Tivemos várias notícias, ao longo dessa semana, sobre jovens organizados buscando fazer “justiça” com ataques a praticantes de crimes ou minorias raciais e sociais. Como sempre, vemos a esquerda rasa defendendo bandidos sem nenhum pudor, e vemos a direita defendendo justiceiros sem maiores reflexões. Vamos tentar aqui fazer uma análise do tema.
Um dos principais objetivos do sistema jurídico é a promoção da segurança. E essa ideia de segurança não é só contra a violência física não, é uma ideia de segurança em sentido lato, incluída a ideia de que a Lei deve ser justa, isonômica e eficaz.
Mas a Lei, e isso deve ser deixado claro, nunca trouxe uma exigência de exclusividade de promoção da segurança pelo Estado. É dever do cidadão se defender de maneira privada, e aqui cabe um destaque, com proporcionalidade.
Apenas à guisa de exemplo, cidadãos comuns podem, no Brasil, praticar legitima defesa em causa própria e perante terceiros. Cidadãos comuns tem até mesmo direito a dar voz de prisão se testemunharem um crime.
Essa necessidade do cidadãos terem o poder de praticar tais atos vem da mesma lógica pela qual o mercado costuma ser superior ao Estado: assim como as informações das necessidades sociais são dispersas, o que faz com que agentes econômicos descentralizados do mercado (empreendedores) sejam mais eficientes na prestação de bens e serviços que agentes econômicos centralizadores (burocratas), também a ocorrência de atos criminosos se dá de forma dispersa, o que faz com que agentes protetores descentralizados sejam mais eficientes na prestação de segurança que agentes protetores centralizados.
E não estou aqui dizendo que a Polícia centralizada não é importante, estou dizendo apenas que ela não é suficiente, dada a sua própria lógica organizacional.
O problema é que, assim como na economia se exige que os empreendedores tenham algum nível de treinamento no que fazem para que sejam eficientes, também na promoção descentralizada de segurança seria necessário algum nível de treinamento. No entanto, é política de Estado hoje que o treinamento de situações de combate se dê de maneira quase exclusiva para agentes públicos, e o cidadão comum, que poderia ter acesso a porte de arma, treinamento de uso e ensinamento de ética (focando na ideia de que o uso tem de ser parcimonioso e proporcional), acaba não tendo essa opção, e frente a inaptidão do sistema central de proteção policial e da escalada da violência, termina por exagerar na reação e usar de meios desproporcionais de proteção (como foi o bizarro caso de se prender um jovem assaltante pelo pescoço e pelado, inaceitável em qualquer ambiente de Estado de Direito).
O resultado desse arranjo é uma polícia excessivamente exigida (o que gera estresse e violência desproporcional), uma população destreinada e acuada e uma bandidagem que é ao mesmo tempo livre para praticar crimes sem maiores incômodos, mas que, em casos isolados em que são pegos, são tratados de forma desumana, seja via institucional ou popular.
Precisamos refletir sobre uma nova política criminal, que extingua os “crimes sem vítima” e o excesso de recursos processuais, que estimule a segurança descentralizada, que reforce a polícia centralizada e garanta direitos humanos a criminosos, por piores que eles sejam. Infelizmente, os bitolados de todos os lados do espectro político dificultam ao máximo a elaboração de tais políticas públicas.
Bernardo Santoro é Mestrando em Direito (UERJ) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política da Faculdade de Direito da UERJ. Advogado e Diretor Administrativo do Instituto Liberal.
Esse conteúdo foi originalmente publicado no site do Instituto Liberal