria ser punido por espalhar rumores.
Xia enviou outra mensagem recrutando advogados, que explorariam maneiras de processar Hu Xijin.
Xia Yeliang foi nomeado um dos 100 intelectuais públicos chineses mais influentes entre 2009-2013 e esteve também recentemente no centro de uma polêmica entre a Universidade de Pequim, a liderança chinesa e o Wellesley College, uma universidade privada em Massachusetts, EUA.
A universidade de Xia na China ameaçou realizar uma votação na faculdade sobre se ele deveria ser expulso por suas opiniões errantes sobre o valor da democracia e do estado de direito. O gesto tem a marca clara da liderança central, que está atualmente envolvida numa campanha para extinguir o desenvolvimento de ideias democráticas na China. Em resposta, quase um terço da faculdade Wellesley College disse que exigiria a cessação de todas as parcerias com a Universidade de Pequim se Xia fosse expulso.
Xia não é o único a ser colocado sob tremenda pressão. Desde o começou da recente repressão aos boatos na internet, várias centenas de internautas chineses foram presos em apenas uma semana no mês de agosto, segundo o Semanário do Sul.
Mas os internautas, como Xia, estão fazendo pressão também.
A postagem de um blogueiro no Club.kdnet.net, um fórum popular online, se tornou viral. Ela era intitulada “Eu colecionei uma lista de rumores na internet, por favor, puna o responsáveis de acordo com a lei” e era composta por imagens de notícias da mídia estatal que posteriormente se revelaram falsas. Um dos exemplos ilustrava que, em 2006, o Ministério da Saúde negou que a China usasse órgãos de condenados à morte sem consentimento, mas admitiu em 2012 que os órgãos de condenados à morte eram a principal fonte de órgãos (90%) da indústria de transplante na China.
O Prof. Xia disse que não estava otimista que Hu fosse levado à justiça. “Embora seja improvável que isso ocorra na China, se a interpretação judicial for publicada, isso se aplicaria a todos”, disse ele em entrevista à NTDTV.
Xia retornou à China em 30 de agosto, após concluir seu ano como professor-visitante na Universidade de Stanford. Ele disse a Deutche Welle que a situação nos campi da China está piorando, em comparação ao ano passado. “A atmosfera é tensa e está voltada para a esquerda. Posso sentir uma atmosfera como a Revolução Cultural.”
Ele também disse que está decepcionado com a nova liderança do regime chinês. “[A China] regrediu ainda mais politicamente. A linguagem e a ideologia da Revolução Cultural estão de volta agora”, disse ele em entrevista à Rádio France Internationale.
“Em muitos lugares, há sessões de doutrinação política para estudar o marxismo”, disse ele. “A repressão de ‘rumores’ na internet destina-se a restringir a liberdade de expressão e a limitar o espaço de diálogo.”
Mas ele disse que não tem medo. “A China está agora num ponto crítico na história. Mais do que nunca, os membros da Universidade de Pequim devem falar e dizer o que as pessoas esperam dos intelectuais”, disse ele à Deutsche Welle.
Historicamente, a Universidade de Pequim era conhecida por sua liberdade de pensamento. Ela foi o centro de um novo movimento cultural na China e de muitos outros movimentos políticos modernos.
“Se a Universidade de Pequim está com medo de falar, que tipo de universidade é essa?”, questionou ele. “Ela terá perdido sua alma e espírito, a Universidade de Pequim estaria morta.”